O ingresso nas carreiras jurídicas torna-se, a cada dia, mais
difícil. Poucas vagas, milhares de candidatos, a lista de pontos vai de
Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos até normas administrativas que
regulam o uso das células tronco.
Assim são, atualmente, os concursos públicos. Uma verdadeira
corrida de obstáculos. Quatro, cinco ou mais anos da juventude são dedicados
aos estudos, enquanto os amigos divertem-se nas baladas.
Mas, supondo-se que o final é feliz, que o candidato conseguiu
sucesso nesse triatlo jurídico e que, com justo orgulho, tomou posse no cargo
público almejado, resta saber se terá a tão sonhada felicidade.
No dia da posse todos estão na mesma linha, unidos, solidários,
felizes. Porém, como estarão cinco anos depois? Bom seria que todos pensassem
nisto e se programassem. Disto dependerá seu estado de espírito, sua motivação
ou desalento. E, em síntese da síntese, a felicidade.
Seja qual for a carreira pública, o estímulo é alavanca forte no
crescimento das pessoas, na sua felicidade pessoal, tudo com reflexos positivos
no serviço prestado. Mas será isto comum? A resposta é não. Por falta de
sensibilidade ou mesmo desinteresse, é raro que a chefia estimule os
subordinados. E isto é fácil e não custa nada. Exemplos. O Corregedor do
Ministério Público elogiar os bons serviços de um Promotor na sua comarca, um
delegado de Polícia Seccional facilitar que jovem delegado faça mestrado ou o
presidente do Tribunal cumprimentar pessoalmente os servidores que alcançaram
uma meta relevante.
Porém, se o estímulo não vem — e esta é a regra — nem por isso o
servidor público ou agente político (juízes e membros do MP) devem ficar a se
lamentar. Ao contrário, além de dedicar-se da mesma forma, não deve repetir o
erro. No pequeno círculo de suas relações pode estimular aqueles com quem
convive. Um cartorário que aprecia as petições de um jovem advogado não deve
hesitar em dizer isto ao profissional. Ele redobrará seus esforços para dar o
melhor de si.
As carreiras públicas, dois ou três anos depois, tendem a cair
na rotina. O volume de serviço é enorme, a produção é massificada e nem sempre
existe lugar para a criatividade. Há uma acomodação natural, por vezes
desapontamento.
Nesta fase, servidores do Judiciário podem entrar em disputa por
cargos de chefia ou funções gratificadas. E daí as considerações sobre o mérito
são subjetivas. Mesclam-se coisas diferentes, como conhecimento jurídico, boa
produtividade, com relações de amizade, vínculos familiares, habilidade no
trato ou marketing pessoal.
Não raramente alguém se sente injustiçado. Às vezes com razão,
mas em outras, sem razão alguma. Nestas situações, o maior erro é exteriorizar
revolta e alardear suas virtudes, pois simplesmente quem escolhe pode pensar de
forma diversa. O fato é que a verdade sempre aparece. Portanto, quem se dedica
e tem talento, cedo ou tarde será reconhecido.
No âmbito das carreiras de Estado as coisas não são diferentes.
Suponha-se que um defensor público sente-se credenciado para participar da
banca de concurso de ingresso na carreira e manifesta sua intenção. Todavia,
não é colocado na comissão. Alguém lhe diz, reservadamente, que foi omitido
porque, oriundo de outro estado, era pouco conhecido. Como reagir? Com
discrição, obviamente. Primeiro, porque a informação pode não ser verdadeira.
Segundo, porque outros concursos e oportunidades virão. Revoltar-se e ofender
os que julga culpados só servirá para que seja rotulado como um criador de
casos e colocado de lado, esquecido.
Os magistrados passam por uma má fase. A cada dia veem outras
carreiras jurídicas conquistarem direitos que lhes são negados (v.g., o
anunciado fim dos 60 dias de férias alcançarão os membros do MP?). Mas aí não
está o pior. O desânimo se alastra pela perda de prestígio, fruto de condutas
reprováveis de uma minoria. A divulgação dada pela mídia fez com que a
sociedade os visse com maus olhos. Que fazer?
O primeiro passo é afastar o pessimismo. É um erro incomodar
terceiros (v.g., advogados ou servidores da secretaria) com lamúrias. Eles
simularão uma falsa solidariedade e sairão cansados daquele rosário de
reclamações. O segundo passo é cumprir as atribuições regularmente, dando de si
o melhor. Isto vai gerar, no mínimo, o respeito no âmbito de suas relações
profissionais (p. ex., Vara), porque a toda ação corresponde uma reação
(terceira lei de Newton). O terceiro passo é aguardar que essa fase negativa
passe, pois as carreiras e profissões têm altos e baixos.
Para evitar a estagnação, o imobilismo ou aquele ranço
pessimista que vemos em alguns profissionais do Direito, o caminho é renovar-se
periodicamente. Como?
Uma via é a vontade de aprender, de estudar. Se um procurador de
Justiça está cansado de dar pareceres, pode encontrar em um curso de mestrado a
renovação que lhe dará outro ânimo. E não será apenas com o que se aprende, mas
também com o convívio com pessoas interessadas, animadas, cheias de planos e,
por vezes, com rica experiência de outra atividade profissional ou de outra
região do país.
Outra maneira de estimular-se é mudar de atividade. Se um
Procurador do Estado há anos atua nas defesas perante a Justiça do Trabalho,
quiçá terá um novo ânimo se passar a atuar em um Procuradoria de defesa do meio
ambiente. Toda mudança de área significa um desafio e, ainda que seja incômodo
sair da zona de conforto em que se acha, o desafio poderá ser instigante.
Ocupar espaços vazios também pode ser fonte de estímulo. No
serviço público sempre surgem situações novas a exigir voluntários. Por
exemplo, no STF há alguns anos iniciou-se o processo de convocação de juízes
para auxiliar, por dois anos, os ministros. Ocupar uma atividade dessas traz um
conhecimento do Judiciário e do Brasil riquíssimos, com proveito para toda a
vida.
Em suma, após tanto sacrifício para assumir uma função pública
de destaque, não tem sentido passar, depois, 30 anos da vida agindo como um
burocrata, nem feliz nem infeliz, apenas cumprindo um papel que o Estado lhe
assegura até a velhice. É preciso mais, muito mais. É preciso que esse papel
seja cumprido com alegria, elevada autoestima e sentimento de utilidade.
O fato de a carreira estar parada, distante a possibilidade de
promoção, inflacionados os vencimentos, ineficiente a cúpula, não deve servir
de base a um amargo cinismo. Olhar as possibilidades existentes, evitar as
frases pessimistas, avançar ainda que enfrentando ventos contrários, é a melhor
solução para a felicidade pessoal e dos que estão mais próximos.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador
federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de
Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro
de 2013
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