O clima de insegurança pública e de medo generalizado vem gerando uma forte demanda popular e midiática por mais rigor penal, maior efetividade do Estado nessa área e pelo fim da generalizada impunidade, sobretudo da corrupção e das mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos.
Artigos do prof. LFG
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do portal atualidadesdodireito.com.br. Estou no luizflaviogomes@atualidadesdodireito.com.br
No dia 29.05.13, às 10h, promoveremos no nosso atualidadesdodireito.com.br um debate sobre a PEC 37, com participação de defensores dela (delegado de polícia federal Marcos Leôncio e Luiz Flávio Borges D’Urso) assim como seus contrários (promotor de justiça Rogério Sanchez e procuradora da República Zélia Luíza Pierdoná). O portal Terra irá cobrir o debate. Participem.
De acordo com minha opinião, nada melhor para o crime organizado, em todas as suas frentes de atuação (privado violento, privado fraudulento, público fraudulento e privado-público), que as brigas institucionais relacionadas com os poderes de investigação.
O crime organizado constitui, hoje, a maior ameaça (o maior inimigo) para o Estado democrático (Ferrajoli). Mesmo unindo todas as forças investigativas do combalido Estado (polícia civil, polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia militar, Ministério Público, Coaf, agentes do fisco etc.), mesmo juntando tudo, dificilmente será o Estado capaz de fazer frente à força avassaladora do crime organizado, que agradece por todas as brigas institucionais.
O clima de insegurança pública e de medo generalizado vem gerando uma forte demanda popular e midiática por mais rigor penal, maior efetividade do Estado nessa área e pelo fim da generalizada impunidade, sobretudo da corrupção e das mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos (veja nosso livro Populismo penal midiático, Saraiva: 2013).
É nesse quadro de intranquilidade nacional e de protestos reiterados, que vem se agravando assustadoramente, desde 1980, quando contávamos com 11,7 mortes para cada 100 mil habitantes, contra 27,4 em 2010, que o Ministério Público, duramente cobrado pelas demandas populistas midiáticas, passou a investigar alguns delitos, por sua conta e risco, especialmente os relacionados com o crime organizado e os cometidos por policiais.
Por mais que a jurisprudência, nomeadamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, continue ratificando suas investigações autônomas ou paralelas (seus PICs – procedimentos investigatórios criminais), a verdade é que ainda não existe lei inequívoca que lhe dê, com nitidez, esse poder.
Daí as contínuas controvérsias e alegações de nulidade, que andam forjando grande insegurança jurídica (do jeito que o crime organizado gosta).
A maior prova da nebulosidade nesse campo reside no seguinte: por falta de expressa disposição legal, que é exigência básica do Estado de Direito, primordialmente quando em jogo estão direitos fundamentais dos investigados, todo procedimento dessa natureza do Ministério Público está regulamentado por Resoluções ou Atos Normativos dos Procuradores Gerais. Esses atos, no entanto, não possuem o status de lei. No Estado de Direito todos os atos devem ser regidos pela legalidade estrita, especialmente os invasivos dos direitos fundamentais das pessoas.
Diante desse flagrante déficit de legalidade, as investigações não são uniformes e os procedimentos adotados não são idênticos. O mais grave: não existe controle judicial periódico delas (como afirmou Márcio Thomaz Bastos). Aliás, há juízes que não as reconhecem e, assim, se recusam a arquivar tais procedimentos, quando nada é apurado contra o suspeito. Nem é preciso enfatizar o limbo em que se encontra essa situação, e tudo por falta de regulamentação legal.
Seja por falta de segurança jurídica, que deveria ser enfrentada pelo legislador urgentemente, seja por ausência de estrutura material, seja, enfim, pela falta de treinamento específico – especialização – para o adequado desempenho da atividade investigativa, não há como o Ministério Público assumir, sozinho, a premente tarefa de apurar os crimes e sua autoria. Por maior boa intenção que exista, ninguém pode dar passos maiores que as pernas. A soma de energias, não só entre a polícia e o Ministério Público, sim, entre mais instituições (agentes do fisco, Coaf, Banco Central etc.), constitui o único caminho sensato para fazer frente ao crime organizado, que está enraizado no poder público, sobretudo nas hastes partidárias, corroendo todas as suas possibilidades de concretizar políticas públicas de favorecimento de todos.
No estágio em que nos encontramos, de aguda insegurança coletiva e de medo difuso, todo esforço investigativo do Ministério Público, supletivo ou complementar, sobretudo quando se trata do crime organizado, dos crimes do colarinho branco e dos praticados pela própria polícia, será muito bem-vindo, mas sempre em conjunto com os órgãos policiais, cabendo a edição de uma lei que cuide disso de forma expressa e inequívoca.
Nosso Estado Democrático de Direito muito ganharia se todas as instituições de segurança pública deixassem de se digladiar e somassem seus parcos recursos e ingentes esforços no sentido de proporcionar à nação brasileira uma Justiça mais equilibrada, mais justa e menos sujeita a improvisações, discriminações e incertezas. Não mais que 3% dos crimes são punidos no Brasil, incluindo-se os homicídios. Esse número é vergonhoso. Se todas as instituições se unissem ele poderia ser alterado. Enquanto brigam, o crime organizado fica eternamente grato.
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