domingo, 17 de fevereiro de 2013

O julgamento do processo administrativo disciplinar



O julgamento do processo administrativo disciplinar
Sebastião José Lessa*


Sumário
Considerações preliminares; II A configuração da transgressão disciplinar; II.a Tipicidade; II.b Antijuridicidade; II.c Culpabilidade; III A formalização da indiciação com a especificação detalhada dos fatos; III.a O raio acusatório e o correspondente esforço defensório; III.b Correlação entre indiciação, defesa e julgamento; III. b. 1 A figura da emendatio libelli (art. 383, CPP – Lei 11.719/2008); III.b.2 A figura da mutatio libelli (art. 384, CPP – Lei 11.719/2008); III.b.3 O contraditório e a ampla defesa; III.b.3.a O contraditório; III.b.3.b O cerceamento de defesa; IV A competência para decidir – o convencimento do julgador e o respaldo na prova dos autos; IV.a A conversão do julgamento em diligência; V A inovação introduzida pela Lei 9.527/1997, que acrescentou o § 4° ao art. 167, da Lei 8.112/1990 – o reconhecimento da inocência; V.a Relatório da comissão – divergência entre os membros - predominância da conclusão majoritária; VI O dever de motivar o ato disciplinar e a garantia do administrado; VI.a Motivo e motivação; VI.a.1 A relevância da motivação; VI.b A teoria dos motivos determinantes; VII Anotações de arremate; Conclusão.
Considerações preliminares
Escreveu Mário Guimarães: "Em princípio, não são os juízes responsáveis pelos danos que decisões erradas acaso venham a produzir. Com amarga finura, já se disse que o poder de julgar envolve o de praticar injustiças" (O juiz e a função jurisdicional, Ed. Forense, RJ, 1958, p. 239).
Então, defronte da natural falibilidade humana, pede-se vênia para exortar os julgadores a agirem com ponderação, sensibilidade e justiça, mormente quando da aplicação da pena expulsória (art. 127, III usque VI, Lei 8.112/1990). É que, na prática, tal penalidade, sobretudo quando injusta e desproporcional, produz efeito devastador para o servidor e sua família.
Buscando, na trilha da verdade, adequar meios e fins (art. 2º, caput, parágrafo único, VI, Lei 9.784/1999), colhe-se da jurisprudência:


[...] 7. É possível anular judicialmente o ato demissional que ocorre em desatenção ao acervo probatório dos autos e com desatenção à proporcionalidade na sanção, sem prejudicar eventual aplicação de diversa penalidade administrativa. Precedente: MS 13.791/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 25.4.2011. 8. Prejudicado o agravo regimental. Segurança parcialmente concedida. (grifei) (STJ, MS 15.810, rel. Min. Humberto Martins, DJ 02/08/2012.)



Precedente: STJ, MS 6663 DF, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 02/10/2000.
Apropositado dizer que a prova – que conduz à verdade – é o elemento fundamental do processo, portanto já ensinava Cesare Beccaria:


As provas de um delito podem ser diferençadas em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas perfeitas são aquelas que demonstram, de maneira positiva, que é impossível ser o acusado inocente. As provas são imperfeitas quando a possibilidade de inocência do acusado não é excluída. (grifei) (Dos delitos e das penas, Ed. Martins Fontes, SP, 2000, p. 65.)



Com efeito, vigora no processo administrativo disciplinar, a regra geral de que "O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos" (grifei) (art. 168 e parágrafo único, Lei 8.112/1990). É o princípio da livre persuasão racional atrelado ao dever de motivar.
Nesse descortino, vem a tempo o pronunciamento da ilustrada Consultoria-Geral da República, no Parecer H - 458/1967 - Formulação 159-DASP, da lavra de Adroaldo Mesquita da Costa:


Esta Consultoria-Geral, em iterativos pronunciamentos, tem manifestado a sua opinião no sentido de fiel acatamento às conclusões das Comissões de Inquérito, quando estas se acharem de acordo com a prova dos autos. No caso presente, a comissão opinou pela aplicação da pena de suspensão após pesar e ponderar a argumentação de defesa e acusação. (grifei)



Na linha de tal entendimento, decidiu a c. Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no ROMS 24.561-5-DF, DJ de 18/06/2004, da relatoria do Min. Marco Aurélio, cuja ementa registra:


Recurso ordinário em mandado de segurança. Servidor público federal. Processo administrativo disciplinar. Agravamento de penalidade. Discrepância entre a penalidade aplicada por ministro de Estado e as conclusões da comissão disciplinar.



Colhe-se do expressivo voto condutor:


O art. 168 da Lei n. 8.112/90 não obriga a autoridade competente a aplicar a penalidade sugerida no relatório de comissão disciplinar, mas exige, para agravamento desta pena, a devida fundamentação. (grifei)



No mesmo rumo: TJDFT, APC 2000.01.1.066658-7, rel. Des. Dácio Vieira, DJ 14/04/2005.
Reconhecimento da inocência
Destaque, outrossim, para situação singular introduzida pela Lei 9.527/1997, que acrescentou o
§ 4º ao art. 167, da Lei 8.112/1990, e que adiante será enfocado com maior profusão.
Ressalte-se, de antemão, que o citado dispositivo está assim redigido:


Art. 167[...]§ 4º Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos. (grifei)



A questão, prevista no art. 167, § 4º, da Lei 8.112/1990, como já dito, será tratada em item separado.
II A configuração da transgressão
disciplinar – grave e gravíssima
De início, é correto dizer que o Direito Disciplinar – no trato com os direitos fundamentais – admite a analogia penal, ainda mais quando se cogita de pena de natureza grave, como se vê da jurisprudência: STF, RE 78.917 SP, rel. Min. Luis Gallotti, DJ 23/08/1974:


O direito disciplinar não é infenso à analogia penal. Antes, ao que ensina Themístocles B. Cavalcante no caso das penas puramente administrativas, os mesmos princípios podem também ser aplicados por analogia. (grifei) (Direito e processo disciplinar, p. 179.)



Acolhendo também no seio do processo disciplinar a analogia com o processo penal, o julgado do c. STJ – MS 8.817, rel. Min. Paulo Medina, DJ 22/05/2006. (Sebastião José Lessa, Do Processo administrativo disciplinar e da sindicância, Ed. Fórum, BH/MG, 5. ed., 1ª reimpressão, 2011, p. 174.)
E aqui deve ser realçado, a título de esclarecimento, que a analogia, no seio do Direito Disciplinar, busca prestigiar a garantia dos direitos fundamentais do servidor, inclusive o princípio da tipicidade (art. 5º, XXXIX, CF).
II.a Tipicidade
Fernando Capez, observa que o tipo exerce função de garantia e com arrimo na doutrina de Luiz Vicente Cernicchiaro, ressalta que


A tipicidade (relação entre o tipo e a conduta) resulta do princípio da reserva legal. Logicamente, o tipo há de ser preciso para que a ação seja bem identificada. (Curso de Direito penal, parte geral, Ed. Saraiva, SP, 3. ed., 2001, p. 157; Guilherme de Souza Nucci, CPP Comentado, Ed. RT, SP, 10. ed., 2011, p. 723.)



