Análise das disposições penais temporárias
introduzidas pela Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012 - Lei Geral da Copa.
Após polêmica tramitação nas duas Casas do
Congresso Nacional do projeto que ficou conhecido como “Lei Geral da Copa”, foi
publicada no Diário Oficial da União, em 06 de junho de 2012, a Lei n. 12.663,
de 5 de junho de 2012, que “dispõe sobre as medidas relativas à Copa das
Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da
Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil”.
Podendo ser considerada um verdadeiro
“microssistema”, entre outros assuntos de Direito Civil, Administrativo e
Empresarial, atinentes aos próximos eventos internacionais que o Brasil
recepcionará, a Lei Geral da Copa definiu novos crimes, cominou as respectivas
penas, além de trazer outras disposições pontuais em matéria de Direito Penal.
Primeiramente, necessário esclarecer que a Lei
Geral da Copa determinou prazo certo e determinado de vigência das normas
penais incriminadoras criadas ao estabelecer que: “os tipos penais previstos
neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014” (artigo 36, da
Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012).
A disposição evidencia que estamos diante de uma
hipótese de lei temporária, definida como aquela que tem tempo de vigência
determinado em seus próprios dispositivos.
Com efeito, os tipos penais definidos pela Lei
Geral da Copa devem seguir a regra disposta no artigo 3º, do Decreto-lei n.
2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, que excepciona o princípio da
retroatividade benigna. É dizer: a Lei Geral da Copa deverá ser aplicada aos
fatos praticados durante sua vigência, ainda que decorrido o período de sua
duração.
A Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012, descreveu
as seguintes condutas que temporariamente integram nosso ordenamento jurídico,
e passam a ser consideradas crimes:
“Utilização indevida de Símbolos Oficiais
Art. 30. Reproduzir, imitar, falsificar ou modificar
indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
Art. 31. Importar, exportar, vender, distribuir, oferecer
ou expor à venda, ocultar ou manter em estoque Símbolos Oficiais ou produtos
resultantes da reprodução, imitação, falsificação ou modificação não
autorizadas de Símbolos Oficiais para fins comerciais ou de publicidade:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses ou multa.
Marketing de Emboscada por Associação
Art. 32. Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim
de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta
ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de
pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas,
produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, sem autorização da
FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de Ingressos, convites ou
qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou
atividade comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica.
Marketing de Emboscada por Intrusão
Art. 33. Expor marcas, negócios, estabelecimentos,
produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA
ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública
nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou
publicitária:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou
multa”.
De modo geral, a objetividade jurídica tutelada nos
crimes em estudo é a propriedade industrial. A marca suscetível de registro é
aquela considerada como “sinais distintivos visualmente perceptíveis, não
compreendidos nas proibições legais” (artigo 122, da Lei n. 9.279, de 14 de
maio de 1996). Sucede que, os símbolos oficiais de titularidade da Fédération
Internationale de Football Association (FIFA) são enquadrados em uma das
hipóteses de sinais não registráveis como marca (artigo 124, inciso I, da Lei
n. 9.279, de 14 de maio de 1996).
Os crimes previstos na novatio legis
temporária são classificados como comuns, porquanto podem ser praticados por
qualquer pessoa, pelo que os novos tipos penais não exigem nenhuma qualidade
especial dos sujeitos ativos das condutas delituosas.
Como sujeito passivo principal ou primário dos
preditos crimes temporários, figura a Fédération Internationale de Football
Association (FIFA), titular dos “Símbolos Oficiais” (sinais não
registráveis como marca).
Necessário anotar que, os crimes definidos nos
artigos 32 e 33 fazem a ressalva de que a falta de autorização pode ser tanto
da FIFA ou da “pessoa por ela indicada”. Nesta última hipótese, a “pessoa
indicada pela FIFA” figurará também como vítima dos crimes mencionados.
Analisando o tipo objetivo do crime de “utilização
indevida de símbolos oficiais” (artigo 30), observa-se que a descrição
incrimina quatro condutas: (i) “reproduzir”: verificada tanto na
reprodução total (cópia fiel) ou parcial (retirada de um ou alguns dos
elementos característicos do símbolo oficial violado); (ii)“imitar”:
definida como “reproduzir à semelhança de” ou “falsificar”, de modo que a lei
empregou uma expressão desnecessária, pois este verbo possui o mesmo
significado daqueles referidos; (iii) “falsificar”: significa
contrafazer, ou seja, dar aparência de genuíno ao que não é; (iv)
“modificar”: traduzida como a alteração das formas e aspectos destes símbolos
oficiais.
Ressalta-se que no artigo 30, o legislador empregou
o advérbio “indevidamente” (sem a devida autorização do titular), deixando às
claras a ilicitude ou antijuridicidade das supramencionadas condutas puníveis.
A definição de “símbolos oficiais” restou oferecida
de modo abrangente pelo legislador, na medida em que os conceituou como aqueles
“sinais visivelmente distintivos, emblemas, marcas, logomarcas, mascotes,
lemas, hinos e qualquer outro símbolo de titularidade da FIFA” (artigo 2º,
inciso XVIII, da Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012). Esta norma penal ainda
deve ser complementada com o conceito legal de FIFA: “associação suíça de
direito privado, entidade mundial que regula o esporte de futebol de
associação, e suas subsidiárias não domiciliadas no Brasil” (artigo 2º, inciso
I, da Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012).
