Os números impressionam. Até setembro, a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e Intolerância (Decradi) registrou 487 queixas de crime racial (injúria, calúnia, difamação e ameaça). De acordo com a delegada titular da Decradi, Margarete Barreto, “as pessoas estão mais cientes dos seus direitos”. Segundo a delegada, esse comportamento deve ser incentivado: “Elas têm de procurar a delegacia mais próxima da sua casa, ir até a Decradi ou utilizar a Delegacia Eletrônica para registrar os boletins de ocorrência quando se sentirem lesadas em seus direitos. Não é vergonhoso. Racismo é crime!”.
A criação da Decradi, em 2006, fez com que mudassem os rumos da segurança pública em São Paulo. Margarete explica que os ataques às minorias são planejados. “Com as redes sociais, os grupos marcam encontros para realizar as ações. Estamos atentos”, diz.
A mudança no tratamento à questão das minorias tinha sido estabelecida em 1997, quando a Polícia Civil do Estado de São Paulo criou o Centro de Direitos Humanos e Segurança Pública Celso Vilhena Vieira – CDHSP. Tabajara Novazzi Pinto, coordenador-geral do Centrode Direitos Humanos da Academia de Polícia (Acadepol), explica que a iniciativa foi feita graças ao incentivo de Flávia Piovesan, procuradora do Estado e professora da PUC; de Guilherme Assis de Almeida, na época funcionário do Acnur (órgão da ONU no Brasil) e professor da USP; e de Hédio Silva Júnior, advogado criminalista e ex-secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania. “Formávamos um grupo interessado em estabelecer na Polícia Civil do Estado de São Paulo a doutrina dos direitos humanos. Inserimos, de maneira pioneira, a matéria Direitos Humanos no edital de concurso para ingresso na carreira de Delegado de Polícia, em conjunto com as demais disciplinas exigidas para a prova”.
O titular salienta que alguns profissionais ficaram desconfiados com a novidade. “Em certa ocasião, flagramos um professor de abordagem policial dizendo aos alunos que seria melhor “esquecer esta história de direitos humanos, pois tudo isto é uma grande bobagem”. O episódio fez com que em todas as aulas que versassem sobre tática policial (abordagem, investigação, interrogatório, busca e apreensão,etc.) deveriam ter a participação ativa de um dos professores de Direitos Humanos da Acadepol, que apontaria eventuais violações oferecendo alternativas para aquela atividade operacional. Deu certo”, ressalta.
O resultado de tanto esforço foi o recebimento do prêmio Medalha dos Direitos Humanos, instituído pela Governo Federal em setembro de 1998.
Parceria
A ideia do estabelecimento de uma parceria com a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania (SJDC) surgiu por causa do trabalho realizado por Elisa Lucas, gestora da Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena da pasta da Justiça. Elisa afirma que “a parceria entre as duas secretarias é fundamental para estimular o diálogo sobre uma questão tão antiga e, ao mesmo tempo, tão presente. O preconceito existe desde o tempo da abolição da escravidão, quando foi criada a lei da vadiagem e os negros, sem trabalho, eram agredidos e presos. Ainda hoje essas situações ocorrem. Não podemos mais tolerar isso”.
Um protocolo de cooperação foi assinado entre a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, por meio da Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena e suas mencionadas outras coordenações, e a Secretaria de Segurança Pública (SSP), por intermédio Acadepol.
O trabalho gerado pelo protocolo de cooperação está consubstanciado no Programa Exercícios de Cidadania, que consiste em levar oficinas de conscientização e sensibilização a todos os núcleos de ensino da Acadepol espalhados pelos principais centros urbanos do Estado de São Paulo. São nove núcleos acadêmicos da Polícia Civil. O curso encerra-se no dia 27, em São Paulo, na sede da Acadepol – câmpus 1 – Cidade Universitária.
“Estivemos em Santos, Sorocaba, Presidente Prudente, Bauru, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Campinas, Piracicaba e São José dos Campos. Em fevereiro inicia-se o segundo ciclo, quando retornaremos a essas cidades para oferecer novos enfoques às questões da cidadania. O término está previsto para 2015”, informa Elisa. Os temas abordados têm por foco o racismo, o tráfico de pessoas, a diversidade sexual, a questão das vítimas e das drogas.
Público
O programa destina-se a policiais civis, mas estão incluídos as guardas municipais, estudantes, profissionais e lideranças da área em destaque. A Ordem dos Advogados do Brasil também tem marcado presença. Participam, no mínimo, 160 policiais civis por oficina. “A expectativa é que pelo menos 3,2 mil policiais civis sejam sensibilizados e aptos para agir como multiplicadores do que foi ensinado”, diz Tabajara.
A matéria Direitos Humanos, disposta nas grades curriculares das diversas modalidades de ensino (praças, oficialato, curso de continuidade de formação), da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), é o meio utilizado para proporcionar ao aluno o conhecimento sobre a origem, a evolução histórica e os principais documentos de proteção dos direitos humanos que influenciam na atuação do policiamento ostensivo; a legislação de proteção e de promoção dos direitos dos grupos vulneráveis, discriminação e apartação social e suas especificidades, noções elementares de direitos humanos, necessárias à execução das atividades policiais-militares para que o policial militar atue no policiamento ostensivo imbuído dos valores profissionais, tendo como objetivo o compromisso com a defesa da vida, a integridade física e a dignidade da pessoa humana.
A PMESP explica que a matéria Direitos Humanos contém unidades didáticas voltadas às ações afirmativas, bem como o debate sobre assuntos direcionados à promoção dos direitos dos grupos vulneráveis.
Maria Lúcia Zanelli - Da Agência Imprensa Oficial
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