Com o mesmo propósito, no Direito Disciplinar, a conformação típica da transgressão disciplinar mormente a grave a a gravíssima, decorre da junção dos dois elementos essenciais, ou seja, a base factual e a base hipotética. É dizer, adequação da conduta ao tipo.
A base factual, ou seja, a exposição detalhada do fato censurável, segundo a doutrina, "é o comportamento (previsto na lei) levado a efeito pelo transgressor".


Já a base hipotética consiste na descrição do modelo de conduta proibida, como, por exemplo, a figura contida no art. 117, inciso XII, da Lei 8.112/1990 (receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições) e que é sancionada com a pena máxima (demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, e destituição de cargo em comissão).E, acrescenta o autor: "que o ilícito disciplinar também se constitui dessas duas bases, apenas com uma diferença na sua base hipotética, a qual, em decorrência da margem discricionária deixada pelo legislador ao detentor do poder disciplinar, desdobra-se em duas divisórias: base hipotética expressa (sanções mais graves) e base hipotética em branco (sanções leves)’’ (grifei) (José Armando da Costa,Teoria e prática do direito disciplinar,Ed. Forense, RJ, 1981, p. 228 - 229).



A jurisprudência acerca da tipicidade, registra:


Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Processo administrativo disciplinar. Infração administrativa tipificada no art. 303, inciso LVI da Lei 10.460/1988. Ausência da elementar do tipo em serviço. Nulidade do decreto demissório. Direito líquido e certo.
I. In casu, em nenhum momento restou efetivamente evidenciado que o Recorrente estivesse no exercício de seu mister ("em serviço"). Isso porque, uma vez que os fatos se deram em local diverso do ambientedo trabalho, ainda que próximo, como consta do Relatório Final, somente seria cabível a imputação acaso ficasse demonstrado que o Recorrente estava, ao menos, no cumprimento das atribuições do cargo no momento do ocorrido, o que não ocorrera na espécie.II. O fato de cuidar-se a vítima de funcionário público, colega de serviço do Recorrente, e de existir uma animosidade entre eles em razão do serviço, segundo consta dos autos, não se mostra suficiente para tipificar o ilícito administrativo.III. No campo do direito disciplinar, assim como ocorre na esfera penal, interpretações ampliativas ou analógicas não são, de espécie alguma, admitidas, sob pena de incorrer-se em ofensa direta ao princípio da reserva legal.IV. Ressalte-se que a utilização de analogias ou de interpretações ampliativas, em matéria de punição disciplinar, longe de conferir ao administrado uma acusação transparente, pública, e legalmente justa, afronta o princípio da tipicidade, corolário do princípio da legalidade, segundo as máximas: nullum crimen nulla poena sine lege stricta e nullum crimen nulla poena sine lege certa, postura incompatível com o Estado Democrático de Direito.V. Recurso conhecido e parcialmente provido para anular a pena demissória aplicada ao Recorrente. (grifei) (STJ, RMS 16.264 GO, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 02/05/2006)



De igual modo, sob o influxo do princípio da tipicidade:


Administrativo. Servidor público. Demissão por abandono de cargo. Inocorrência. Ausência do animus abandonandi.I. É imprescindível para a tipificação da infração administrativa de abandono de cargo, punível com a demissão, o animus abandonandi, consoante precedente da 3ª Seção desta Corte.II. Assevere-se que, no caso em tela, o animus de abandonar o cargo restou afastado pelo Tribunal a quo após uma percuciente análise dos fatos e provas carreados aos autos, motivo pelo qual impôs a reintegração do servidor. Nesse contexto, fica vedado o reexame da questão na via do recurso especial pela incidência da Súmula n.º 7 desta Corte.III. Recurso especial não conhecido. (grifei) (STJ, REsp 501.716 DF, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 17/11/2003.)Administrativo. Ação civil pública. Licitação. Publicidade. Art. 11 da Lei 8.429/1992. Improbidade administrativa. Necessidade de configuração do dolo do agente público.I. Nem todo o ato irregular ou ilegal configura ato de improbidade, para os fins da Lei 8.429/92. A ilicitude que expõe o agente às sanções ali previstas está subordinada ao princípio da tipicidade: é apenas aquela especialmente qualificada pelo legislador.II. As condutas típicas que configuram improbidade administrativa estão descritas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, sendo que apenas para as do art. 10 a lei prevê a forma culposa. Considerando que, em atenção ao princípio da culpabilidade e ao da responsabilidade subjetiva, não se tolera responsabilização objetiva e nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas meramente culposas, conclui-se que o silêncio da Lei tem o sentido eloqüente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9.º e 11.III. Recurso especial a que se dá provimento. (grifei) (STJ, REsp 949.173, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 18/06/2009.)



Em arremate, José Armando da Costa adverte que:


[...] o Direito disciplinar moderno – embora ainda preserve, nas hipóteses de transgressões que cominem reprimendas mais leves, alguma parcela de manifestação discricionária em favor dos detentores do poder disciplinar – vem a cada dia tornando-se mais típico e mais vinculado ou regrado. (grifei) (Contorno jurídico da improbidade administrativa, Ed. Brasília Jurídica, 3. ed., 2005, p. 99).



Previstas na Lei 8.112/1990, as transgressões disciplinares leves são apenadas com advertência (arts. 127, I e 129); as graves são punidas com suspensão (art. 127, II e 130); e as gravíssimas com as sanções expulsórias elencadas nos arts. 127, III usque VI, e 132, I a XIII.
A Lei 4.878/1965, que dispõe sobre as peculiaridades do Regime Jurídico dos Policiais Federais, e dos Policiais Civis do Distrito Federal, gradua a transgressão disciplinar em leve, grave e gravíssima, nos arts. 46, 47 e 48, respectivamente.
Concernente arrolar, a título de esclarecimento, que a analogia sustentada neste trabalho, no tópico que cuida da configuração da transgressão disciplinar – grave e gravíssima, em verdade, busca a garantia dos direitos fundamentais do acusado, inclusive o princípio da tipicidade. (art. 5º, XXXIX, CF)
Por fim, acresce salientar que – mormente nas transgressões disciplinares graves e gravíssimas – além da tipicidade, são também componentes imprescindíveis para a configuração da transgressão: a antijuridicidade e a culpabilidade.
II.b Antijuridicidade
A antijuridicidade está assim conceituada pela doutrina:
A relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de sorte a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado (Francisco de Assis Toledo, Princípios básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, SP, 2. ed., 1986, p. 79-80).
Fernando Capez ensina que a antijuridicidade
[...] é a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas. (Curso de Direito Penal – Parte geral, v. I, Ed. Saraiva, SP, 2001, p. 242)
Como exemplo de causa excludente da antijuridicidade, no campo administrativo disciplinar, pode-se apontar a regra contida no inciso VII, do art. 132, da Lei 8.112/1990, assim redigido: "ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem." (grifei)
II.c Culpabilidade
Já a culpabilidade, e que deve ser entendida como a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apoia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, agir de outro modo, é conceituada como "censurabilidade da formação e manifestação da vontade." (Francisco de Assis Toledo, op. cit., p. 80-81.)
E a culpabilidade, pressuposto da pena,


