domingo, 10 de novembro de 2013

Segurança pública: um debate ausente no país

 

A taxa de homicídios cresceu 7,6% em 2012. Mais de 50.000 pessoas foram assassinadas. O tema, porém, parece distante dos políticos em Brasília

Gabriel Castro, de Brasília
América Central e o Caribe são as únicas regiões do mundo nas quais o número de homicídios aumentou desde 1995
América Central e o Caribe são as únicas regiões do mundo nas quais o número de homicídios aumentou desde 1995 (Spencer Platt/Getty Images)
         
Entre os direitos que devem ser tutelados pelo estado, a proteção à vida é, por definição, o mais relevante. Por isso, a segurança pública deveria ocupar um lugar central nos debates políticos. Mas não é o que acontece hoje no Brasil. Nesta semana, novos dados mostraram a dimensão do problema: o número de homicídios em 2012 foi de 50.108, o que significa uma elevação de 7,6% na comparação com o ano anterior. O número de roubos também cresceu. E o de estupros, ainda mais.

A taxa de homicídios brasileira em 2012 ficou em 25,8 assassinatos por 100.000 habitantes a cada ano. O índice é três vezes maior do que o do Haiti e superior à países em situação devastados por conflitos internos, como Ruanda e Sudão. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera em "violência epidêmica" um país que tenha mais de dez homicídios por 100.000 habitantes.
 
Considerado apenas os números absolutos de mortes por armas de fogo, o índice também é superior ao de conflitos armados, como o embate entre Rússia e Chechênia, na década de 1990, e a guerra civil de Angola, nos anos 70. 
 
Dois terços das vítimas são jovens de até 30 anos, o que torna o custo da violência ainda mais devastador: são milhares de famílias desfiguradas e milhares de pessoas que perdem a vida no auge da força produtiva.

O assunto, entretanto, parece não chamar a atenção do poder público: enquanto criminosos continuam ganhando as ruas graças à legislação frouxa, à superlotação de presídios e ao despreparo da polícia, os possíveis candidatos à Presidência em 2014 priorizam outros temas. 
 
A paralisia do debate no Congresso e no executivo é, em parte, sustentada por um argumento bastante difundido - e equivocado: o de que, antes de combater o crime com mais rigor, é preciso reduzir a desigualdade social - que seria a principal responsável pela violência. 
 
Esse discurso, predominante sobretudo nos partidos mais à esquerda, tem bloqueado debates sobre tema como a redução da maioridade penal e o fim da progressão das penas. Mas os dados não comprovam isso: uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a redução na  taxa de desemprego e o aumento da renda não produziram efeito visível nas estatísticas de violência. Ou seja, um estudo de um órgão vinculado ao próprio governo admite a necessidade de investimentos na repressão ao crime pelos métodos tradicionais: colocar policiais nas ruas e mais bandidos na cadeia. 
 
A evolução da taxa de homicídios não mente. Enquanto o Brasil crescia, os pobres passavam a ganhar mais dinheiro e o acesso à educação se difundia. Passou de 14,8  no início da década de 1980 para 22,6 na década seguinte, antes de chegar aos 25,8 em 2012. Recentemente, o perfil da violência tem mudado: os estados do Nordeste tiveram um aumento acelerado no índice de homicídios. E foi exatamente essa região a que mais se desenvolveu economicamente na última década.

O levantamento do Ipea aponta que, em média, um aumento de 10% no número de policiais reduz a taxa de homicídios em até 3,4% no ano seguinte. Os pesquisadores também comprovaram a existência de um efeito inercial que se explica pela seguinte lógica: cada bandido a menos na rua diminui as chances de novos crimes, não só por eles ficarem longe das ruas, mas porque a punição serve para inibir outros possíveis criminosos. Isso significa que um aumento de 10% no efetivo policial pode reduzir, em dez anos, a taxa de homicídios em até 22%. Uma elevação semelhante no número de encarceramentos causaria, no mesmo período, uma redução de 3,3%. Já a elevação da renda e da queda no desemprego não produziram impactos visíveis na redução das mortes violentas.

