De fato, o Ministério Público vem realizando investigações criminais no Brasil, utilizando-se, para tanto, de seu braço armado, o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) composto por policiais militares cedidos ao Ministério Público, órgão chamado por muitos de DOI-CODI do Estado Democrático de Direito. Certamente, em um futuro próximo, o plenário do STF será instado a se manifestar sobre a legalidade e constitucionalidade de tais investigações.
Contudo, mesmo para os que admitem a legitimidade do Ministério Público em promover investigação criminal, esta não se fará, logicamente, pelo Inquérito Policial. Por questões óbvias, Inquérito Policial é presidido pela Polícia Civil, na figura do Delegado de Polícia. Eventual Inquérito (ou seja lá que nomen juris se atribua a tal aberração jurídica) instaurado ou presidido diretamente pelo Ministério Público nunca poderá ser “Policial”.
Nesse sentido, tem-se o comando normativo prevista no art. 2º, § 2º, da Lei 12.830/13 , ao prever expressamente a presidência da investigação criminal, instaurada por meio de Inquérito Policial ou outro procedimento previsto em lei, com fim de apurar indícios de autor e prova de materialidade da infração penal. À Autoridade Policial, na figura do Delegado de Polícia, cabe a presidência do Inquérito Policial.
Ressalte-se que a Lei 12.830/13 demonstra uma vitória da sociedade brasileira, na medida em que prevê prerrogativas mínimas para que as investigações criminais sejam dirigidas sem interferências políticas. Não se trata de benefícios conferidos à figura do Delegado de Polícia; muito pelo contrário, versa a lei sobre garantias mínimas de que as investigações sejam realizadas de forma equânime, impedindo-se avocações/redistribuições de investigações por interesses políticos ou midiáticos, e transferências de Delegados de Polícias quando a condução das investigações atentem contra interesses privados de poderosos.
Outro caso de indevida avocação de investigações realizadas pelo Ministério Público se refere ao caso conhecido como “Meninas de Guarus” , encaminhado ao Fiscal-da-Lei, para controle externo da atividade policial, não mais retornando para a Delegacia de Polícia para o prosseguimento e conclusão das investigações. Realizado o esbulho-investigativo, supostamente as investigações sobre uma rede de pedofilia teriam permanecido paradas durante 2 (dois) anos, quando uma Comissão Parlamentar de Inquéritos da Assembleia Legislativa tornou o caso público, fazendo com que o Procurador-Geral designasse novo Promotor de Justiça para a reabertura e prosseguimento das investigações.
Vem sendo observado, porém, requisições realizadas pelo Ministério Público de investigações que ainda encontram-se em andamento, e, muitas das vezes, dentro do prazo legal para sua conclusão, o que se mostra temerário, senão arbitrário e ilegal. Na realidade, embora tais atos ilegais sejam nomeado como “requisição”, tratam-se de verdadeiro ato de avocação de Inquérito Policial.
A Constituição de 1988, em seu artigo 129, incisos VII, prevê como função institucional do Ministério Público a realização do controle externo da atividade policial, entendida como o exercício da função de polícia judiciária, afeto a apuração da materialidade e indícios de autoria da infração penal, nos termos de Lei Complementar.
Tanto a Lei 8.625/93 (LOMP), que dispõe sobre normas gerais para o Ministério Público, quanto a Lei Complementar 106/03, não preveem a possibilidade do Ministério Público requisitar (sic – avocar), manu militari, auto de Inquérito Policial, com o fim de prosseguir nas investigações. Trata-se, tal hipótese, de verdadeiro esbulho-investigativo. Certamente, a função institucional de controle externo da atividade policial não abrange tal aberração.
A própria Resolução n. 13/06 do CNMP (de (in)duvidosa constitucionalidade, por ser verdadeiro “decreto-autônomo”), que teve a pretensão de regulamentar a instauração e tramitação de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público, não prevê qualquer hipótese de avocação de Inquérito Policial para que o Parquet prossiga, ele mesmo, nas investigações. Muito pelo contrário, se o Ministério Público possui pretensão de investigar, que o faça por procedimento e mérito próprios.
O poder requisitório do Ministério Público, previsto no art. 129, inciso VIII, da CRFB, somente prevê a possibilidade de requisição para o cumprimento de diligências ou para instauração de Inquérito Policial. Não permite, de forma alguma, a avocação de investigações pelo Parquet.
Outrossim, o argumento de que a avocação se legitimaria em eventual negligência do Delegado de Polícia na condução da investigação não possui qualquer respaldo legal ou prático. Se há negligência na investigação, deve o Ministério Público oficiar à Corregedoria de Polícia para que proceda o competente Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD, possibilitando o exercício do devido processo legal e da ampla defesa, e, havendo indícios de falta funcional, o órgão correicional terá legitimidade para avocar e redistribuir a investigação, de forma fundamentada, para outra Autoridade Policial. O que se mostra inadmissível, é a avocação de Inquéritos Policial, por parte do Ministério Público, violando-se a prerrogativa e atribuição da Autoridade Policial na condução das investigações, sem qualquer justificativa ou ausente o devido processo legal. Tal prática, repita-se, é ilegal, arbitrária e imoral, devendo ser repelida de forma contundente.
Se mostra imoral, no mínimo, a apropriação de algumas investigações realizadas pela Polícia Civil, porém avocadas pelo Ministério Público. Causa estranheza, que tais avocações ocorram em investigações de fatos com grande apelo midiático e sem qualquer fundamento fático razoável (já que não há qualquer respaldo legal para tal ato avocatório), com claro intuito de promoção pessoal ou mesmo institucional.
Como mas um exemplo de avocação indevida de investigação pelo Ministério Público, no Rio de Janeiro, a Promotoria de Investigação Criminal pseudo-requisita, em clara ilegalidade, investigação de tortura que acabara de ser instaurada em Delegacia de Polícia, subtraindo a atribuição da Polícia Civil em prosseguir nas investigações dos fatos.
Por fim, necessário considerar que violações dolosa desta natureza constituem crime de abuso de autoridade, descrito no art. 3º, alínea “j”, da Lei 4.898/65, pelo abuso de direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional, devendo ser repudiado qualquer ato atentatório ao exercício de prerrogativas profissionais.
Certo é que a Constituição, ao traçar claramente a atribuição/competência de cada órgão estatal, o fez preocupada com a convivência harmônica de todos os entes, sempre na preservação do Estado Democrático de Direito.
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