[...] é a reprovação ao agente pela contradição entre sua vontade e a vontade da lei (Celso Delmanto. CP Comentado, Ed. Renovar, RJ, 2005, p. 19; Damásio E. de Jesus, Comentários ao Código Penal, parte geral, Ed. Saraiva, SP, 1º vol., 1985, p. 179).



A propósito, a culpabilidade, na quadra administrativa, foi referida no julgamento do c. Superior Tribunal de Justiça, verbis:


[...]II. As condutas típicas que configuram improbidade administrativa estão descritas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, sendo que apenas para as do art. 10 a lei prevê a forma culposa. Considerando
que, em atenção ao princípio da culpabilidade e ao da responsabilidade subjetiva, não se tolera responsabilização objetiva e nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas meramente culposas, conclui-se que o silêncio da Lei tem o sentido eloquente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9.º e 11.3. Recurso especial a que se dá provimento. (grifei) (STJ, REsp 949.173, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 18/06/2009.)



III A formalização da indiciação com a especificação detalhada dos fatos
– a fase do julgamento



Com efeito, prestigiando o devido processo legal, a segurança jurídica e a ampla defesa, determina o art. 161, caput, da Lei 8.112/1990, que a indiciação do servidor será formalizada "com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas." (grifei). É dizer, a lei determina a especificação (detalhamento) dos fatos. Logo, a indiciação conterá a exposição do fato ilícito, com todas as suas circunstâncias, bem como as respectivas provas, a exemplo do que ocorre com a denúncia no processo penal (art. 41, CPP).
Em verdade, no despacho de instrução e indiciação, a comissão ou sindicante deverá elaborar um relato circunstanciado do fato reprovável imputado ao acusado, apontando as disposições legais transgredidas, e, de resto, indicando as respectivas provas que levaram em consideração na formação da acusação, determinando, inclusive, a citação do acusado para a apresentação da defesa.
Agindo assim, estará a Comissão propiciando ao servidor acusado o exercício pleno dos seus direitos de contraditar a acusação e dela se defender, tudo em harmonia com os incisos LIV e LV, do art. 5º, da Constituição Federal.
A propósito, importante rememorar que o contraditório, em síntese, é constituído por dois elementos: informação e reação, segundo magistério de Ada Pellegrini, Cândido Dinamarco e A. Cintra in Teoria geral do processo, Ed. RT, SP, 7. ed., 1990, p. 57.
Portanto, no despacho de instrução e indiciação identifica-se a informação, em que deverá conter a exposição circunstanciada do fato reprovável imputado ao acusado e as respectivas provas, como já alertado, propiciando, efetivamente, oportunidade para o servidor rebater (reação), ponto por ponto, as imputações contra si articuladas.
No ensejo, para ilustrar esse posicionamento, vem à colação a decisão do c. Superior Tribunal de Justiça, assim ementada:


Mandado de segurança. Processo administrativo disciplinar. Demissão. Termo de indiciamento. Cerceamento de defesa. Ocorrência.I. O processo administrativo disciplinar não é estranho ao poder jurisdicional do Estado, próprio que é da competência de seus órgãos o controle da sua legalidade e constitucionalidade e, por conseqüência, o julgamento da regularidade do procedimento, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo
legal, sem, contudo, adentrar no mérito administrativo.II. "Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas." (artigo 161 da Lei 8.112/90).III. Em não tendo sido especificadas as provas que serviram de elemento de convicção da comissão processante para o indiciamento do servidor, é de se reconhecer a violação do princípio da ampla defesa.[...]V. Ordem concedida. (grifei) (STJ, MS 6.912 DF, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 18/02/2002).Precedentes: STJ, RMS 1.074-ES, DJ de 30/03/1992; STJ, ROMS 10464 MT, DJ de 18/10/1999; ROMS 7375 PR, DJ de 19/06/2000; ROMS 9532 RO, DJ de 04/09/2000; MS 6.875 DF, DJ 18/02/2002.



III.a O raio acusatório e o correspondente
esforço defensório



Acerca do despacho de instrução e indiciação, pondera a doutrina que essa peça processual circunscreve o enfoque das provas contra o indiciado, delimitando processualmente a acusação, significando dizer que, sob pena de nulidade, não pode a autoridade hierárquica, mais adiante, na fase do julgamento, levar em conta fatos que não foram articulados em seu contexto, ou seja, no despacho de indiciação. É por isso que se diz que "o raio acusatório é que define o esforço defensório" (José Armando da Costa,Teoria e prática do processo administrativo disciplinar, Ed. Brasília Jurídica, 4. ed., 2002, p. 247 e 259).


III.b Correlação entre indiciação, defesa e julgamento



Com efeito, torna-se imperioso que haja absoluta correspondência entre a descrição do fato imputado e contestado e a respectiva definição jurídica apontada no ato final.


É que, não poderá, na edição do ato punitivo, ocorrer surpresa para a defesa. Já advertia Tourinho Filho – antes mesmo do afirmado pela Lei n. 11.719/08 – que a relação mútua há de verificar-se entre a decisão e o fato contestado. (Cf.: Damásio E. de Jesus, CPP Comentado, Ed. Saraiva, SP, 2. ed., 1982, p. 204; Sebastião José Lessa, do Processo Administrativo Disciplinar e da sindicância, Ed. Fórum, BH/MG, 5ª ed., 1ª reimpressão, 2011, p. 169)



III. b. 1 A figura da emendatio libelli (art. 383, CPP – Lei 11.719/2008) – aplicação no processo administrativo disciplinar



A Lei 11.719/2008, ao cuidar da emendatio libelli, deu nova redação ao art. 383, do CPP:


Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. (grifei)



Significativa a doutrina de Guilherme de Souza Nucci:


[...] é a regra segundo a qual o fato imputado ao réu, na peça inicial acusatória, deve guardar perfeita correspondência com o fato reconhecido pelo juiz, na sentença, sob pena de grave violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, consequentemente, ao devido processo legal. (grifei) (obra citada, 2011, p. 721).



