LUIZ FLÁVIO GOMES
Todas as vezes que fui a Florianópolis e Salvador, dentre outras tantas cidades, sempre fiquei imaginando como um dia poderíamos conseguir uma convivência pacífica e não mortífera nas suas lindas orlas?
E por que isso não poderia valer também para a Avenida Paulista em São Paulo? Como imaginar os espaços urbanos sem nenhuma morte, sobretudo em razão dos brutais atropelamentos. Como os pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas poderiam conviver em um ambiente bastante seguro, menos poluído, com menos ruídos e sem acidentes fatais? Tudo não passaria de uma utopia? Seria uma ideia maluca? Nada disso.
Extremamente econômica e saudável, não sei se nossa geração vai testemunhá-la. As futuras com certeza desfrutarão desse paraíso convivencial. Quando? No Brasil, se considerarmos o quanto resistimos a uma medida tão trivial como uso de cinto de segurança, talvez serão necessárias várias décadas.
Na Europa, tudo isso já é realidade em várias cidades e, em menos de uma década, se o Parlamento Europeu transformar em lei uma Iniciativa Popular que já está tramitando por lá, desde setembro de 2012 (e se esta mobilização popular atingir um milhão de assinaturas no prazo de um ano), a providência vai cobrir todo o continente europeu.
Do que estamos falando? Da zona 30, ou seja, limitação da velocidade dos veículos a 30 km/h nos chamados “cascos urbanos”. Em lugar de pedágios, muito mais salutar e econômica é a zona 30. A Secretaria Municipal dos Transportes (SMT) da cidade de São Paulo vem reduzindo a velocidade máxima permitida em várias ruas de São Paulo, mas ainda está longe da chamada zona 30.
A redução da velocidade nos centros urbanos constitui uma providência civilizadora que revela a superação (nessa área) da nossa vulgaridade. Já presente em 34 cidades ingleses e várias espanholas (El País de 28.12.12, p. 22), o cidadão já não é tratado como mero pedestre mortável (exterminável).
Em Pontevedra (Espanha) a medida já vigora há 4 anos. Nenhuma morte mais por atropelamento aconteceu. Mais de 70% dos motoristas ingleses estão apoiando a medida (porque estão conseguindo trafegar com maior velocidade que antes).
Em 2011 Noruega reduziu em 20% o número de mortos no trânsito. Letônia, em 18%. Espanha, em 17%. Bulgária, em 15%. Romênia, em 15%. No Brasil, desde 2000 nosso aumento anual é de 4,4%. É hora de acordarmos para um novo mundo, mais civilizado e menos vulgar. A baixa velocidade é uma medida menos radical que a proibição de circulação do veículo ou mesmo que a instalação de pedágios urbanos. Ela atende o interesse do motorista assim como a política preventiva de redução de acidente e/ou morte no trânsito (estimulada pela ONU).
Estatística divulgada pelo Observatório de Segurança Viária da Espanha (El País de 19.09.10, p. 17) dá conta do seguinte: se um carro trafega a 30 km/h, 30% dos atropelados saem ilesos, 5% morrem e 65% ficam feridos. Se o carro trafega a 50 km/h, somente 5% saem ilesos, 45% morrem e 55% ficam feridos. Se o carro trafega a 65 km/h, ninguém sai ileso, 85% morrem e 15% ficam feridos. Se o carro trafega a 80 km/h ou mais, ninguém sai ileso e (praticamente) 100% morrem (El Pais de 19.09.10, p. 17).
Como se vê, a redução da velocidade (sobretudo nos centros urbanos) reduz a sinistralidade assim como a mortalidade. As ruas têm que ser devolvidas civilizadamente aos pedestres e ciclistas, criando-se um ambiente de convivência pacífica entre eles e os motociclistas e motoristas.
Menos mortes, menos feridos, menos ruído, menos contaminação atmosférica, menos destruição das árvores e do verde, menos restrição ao ato de viver em paz. Imaginar esse cenário quase bucólico no Brasil é uma quimera, porque sabemos que o brasileiro, no volante de um veículo, em geral (há exceções, claro) é um nazista, um fascista (DaMatta et alii: 2010, p. 8). Tenta impor também no trânsito as suas superioridades hierárquicas, desrespeitando a igualdade do trânsito. É hora de todos nós nos conscientizarmos e superarmos nossa boçalidade e vulgaridade. A mortandade no trânsito brasileiro faz parte de uma guerra civil macabra, que parece nunca ter fim.
Nossa reeducação tem que passar (a) pela reeducação democrática (respeito ao princípio da igualdade), (b) pela reeducação cultural (cultura da obediência à lei, que se choca com a concepção aristocrática e hierarquizada da nossa sociedade) e (c) reeducação religiosa (o fé em Deus e pé na tábua conduz à imprudência, à fatalidade) (DaMatta et alii: 2010, p. 75 e ss.). Grandes desafios desafiam grandes administradores e grandes povos. Vamos fundo e pé na tábua nesse programa de reeducação.
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