O crime previsto no artigo 31, por sua vez, igualmente
considerado como um tipo misto alternativo, pelo qual incidirá o princípio da
alternatividade, criminaliza as seguintes condutas: (i) importar: fazer
entrar no território nacional; (ii) exportar: fazer sair do território
brasileiro; (iii) vender: alienar por certo preço; (iv)distribuir:
dar ou entregar a diversas pessoas; (v) oferecer ou expor à venda: pôr à
vista para vender; (vi)ocultar: esconder ou tornar irreconhecível e; (vii)
manter em estoque: ter em depósito. Nestas hipóteses, as condutas deverão
recair sobre: (i) símbolos oficiais ou (ii) produtos resultantes
da reprodução, imitação, falsificação ou modificação.
O legislador definiu o crime de “marketing de
emboscada por associação” no artigo 32, a partir da figura nuclear “divulgar”
(propagar, difundir) marcas (sinais distintivos visualmente perceptíveis),
produtos (qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial) ou serviços
(qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração). Além
disso, neste tipo penal o legislador descreve o modo pelo qual a conduta
punível deve ser praticada: “por meio de associação direta ou indireta com os
Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela
indicada”. Por eventos se entende:
“Art. 2º. Para os fins desta Lei, serão observadas
as seguintes definições:
(...)
V – Eventos: as Competições e as seguintes
atividades relacionadas às Competições, oficialmente organizadas, chanceladas,
patrocinadas ou apoiadas pela FIFA, Subsidiárias FIFA no Brasil, COL ou CBF:
a) os congressos da FIFA, cerimônias de abertura,
encerramento, premiação e outras cerimônias, sorteio preliminar, final e
quaisquer outros sorteios, lançamentos de mascote e outras atividades de
lançamento;
b) seminários, reuniões, conferências, workshops e
coletivas de imprensa;
c) atividades culturais, concertos, exibições,
apresentações, espetáculos ou outras expressões culturais, bem como os projetos
Futebol pela Esperança (Football for Hope) ou projetos beneficentes similares;
d) partidas de futebol e sessões de treino; e
e) outras atividades consideradas relevantes para a
realização, organização, preparação, marketing, divulgação, promoção ou
encerramento das Competições, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas,
produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA”.
Arrematando a construção típica proposta pelo
legislador, este crime prevê o resultado naturalístico que decorre da conduta:
“induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são
aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA” – dado que nos leva a crer que
estamos diante de um crime material.
O parágrafo único do artigo 32 traz a previsão de
uma figura penal equiparada àquela definida no caput: “na mesma pena
incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o
uso de Ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos
Eventos a ações de publicidade ou atividade comerciais”. No artigo 2º, inciso
XIX, d a Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012, o legislador penal definiu
ingressos como: “documentos ou produtos emitidos pela FIFA que possibilitam o
ingresso em um Evento, inclusive pacotes de hospitalidade e similares”.
Por último, o legislador definiu o crime de
“marketing de emboscada por intrusão”, no artigo 33, descrevendo as condutas
alternativas de: (i) expor (pôr a vista) marcas, negócios (acordos de
vontades), estabelecimentos (conjunto de bens corpóreos e incorpóreos
destinados à atividade empresarial), produtos, serviços ou; (ii)
praticar atividade promocional (divulgação da marca com o objetivo de
incrementar o seu valor). Além disso, o legislador descreveu o modo pelo qual
estas condutas devem ser praticadas para serem consideradas típicas: “atraindo
de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos”.
Todos os crimes acima analisados, criados por esta
lei temporária, são punidos exclusivamente a título de dolo (direto ou
eventual), restando afastada a possibilidade de punição de condutas culposas,
por ausência de previsão legal. Verifica-se a exigência de elementos subjetivos
específicos do tipo (para a doutrina clássica o chamado dolo específico), nos
seguintes crimes: (i) artigo 31: a conduta deve ter “fins comerciais ou
de publicidade”; (ii) artigo 32, parágrafo único: o agente deve agir com
“o intuito de obter vantagem econômica”; (iii) artigo 33: o autor do
crime deve ter por finalidade a obtenção de “vantagem econômica ou
publicitária”.
Observa-se, de maneira geral, que pelas penas
cominadas aos crimes em estudo, estamos diante, sem exceções, de infrações
penais de menor potencial ofensivo, sendo admitida em todas as hipóteses a
aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099, de 26 de
setembro de 1995, a exemplo da transação penal ou suspenção condicional do
processo (artigo 61 combinado com os artigos 76 ou 89).
Com relação a pena de multa dos crimes previstos
nesta Lei, e no Estatuto de Defesa do Torcedor (artigos 41-B a 41-G, da Lei no
10.671, de 15 de maio de 2003), o artigo 35 criou hipóteses de majoração ou
diminuição, excepcionais e temporárias. Se os delitos forem relacionados às
Competições de que trata esta lei (Copa das Confederações FIFA 2013 e Copa do
Mundo FIFA 2014), os limites do valor do dia-multa a ser fixado pelo juiz (de
um trigésimo a cinco vezes o valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato)
“pode ser acrescido ou reduzido em até 10 (dez) vezes, de acordo com as
condições financeiras do autor da infração e da vantagem indevidamente
auferida”.
Os crimes definidos na Lei Geral da Copa são
considerados de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação
da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), conforme
dispõe o artigo 34, da Lei n. 12.663, de 5 de junho de 2012.
Esta disposição excepciona a regra geral de que os
crimes contra a propriedade industrial são processados mediante ação penal de
iniciativa privada (artigo 199, da Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996).
Por derradeiro, à luz do princípio da
especialidade, esclarece-se que o crimes definidos temporariamente pela a Lei
n. 12.663, de 5 de junho de 2012, prevalecem em eventual conflito de crimes,
devendo ser afastada a tipificação, por exemplo, dos delitos previstos na Lei
n. 9.279, de 14 de maio de 1996, em especial os artigos 189 a 191 e 195.
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Autores:
David Pimentel Barbosa de Siena
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