Deveras, para dar concretude aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, CF), a regra da emendatio libelli deverá ser observada no julgamento do processo administrativo disciplinar.
É que, o inciso LV, do art. 5º, da Carta Política, destaca que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."
Por isso o entendimento pretoriano de que:


[...] o indiciado em processo disciplinar se defende contra os fatos ilícitos que lhe são imputados, podendo a autoridade administrativa adotar capitulação legal diversa da que lhes deu a Comissão de Inquérito, sem que implique cerceamento de defesa. (grifei) (STF, MS 20.355-2 DF, rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 23/03/1983.)



Colhe-se ainda, do expressivo voto condutor:


Ora, mesmo que outro motivo devesse, por hipótese, ser afastado, este outro seria razão suficiente e autônoma para justificar in abstracto, a punição máxima. Além disso, a defesa se exercita contra a imputação de atos ilícitos, não a prejudicando a capitulação errônea do inquérito, tanto mais que esta pode vir a ser dada pela autoridade, ao exame que faz dos autos, no exercício de sua competência de apreciar e julgar, sem estar jungido ao parecer da comissão. (grifei)Nessa senda: STF, RDA 152/77; STJ, MS 8106 DF, rel. Min. Vicente Leal, DJ de 28/10/2002; STJ, REsp 617.103 PR, rel. Min. Paulo Medina, DJ 22/05/2006; José Cretella Júnior, Prática do processo administrativo, Ed. RT, SP, 1988, p. 137.



Anote-se que o mesmo entendimento é aplicado na esfera penal (STF, HC 56.874, DJ de 08/06/1979; Damásio Evangelista de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, Ed. Saraiva, SP, 1990, p. 222).
Por tais razões, na aplicação correta da emendatio libelli, é necessário, na hipótese de mudança de capitulação, que seja observada absoluta correspondência entre o fato imputado e contraditado e a definição jurídica expressa no ato punitivo.


III.b.2 A figura da mutatio libelli (art. 384, CPP –Lei 11.719/2008) – aplicação no processo administrativo disciplinar



No trato da mutatio libelli, está dito no art. 384, do CPP, com a nova redação da Lei 11.719/2008:


Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (grifei)



Cuidando da mutatio libelli, ressalta Guilherme de Souza Nucci: ‘’Qualquer alteração do conteúdo da acusação, não contida na denúncia ou queixa, depende de participação ativa do Ministério Público.’’ Logo, evidentemente que a defesa será chamada a manifestar-se.
Releva anotar, que elementares são os componentes objetivos e subjetivos do tipo básico. E as circunstâncias são as particularidades que podem envolver o ilícito.’’ (Obra citada, p. 727-8.)
Assim, em razão dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, incisos. LIV e LV, CF), a regra da mutatio libelli deverá ser observada no julgamento do processo administrativo disciplinar.
Com efeito, se durante a fase de julgamento, surgirem elementos ou circunstâncias capazes de provocar nova definição jurídica do fato, e que não foram regularmente incluídos no despacho de instrução e indiciação (art. 161, caput, Lei 8.112/1990), deverá a autoridade julgadora reabrir o prazo para defesa, sob pena de nulidade, por cerceamento de defesa, consubstanciada na supressão do contraditório (art. 5º, LV, CF; arts. 143 e 153, Lei 8.112/1990).
A mutatio libelli, mesmo antes da Lei 11.719/2008, diga-se, foi já reconhecida na quadra disciplinar, como se vê do aresto:


Recurso especial. Art. 105, III, alínea a, CR/1988. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Aditamento da indiciação pela autoridade pública na fase de julgamento. Inexistência de abertura de novo prazo para especificação de provas e de apresentação de defesa. Violação do art. 419 do Decreto 59.310/1966 e dos arts. 161, caput e § 1º, e 168, da Lei 8.112/1990. Recurso provido.I. Em conformidade com a jurisprudência desta Corte, a indiciação pela comissão processante é o momento processual que especifica os fatos imputados contra o servidor e contra os quais este apresenta defesa, no processo disciplinar.II. O art. 168, "caput" e seu parágrafo único, da Lei nº 8.1123/90, possibilita, tão somente, à autoridade pública discordar, de maneira motivada, da pena sugerida pela comissão mas, nunca, alterar a indiciação do servidor.III. Embora a autoridade administrativa não tenha que acatar a capitulação da infração realizada pelos órgãos e agentes auxiliares, no processo disciplinar,
encontra-se vinculada aos fatos apurados e indiciados pela comissão processante, durante a fase de julgamento. Precedentes.IV. Por outro lado, resta comprovado o prejuízo dos Recorrentes, com a "mutatio libelli", haja vista que a imputação do fato segundo o qual agiram no exercício de função pública é circunstância essencial para a tipicidade dos ilícitos administrativos e, conseqüentemente, de aplicação da pena de demissão.V. O processo administrativo disciplinar encontra-se eivado do vício da inobservância do contraditório e da ampla defesa.VI. Recurso provido. (grifei)(STJ, REsp 617.103 PR, rel. Min. Paulo Medina, DJ 22/05/2006.)



Concluindo em torno do tema, o entendimento esposado pela c. Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que deu provimento ao recurso em mandado de segurança, e anulou ato demissório por vício de cerceamento de defesa, vez que no procedimento administrativo fora discutido apenas o fato de o servidor ter agido ou não com desídia (culpa stricto sensu – negligência), sem ter sido abordada a questão de a empresa ter logrado proveito (dolo), motivo determinante de sua demissão. (STF, RMS 24.699-DF, rel. Min. Eros Grau, DJ 1º/07/2005)
A hipótese aventada na decisão configura a denominada mutatio libelli. (art. 384, CPP, com a redação da Lei 11.719/2008)
Construtiva a lição de Tourinho Filho, citado por Damásio E. de Jesus – antes mesmo da Lei 11.719/2008 – que não poderá, na edição do ato punitivo, ocorrer surpresa para a defesa. A relação mútua há de verificar-se entre a decisão e o fato contestado. (Cf.: Sebastião José Lessa, do Processo administrativo disciplinar e da sindicância, Ed. Fórum, BH/MG, 5. ed., 1ª reimpressão, 2011, p. 169.)