"Existe uma visão de que, para combater homicídios, tem que distribuir renda, melhorar a educação. O que nosso estudo mostra é que é possível combater homicídios sem ter que combater outras coisas", diz Adolfo Sachsida, um dos responsáveis pela pesquisa. Ele diz que o criminoso analisa os riscos e recompensas de seus atos. "Pessoas que são condenadas por crimes bárbaros estão de volta às ruas depois de cinco ou seis anos. Na minha visão, isso serve como incentivo", diz Sachsida.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz que a elevação no número de homicídios precisa ser analisada com cautela. "Nós temos de fazer uma análise sem generalizações que não expliquem as causas da criminalidade. O estado brasileiro tem, sim, condições de combater a violência", disse ele, na quinta-feira. O ministro citou o caso de Alagoas como um exemplo bem-sucedido de combate ao crime. "É sempre bom nos apropriarmos das boas práticas", afirmou. O estado, entretanto, dificilmente pode ser tomado como modelo já que a situação caótica levou o governo federal a enviar a Força Nacional para Alagoas. Começou aí a queda na taxa de homicídios - que, entretanto, ainda é a maior do país, com 61,8 assassinatos por 100.000 habitantes.
 
"É preciso que haja uma participação maior do governo federal, ou com receitas ou com parcerias, de modo que a Polícia Federal possa atuar de maneira mais intensa para coibir o tráfico de entorpecentes e a entrada de armas ilegais no país", diz o secretário de Segurança de São Paulo, Fernando Grella Vieira. Ele diz que o aumento de 14% na taxa de homicídios do estado em 2012 é uma variação natural dentro de um cenário de enfrentamento ao crime organizado. Em 2013, diz ele, os números apontam para uma redução nas mortes.

2014 - A presidente Dilma Rousseff não tem uma bandeira sequer para apresentar nessa área. Nas dezenas de cerimônias realizadas pela presidente para anunciar iniciativas do governo neste ano, nenhuma tratou da segurança pública. Uma das promessas de campanha da petista, a de espalhar Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) pelo Brasil, foi abandonada. Mesmo após as
manifestações de junho, quando Dilma reagiu propondo cinco pactos nacionais, o governo deixou a segurança pública de fora da lista.

O deputado federal Marcus Pestana, presidente do PSDB mineiro e um dos responsáveis pela elaboração do programa eleitoral de Aécio Neves, diz que presidenciável tucano tem consciência de que é preciso enfrentar os criminosos com mais rigor, e que isso pode exigir mudanças na legislação.
 
Ele afirma que o discurso tradicionalmente usado pelo PT - contra a redução da maioridade penal e o endurecimento das penas - é um ponto fraco a ser explorado nas eleições. "A população não aguenta mais e quer alguém que tenha autoridade para enfrentar o problema", diz ele. Mas o próprio Aécio parece não dar muita importância ao tema: no banco de dados do Senado, não há um discurso sequer de Aécio que tenha a segurança como tema principal.

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), é outro pré-candidato que não tem bons números para apresentar: a taxa de homicídios no estado é muito superior à média nacional: 36,2 mortes por 100.000 habitantes - apesar de ter caído em 2012. O secretário de Defesa Social de Pernambuco, responsável pela segurança pública do estado, diz que os recursos são insuficientes para um combate mais duro ao crime. Ele pede mais recursos federais para o setor: "Precisamos criar novas fontes de financiamento. Agora mesmo, na discussão sobre o pré-sal, 75% dos royalties do petróleo foram para a saúde e 25% para a educação. Podiam dar 10% ou 15% para a segurança, que já ajudaria muito", afirma Wilson Damázio.

Enquanto o debate sobre a segurança pública pouco sai do lugar, o país continua perdendo vidas em ritmo de guerra civil. Cento e trinta e oito por dia. Uma a cada dez minutos.

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