III.b.3 O contraditório e a ampla defesaII.b.3.a O contraditório



Enfocando o contraditório, elucidativa a lição de Uadi Lammêgo Bulos:


Afinal, o que se deve entender por contraditório? Joaquim Canuto Mendes de Almeida ensinou que contraditório é "a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contraditá-los" (Princípios fundamentais de processo penal, p. 81). Note-se que dois são os elementos da noção universal de contraditório: necessidade de bilateralidade e possibilidade de reação. Os doutrinadores estrangeiros também aderem a essa linha de raciocínio. Sérgio La China, aí incluído, vislumbra no contraditório, de um lado, a necessária informação às partes e, de outro, a possível reação aos atos desfavoráveis. Em suma, a informação necessária aliada a uma reação possível (L’ esecuzione forzata e le disposizioni generali del Codice di Procedura Civile, p. 394). (Constituição Federal Anotada, Ed. Saraiva, SP, 2000, p. 240.)



De igual modo, o ensinamento de José Armando da Costa, citado no voto do Ministro Ilmar Galvão, relator, no Supremo Tribunal Federal, do MS 22.939-8 CE, julgado pelo Pleno, à unanimidade, DJ de 06/04/2001:
Se o servidor indiciado deve direcionar o seu esforço de defesa ao derredor das acusações que lhe são feitas no despacho de instrução e indiciação, não será legítimo o julgamento da autoridade que lhe condene por fato que não previsto em tal instrumento de conclusão indiciatória.Podemos, por conseguinte, elucidar que é nulo o processo disciplinar que contenha condenação que se funde em fato não sintetizado nessa peça acusatória.
E mais:


O fundamento jurídico que define o julgamento extrapolante como anômalo radica no princípio constitucional, da ampla defesa, o qual preceitua que ninguém poderá ser condenado sem defesa. E se o julgamento leva em conta fato não articulado no despacho de instrução e indiciação dele não se terá defendido o funcionário acusado. (grifei) (Teoria e prática do processo administrativo disciplinar, Ed. Brasília Jurídica, 4. ed., 2002, p. 302.)



Ademais, esclarecedora a redação do art. 384 do CPP, com a redação da Lei 11.719/2008, quando tratou da mutatio libelli:


Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (grifei)



Nessa trilha, assenta a jurisprudência que:


[...] o princípio da correlação entre imputação e sentença representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, que se acha tutelado por via constitucional. Qualquer distorção, sem a observância do disposto no art. 384 da lei processual penal, significa ofensa àquele princípio e acarreta a nulidade da sentença. (grifei) (TACrim/SP, RT 526/396; Damásio Evangelista de Jesus. Código Processo Penal Anotado. Ed. Saraiva, SP, 14. ed., 1998, p. 258).



Ressalte-se, por pertinente, que tais regras – garantidoras de direitos fundamentais – também se aplicam no campo do Direito Disciplinar, posto que ‘’o Direito Disciplinar não é infenso à analogia penal" (STF, RE 78.917, rel. Min. Luis Gallotti, DJ 23/08/1974, RTJ 71/284).
E na esfera do direito disciplinar, como já dito, a figura da mutatio libelli foi já acolhida (STJ, REsp 617.103 PR, rel. Min. Paulo Medina, DJ 22/05/2006).
Vale reprisar que na observância irrestrita dos princípios que garantem o contraditório e a ampla defesa, há que existir absoluta compatibilidade entre a imputação descrita no despacho de instrução e indiciação rebatida pelo acusado, e a fundamentação consubstanciada no ato punitivo.
Por isso que, em tema de mutatio libelli (art. 384, CPP), adverte Júlio Fabbrini Mirabette, que


Não é possível condenar o acusado de crime doloso por infração culposa, que exige a descrição da modalidade de culpa sentido estrito. E cita jurisprudência: RT 572/ p. 342, 640/ p. 387, 646/ p. 313; JTACrSP 37/66, 43/378, 44/53, 47/200, 49/277 (Processo Penal, Ed. Atlas, SP, 6. ed., p. 446).



Desse modo, assentou a c. Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RMS 24.699-DF, da relatoria do Min. Eros Grau, como publicado no Informativo 372 do STF:


Em seguida, afastou-se a penalidade aplicada ao servidor, com base na referida Lei 8.112/90, porquanto violado o seu direito de ampla defesa, eis que no procedimento administrativo fora discutido apenas o fato de ele ter agido ou não com desídia, sem ser abordada a questão de a empresa ter logrado proveito, motivo determinante de sua demissão. (STF, RMS 24.699-DF, rel. Min. Eros Grau, DJ 1º/07/2005.)



III.b.3.b O cerceamento de defesa



Ao estabelecer – no campo das garantias dos direitos fundamentais – que, "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (grifei) (art. 5º, LV, CF), o Constituinte de 1988, em verdade, censurou iniludivelmente a hipótese de alguém vir a sofrer punição em torno de um fato, do qual não teve a oportunidade de contraditar, e por via de consequência, de não se defender.
Assim, assentou o Pretório Excelso:


Ementa: Administrativo. Processo disciplinar. Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DNOCS. Servidor punido por infração diversa daquela pela qual fora indiciado. Ofensa aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Nulidade do ato. (STF, MS 22.939-8 CE, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 06/04/2001.)Colhe-se do voto condutor:"Aconteceu, entretanto, que o impetrante - conquanto apontado, pela Comissão de Inquérito, como responsável por "irregularidades nos procedimentos de análise dos planos de trabalho e custos dos projetos objeto de convênios e/ou repasses possibilitando a existência da prática de preços superiores aos da
tabela do DNOCS" e "alocação de recursos em áreas de menor prioridade social [...] em detrimento de outras obras que, por falta de recursos orçamentários, não foram concluídas", condutas capituladas pelo referido órgão como ofensivas no art. 116, XII, da Lei n° 8.112/90, as quais estariam a configurar a infração do art. 117, XV, da Lei 8.112/90, suficiente, por si só, para autorizar a pena de demissão e, consequentemente, de destituição de cargo em comissão (art. 132, XIII, c/c o art. 135 da lei em tela) - foi punido, ao revés, como se viu, por faltas disciplinares diversas ("aplicação irregular de dinheiros públicos e lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional"), *...+ (grifei)Precedente: TRF, 4ª R., REOMS 97.04.62230-9/SC, DJ de 02/08/2000.



Por derradeiro, em tema de mutatio libelli, a significativa ponderação de Tourinho Filho, avisando que não poderá ocorrer, na edição do ato punitivo, surpresa para a defesa. A relação mútua há de verificar-se entre a decisão e o fato contestado. (Cf.: Sebastião José Lessa, Do processo administrativo disciplinar e da sindicância, Ed. Fórum, BH/MG, 5. ed., 1ª reimpressão, 2011, p. 169.)
IV A competência para decidir – o convencimento do julgador e o respaldo na prova dos autos
É cediço que o ato administrativo, gênero do qual o ato disciplinar é espécie, revela a existência de 5 (cinco) requisitos necessários à sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.
E a competência, é ‘’o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções.’’ A competência administrativa, segundo a doutrina,


[...] sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados. Pode, entretanto, ser delegada e avocada, desde que o permitam as normas reguladoras da Administração. (Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Ed. Malheiros, SP, 38. ed., 2012, p. 159.)



De bom aviso anotar, que a Lei 4.717/1965, que regula a ação popular, apregoa que são nulos os atos nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos, e desvio de finalidade (art. 2º, caput, e alíneas).
E a incompetência, segundo o legislador,‘’fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticar.’’ (art. 2º, parágrafo único, alínea a, Lei 4.717/1965)
Por sua vez, o art. 141 e incisos da Lei 8.112/1990, define a competência das autoridades para a aplicação das penalidades disciplinares.
Nessa toada,


[...] se a penalidade a ser aplicada exceder a alçada da autoridade instauradora do processo, este será encaminhado à autoridade
competente, que decidirá em igual prazo. (grifei) (§ 1°, art. 167, Lei 8.112/1990)



Mas isto não quer dizer que o processo tenha que, necessariamente, subir ao crivo da autoridade maior na escala hierárquica (art. 141, inciso I, Lei 8.112/1990), caso a Comissão conclua pela pena expulsória (demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, e destituição de cargo em comissão – art. 127 e incisos, Lei 8.112/1990).
É que,


[...] quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade. (grifei) (art. 168 e parágrafo único, Lei 8.112/1990).



Pondere-se, que o convencimento do julgador – concepção ideológica ou livre persuasão racional – não pode e nem deve sofrer limitações, a par do dever de motivar a decisão, com base na prova dos autos.
Logo, mesmo com a proposta de pena expulsiva, pode a autoridade instauradora do processo, na fase de julgamento, motivadamente, determinar, com apoio na prova dos autos, o arquivamento ou aplicar a sanção no limite de sua competência.
Entendendo, todavia, que a sanção adequada refoge de sua esfera de competência, determinará, então, o envio do processo à autoridade superior.
Ivan Barbosa Rigolin, ao tratar do julgamento do processo, assenta:


Se, então, um processo se iniciou visando cominar uma penalidade de que afinal se revelou insuficiente, e a comissão indica outra, superior à alçada da autoridade instauradora do processo, o que contrariaria o art. 141 do Estatuto, nesse caso aautoridade incompetente para aplicar aquela pena, se concordar com o relatório da comissão, encaminhará todo o expediente para a autoridade, sua superior, competente para aplicá-la segundo o art. 141. Transferir-se-á, assim, para essa última toda a responsabilidade de decidir o processo, disso se esquivando, nesse passo, a própria autoridade instauradora do expediente. (grifei) (Comentários ao regime único dos servidores públicos civis, Ed. Saraiva, SP, 5. ed., 2007, p. 327.)IV.a A conversão do julgamento em diligência



Acerca da conversão do julgamento em diligência, legítima em face do princípio da verdade material ou real, sua pertinência encontra forte amparo nos arts. 29, 41 e 69, da Lei 9.784/1999, e na doutrina de Palhares Moreira Reis, Processo Disciplinar, Ed. Consulex, 2. ed., p. 176.
Advirta-se que na conversão do julgamento em diligência, e na hipótese da mutatio libelli, como ocorre no processo penal (art. 384), ou seja, mudança do quadro fático contestado,
deve-se reabrir o prazo para a defesa produzir a correspondente resposta, tudo em harmonia com os princípios do contraditório e da ampla defesa, garantidos do mesmo modo no âmbito do processo disciplinar (art. 5º, LV, CF).
Na esfera do processo penal, e antes da reforma pontual da Lei 11.719/2008, que alterou a dinâmica da instrução criminal, a jurisprudência já prestigiava os princípios do contraditório e da ampla defesa mormente com a demonstração do prejuízo (arts. 563 e 566, CPP; STF, Súmula 523), na linha do pás de nullité sans grief.


Processual Penal. Defesa. Falta de intimação. Diligências. Fase do art. 499, do CPP. Nulidade relativa.I. A falta de intimação da defesa para a fase do art. 499, do CPP configura nulidade relativa que, para ser decretada, exige a comprovação de prejuízo, inexistente na espécie. Ademais, sendo assim, se não alegada na fase do art. 500, do CPP, se convalida.II. Ordem denegada. (grifei) (STJ, HC 9.065 GO, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 24/05/1999.)



Vem a tempo a doutrina de Alexandre Coelho Zilli:
Ora, se no processo civil, onde a atuação dos sujeitos parciais é mais vigorosa, não esteve o legislador permeável a temores infundados, maiores serão os fundamentos para estendê-la ao processo penal, em que um bom acertamento fático é condição mais do que essencial para aplicação do direito material desenhado para a proteção de interesses notoriamente públicos (Iniciativa instrutória do juiz no processo penal, pág. 207) (Guilherme de Souza Nucci, obra citada, 10. ed., 2011, p. 366).
De resto, não é desnecessário lembrar a natureza publicista do processo administrativo disciplinar, onde se busca a verdade material ou real (art. 143, Lei 8.112/1990; art. 29 e § 1º, Lei 9.784/1999).


V A inovação introduzida pela Lei 9.527/1997, que acrescentou o § 4° ao art. 167, da Lei 8.112/1990 – o reconhecimento da inocência



Deveras, o convencimento do julgador – concepção ideológica ou livre persuasão racional – em linha de princípio, não pode e nem deve sofrer contingenciamento, a par do dever de motivar a decisão, com base na prova dos autos.
Por outro vértice, não se pode ignorar a relevância da inovação introduzida pela Lei 9.527/1997, que acrescentou o § 4° ao art. 167, da Lei 8.112/1990, assim redigido:


Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos. (grifei)



Dessarte, a novidade inserida pela Lei 9.527/1997, em razão da singularidade, reclama consideração específica.
É que, na hipótese de reconhecimento da inocência do servidor por parte da Comissão, tal conclusão Colegiada terá peso significativo. É dizer, para contrariá-la, não basta a mera discordância do julgador. É preciso mais, ou seja, a demonstração de flagrante, evidente, incontestável divergência entre a conclusão da Comissão e a prova dos autos.
E tal posicionamento no sentido de prestigiar a conclusão da Trinca Processante, justifica-se diante do labor diuturno operado pela Comissão, durante o prazo consumido para a instrução e conclusão do processo.
Ademais, o legislador destacou a significativa importância dos trabalhos realizados pelos membros das Comissões, assegurando-lhes a independência, a imparcialidade e o sigilo na apuração (art. 150, Lei 8.112/1990).
Desse modo, torna-se razoável admitir como prudente – sem embargo do princípio do livre convencimento – o acolhimento da conclusão da Comissão, quando reconhecer a inocência.
Mauro Roberto Gomes de Matos cita esse posicionamento (Lei 8.112/1990 – Interpretada e Comentada, Ed. América Jurídica, RJ, 2005, p. 901).


V.a Relatório da comissão – divergência entre os membros – predominância da conclusão majoritária



Cuidando do relatório, diz a Lei 8.112/1990:


Art. 165. Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se baseou para formar a sua convicção. § 1o O relatório será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor. § 2o Reconhecida a responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal ou regulamentar transgredido, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes. (grifei)



Pode ocorrer no durante o apuratório, não é incomum, divergências entre os integrantes do Colegiado.
E nessa hipótese, a conclusão quanto à inocência ou a responsabilidade do servidor (§ 1º, art. 165, Lei 8.112/1990) se dará por maioria dos membros.
Aliás, no trato do tema, e prestigiando a conclusão do Colegiado, a ilustrada Consultoria-Geral da República (Parecer H-458, DO 20/02/1967), provocou a edição da Formulação 159, com o verbete:


As conclusões das Comissões de Inquérito merecem fiel acatamento, salvo quando contrárias à prova dos autos. (grifei)



E como é cediço, as Formulações têm força normativa para o Serviço Público ex vi dos arts. 115 e 116, do Decreto-Lei 200/1967.
A bem dizer, a conclusão colegiada pela inocência do servidor, mesmo que por maioria, não desnatura a prevalência do entendimento majoritário, até porque, no plano geral do direito repressor, havendo divergência, "prevalecerá a decisão mais favorável ao réu", como faz certo os dispositivos do CPP (§ 1º, art. 615; parágrafo único, art. 664), bem como o parágrafo único do art. 41-A, da Lei 8.038/1990.
Por fim, é sabido que a Comissão não emite julgamento, mas, pelo texto legal, pode reconhecer a inocência (§ 4º, art. 167, Lei 8.112/1990), circunstância expressiva que não deve ser ignorada pelo intérprete.


VI O dever de motivar o ato disciplinar e a garantia do administrado
VI.a Motivo e motivação



É correntio que a validade do ato administrativo, inclusive o ato disciplinar, requer a presença dos seus requisitos: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.
E o motivo ou causa, pela ótica da doutrina ‘’é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo.’’ (Hely Lopes Meirelles, obra citada, 2012, fls. 159 e 161)
Por sua vez, a Lei 4.717/1965, que regula a ação popular, dispõe que são nulos os atos lesivos por inexistência dos motivos, ‘’quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido.’’ (art. 2º, ‘’d’’, e § único, ‘’d’’).
Já a motivação ‘’é a exposição dos motivos, ou seja, é a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram.’’ (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, Ed. Atlas, SP, 20. ed., 2007, p. 195)


Pertinente por isso a lição: ‘’a lei 9.784/99 alçou a motivação à categoria de princípio. Denomina-se motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos jurídicos do ato (cf. art. 50, caput, da Lei 9.784/99). Assim, motivo e motivação expressam conteúdos jurídicos diferentes. Hoje, em face da ampliação do princípio do acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), conjugado com o da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), a motivação é, em regra, obrigatória. Só não o será quando a lei a dispensar ou se a natureza do ato for com ela incompatível.’’ (Hely Lopes Meirelles, ... obra citada, 2012, fls. 161/2)



Ainda em torno da motivação, a doutrina de Léo da Silva Alves:


Motivar significa expor as razões de fato e de direito. A motivação é da natureza dos atos administrativos, guindada a condição de princípio, como posto no art. 2º, caput, da Lei n. 9.784/99, conhecida como Lei do Processo Administrativo. Ademais, por ser um ato de julgamento, equipara-se o administrador público, neste particular, ao
magistrado a quem a Constituição Federal deu o dever de motivar os seus julgamentos. (Curso de processo disciplinar, Cebrad – DF, v. III, 2008, p. 223)



Em tal contexto, os motivos apontados na motivação, na expressão de Gaston Jèze,‘’devem ser materialmente exatos e juridicamente fundados.’’ (STF, RDA 38/350; TJSP, RT 191/691; Caio Tácito, RDA 36-78 e 38-350)


VI.a.1 A relevância da motivação



Já se disse alhures que no dever de motivar, por parte da Administração, reside a lisura do apuratório e a segurança do administrado, posto que a motivação, como leciona Cretella Jr., "é a justificativa do pronunciamento tomado"in Curso de direito administrativo, Rio, 1986, p. 310; art. 93, IX, CF; art. 165, CPC; João Batista Lopes, A Prova no Direito Processual Civil, Ed. RT, SP, 2000, p. 23; TJDFT, APC 2000.01.1.066658-7, rel. Des. Dácio Vieira, DJ 14/04/2005; TRF 1ª R APC 2001.0100048857-9 MS, rel. Des. Federal Daniel Paes Ribeiro, DJ 09/10/2006.
E tanto que, pela teoria dos motivos determinantes, o motivo do ato deve guardar absoluta sintonia com a situação de fato ou de direito que gerou a edição da manifestação da Administração.
Nesta senda: STF, RT 683/202; STJ, MS 12.957, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 26/09/2008; Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Ed. Malheiros, SP, 38. ed., 2012, p. 207.
Por isso que, inexistindo a situação de fato ou de direito apontada na motivação, a consequência de tal discrepância estará na anulação do ato.
Neste rumo, "Exige-se harmonia entre o ato final de punição e o teor do inquérito." (STF, MS 21.297-7-DF, pleno, unânime, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 03/12/1991 in Heraldo Garcia Vitta, Mandado de Segurança, Ed. Jurídica Brasileira, SP, 2000, p. 408-413.)
Por fim, é indispensável ressaltar que, mesmo no ato discricionário que prescinda da motivação, ocorrendo esta, estará o ato da Autoridade vinculado aos seus fundamentos.


VI.b A teoria dos motivos determinantes



Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, com arrimo nas doutrinas de Gaston Jèze e Francisco Campos, lecionam:


A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos quando tiverem a sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. (Direito administrativo brasileiro, Ed. Malheiros, SP, 38ª ed., 2012, pág.207; STF, RDA 38/350; STF, RE 19.720 DF, jul. 17.06.52; José dos
Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, Ed. Lumen Juris, RJ, 5ª ed., 1999, p. 81)



Destaca mais a doutrina:


Ainda relacionada com o motivo, há a teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros. (grifei) (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direto Administrativo, Ed. Atlas, SP, 2. ed., 2007, p. 196.)



O c. Tribunal Regional Federal da 1ª R., assim assentou a militância da teoria dos motivos determinantes:


Administrativo. Servidor público federal. Suspensão. Reincidência não ocorrida. Apelação e remessa oficial desprovidas.I. É necessário analisar o ato questionado à luz da teoria dos motivos determinantes, a qual considera que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos.II. No caso dos autos, com o intuito de apurar a responsabilidade de diversos servidores por supostas faltas praticadas no exercício de suas atribuições, foi instaurado o processo administrativo disciplinar n. 25100.000420/00-44. Ao final, a comissão concluiu que a autora praticou falta punível com advertência, contudo, por já ter sido penalizada com advertência por infração apurada em PAD anterior (25100.000052/97-85), ficou caracterizada a reincidência, o que ensejou a aplicação de suspensão, conforme consta no relatório de fls.26/29.III. Ocorre que, no PAD anteriormente instaurado, a penalidade de advertência deixou de ser aplicada em virtude do decurso do prazo prescricional, havendo tão somente o registro em seu assento funcional, nos termos do art. 170 da Lei n. 8.112/90 (fl.23).
IV. O art.130 da Lei n. 8.112/90, no qual se baseou a comissão para justificar a reincidência, dispõe que a suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência, o que denota que para o servidor ser considerado reincidente deve ter havido a efetiva punição pela infração, com a advertência, o que não ocorreu no presente hipótese, porquanto já havia decorrido o prazo prescricional. Destarte, não tendo a falta sido punida em conseqüência da inércia da Administração Pública, não pode ser utilizada para legitimar o agravamento de penalidade posterior.V. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF 1ª R., AC 2001.34.00.000405-9 DF, rel. Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu, DJF1 22/06/1912.)



VII Anotações de arremate



Cabe, alem do mais, salientar que a autoridade julgadora proferirá sua decisão no prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo (art. 167, Lei 8.112/1990).
E no legítimo e indispensável poder de autotutela (STF, Súmula 473; art. 53, Lei 9.874/1999), deverá a autoridade, diante de vício no processo, proceder como determina o art. 169 da Lei 8.112/1990:


Art. 169. Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração de novo processo. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) (grifei)



Por fim, a autoridade julgadora observará, também, os dispositivos da Lei 8.112/1990:


Art. 169, § 2º A autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art. 142, § 2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV. (grifei)Art. 171. Quando a infração estiver capitulada como crime, o processo disciplinar será remetido ao Ministério Público para instauração da ação penal, ficando trasladado na repartição.



Conclusão



Posto isto, com arrimo na doutrina e jurisprudência, pode-se concluir:
a) A conformação típica da transgressão disciplinar decorre da junção dos elementos essenciais, ou seja, a base factual e a base hipotética.
É dizer, adequação da conduta ao tipo;
b) Nas transgressões disciplinares, principalmente nas graves e gravíssimas, além da tipicidade, são componentes imprescindíveis a antijuridicidade e a culpabilidade;
c) Sob o pálio do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, incisos. LIV e LV, CF), no ato da formalização da indiciaçãodo acusado, deverá constar "a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas". (art. 161, caput, Lei 8.112/1990);
d) Em princípio, o julgamento, devidamente motivado, acatará o relatório da Comissão, salvo quando contrário às provas dos autos (art. 168, Lei 8.112/1990; STF, ROMS 24.561-5 DF, DJ 18/06/2004);
e) Por outro viés, se reconhecida pela Comissão a inocência do servidor, a Autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente, evidentemente, incontestavelmente contrária à prova dos autos (§ 4°, art. 167, Lei 8.112/1990; STF ROMS 24.561-5 DF, DJ 18/06/2004);
É que, diante da inovação legislativa, na hipótese de reconhecimento da inocência do servidor por parte da Comissão, tal conclusão colegiada terá peso significativo. E para contrariá-la, é necessário a comprovação de flagrante, evidente, incontestável divergência entre a conclusão da Comissão e a prova dos autos. Percebe-se, pelo visto, a intenção do legislador quando, por meio da Lei nº 9.527/97, inseriu o advérbio "flagrantemente" no texto do § 4º do art. 167, da Lei nº 8.112/90, prestigiando ainda mais o trabalho da Comissão, quando esta reconhecer a inocência do servidor;a) Na ocorrência da emendatio libelli (art. 383, CPP – Lei 11.719/08), torna-se necessário, na hipótese de mudança de capitulação, que seja observada absoluta correspondência entre o fato imputado e contraditado e a motivação do ato punitivo (STF, MS 20.355-2 DF, DJ 23.03.83; STJ, REsp 617.103 PR, DJ 22.05.06);b) Na hipótese da mutatio libelli (art. 384, CPP – Lei 11.719/08), ou seja, se durante a fase do julgamento, afluírem elementos ou circunstâncias capazes de provocar nova definição jurídica do fato e que não foram especificamente incluídos no despacho de instrução e indiciação (art. 161, caput, Lei n° 8.112/90), deverá a Autoridade julgadora reabrir o prazo de defesa, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa consubstanciada na supressão do contraditório (art. 5°, LV, CF; arts. 143 e 153, Lei n° 8.112/90; STJ, REsp 617.103 PR, DJ 22.05.06);c) "A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos quando tiverem a sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade." (Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Direito administrativo brasileiro, Ed. Malheiros, SP, 38. ed., 2012, p. 207; STF, RDA 38/350; STF, RE 19.720 DF, jul. 17.06.52; TRF 1ª R., AC 2001.34.00.000405-9 DF, rel. Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu, DJF1 22/06/2012); José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito administrativo, Ed. Lumen Juris, RJ, 5. ed., 1999, p. 81);d) Concordando com a proposta da Comissão de aplicação de pena disciplinar, e se esta exceder sua alçada de competência, a Autoridade responsável pela instauração do processo, determinará o seu encaminhamento à Autoridade imediatamente superior (art. 141 e incisos., Lei 8.112/1990).
Dessarte, tal ordem de princípios que asseguram o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, por força do art. 5°, incisos LIV e LV, da Carta Política, militam também na esfera do Direito Administrativo Disciplinar. (STJ ROMS 10.574 ES, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04/02/2002.)


* Membro do Conselho Diretor ADPF – Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal; diretor jurídico do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal/DF; 2º vice-presidente Jurídico da Adepol – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil; Autor dos livros: Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância; Temas Práticos de Direito Administrativo Disciplinar; O Direito Administrativo Disciplinar Interpretado pelos Tribunais; A Improbidade Administrativa, Enriquecimento Ilícito, Sequestro e Perdimento de Bens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário