da denúncia ao perdão
Trata da
evolução da questão do tratamento legal da violência doméstica e familiar
contra a mulher no Brasil, enfocando especialmente a Lei Maria da Penha (Lei
11.340/06).
Resumo: A violência doméstica
é um mal que assola mulheres no mundo inteiro, desde tempos mais remotos até
hoje. Infelizmente tal violência sempre foi, mesmo que inconscientemente,
aceita na sociedade. As agressões vão desde a psicológica até a sexual e na
maioria dos casos advêm daquele que deveria proteger a mulher, seu marido.
Quando elas se veem sem alguém para apoiá-las e acuadas dentro de seu próprio
lar, não conseguem ver um futuro para si. Com isso a vergonha, o medo e a falta
de perspectiva de um futuro, faz com que muitas mulheres aceitem a violência.
Só que muitas conseguem ver “uma luz no fim do túnel” e ao tentar lutar contra
essa violência acabam por serem ainda mais hostilizadas por seus companheiros.
No presente estudo analisaremos a linha histórica da violência contra a mulher
até o grande avanço no Brasil, que foi a aprovação da Lei Maria da Penha. Além
dos aspectos psicológicos que envolvem a relação agressor/agredida e como a
família é afetada por esse comportamento violento.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha –
Violência contra a mulher – Falta de denúncia – Agressor - Motivações
Sumário:1. Introdução – 2.
Lei Maria da Penha – 2.1 Quem é Maria da Penha? – 2.2 O que mudou com a Lei
Maria da Penha – 2.3 A violência e a mulher na história - 3. Por que algumas
mulheres não denunciam? – 3.1 Relações de amor e ódio, maridos violentos e
mulheres submissas – 3.2 A família e a construção do psicológico do agressor e
da agredida – 4. A sociedade machista e a imposição que a mulher sofre para
manter o casamento – 5. Conclusão – 6- Referências
1. INTRODUÇÃO
A mulher historicamente sempre foi
vista com elo fraco da sociedade, ganhando direito de igualdade há pouco tempo.
Até poucos séculos atrás a mulher não podia votar, escolher seu marido e no
Brasil até a Constituição de 1988 ela não podia sequer administrar seus bens,
independente da forma como foram adquiridos, seja por herança, doação ou bens
adquiridos com o dinheiro que ela ganhava trabalhando. No que tange o trabalho
a mulher também não podia trabalhar, sendo restrita única e exclusivamente a
cuidar do lar, dos filhos e do marido.
Com a Primeira e Segunda Guerras
Mundiais, o mundo se viu sem mão de obra masculina tendo que recorrer às
mulheres para manter os países funcionando e as fábricas produzindo. Após
conseguir esse direito as mulheres nunca mais quiseram voltar à servidão do
lar. Mas, mesmo tendo liberdade e lugares que aceitavam mulheres como mão de
obra, ainda assim a mulher estava sujeita à aprovação de seu marido ou pai para
poder trabalhar fora de casa. Comparando novamente a realidade brasileira,
antes da Constituição de 1988 a mulher só poderia trabalhar ou abrir uma
empresa com expressa autorização do marido.
Com todas as conquistas que a mulher
vem conseguindo, uma infelizmente não será fácil de conseguir: a diminuição da
violência contra a mulher. Todos os anos milhares de mulheres sofrem, no
silêncio de seus lares, agressões diversas que as tornam objetos nas mãos dos
maridos. A violência psicológica é aquela na qual a mulher tem sua autoestima e
confiança totalmente destruídas por seu parceiro para que esta continue sendo
submissa às suas vontades.
Já a violência física, que pode vir por
conta da frustração do marido em não conseguir um emprego melhor, não ter sua
vontade imediatamente satisfeita ou por ver que a mulher está tentando se
tornar independente dele ou por muitos outros motivos dentre os quais o abuso
de álcool e drogas é destacável, constitui-se de agressões físicas que podem
ocasionar lesões corporais leves, graves, seguidas de morte ou mesmo chegar ao
ápice que é o homicídio.
E a violência sexual que é aquela que
pode advir do abuso de álcool por parte do marido ou por achar que é direito do
marido e dever da esposa, ceder a todas as vontades sexuais do marido a
qualquer momento, o que a faz criar um novo tipo de submissão perante o homem.
Para tentar combater todas essas
violências contra a mulher é que veio a Lei Maria da Penha, uma lei com um
objetivo determinado, mas que por diversas razões acaba não chegando à sua
devida finalidade.
Neste estudo faremos uma análise dos
antecedentes históricos da violência contra a mulher, mostrando a sua submissão
frente ao homem dominador, e como também essa cultura machista ainda se mostra
presente na atual sociedade Além disso, mostraremos quais são os motivos que a
mulher vítima possui para não denunciar o homem agressor, apresentando também
números expressivos de mortes de mulheres no Brasil, assim como se começa uma
relação de submissão com os companheiros, o que faz com que a mulher se torne
um objeto na mão do homem. O nosso material de pesquisa será composto de livros
e artigos científicos sobre a Lei Maria da Penha além de pesquisas psicológicas
quanto ao sentimento da mulher agredida.
2. LEI MARIA DA PENHA
Atualmente é comum assistir aos
noticiários e ver noticias de mulheres que foram ou são agredidas por seus
companheiros. A luta contra esse tipo de violência já se deu de diversas
maneiras, entre elas, sendo a de maior força, a criação e promulgação da Lei nº
11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.
Com base nos altos índices de mortes de
mulheres, tanto adultas quanto adolescentes e crianças no país, além de fortes
pressões dos movimentos feministas no enfrentamento à violência doméstica e
familiar, foi criada a Lei Maria da Penha. Somando a esses fatores, o fato de o
Brasil ser signatário de Convenções como a Convenção de Belém do Pará
(Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher) e da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, fez com que o país recebesse recomendações para
a criação de um modo mais efetivo de proteção contra a violência doméstica e
familiar. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2012).
O processo de formação legislativa da
Lei Maria da Penha foi um dos mais democráticos vistos até hoje no Brasil,
visto que este processo teve a participação de movimentos feministas de todas
as regiões do país, além de um grande apoio internacional. Uma proposta de
prevenção à violência doméstica elaborada por um conjunto de ONGs (Advocacy,
Agende, Cepia, Cfemea, Claden/IPÊ e Themis) foi apresentada, e depois de várias
discussões e reformulações coordenadas pela Secretaria de Políticas para
Mulheres (SPM), o texto legal foi enviado pelo Governo Federal ao Congresso
Nacional, onde foi aprovado por unanimidade nas cinco regiões do país onde
houve audiências públicas realizadas nas Assembleias Legislativas e que
contaram com a participação de entidades da sociedade civil, parlamentares e a
SPM.
Como podemos observar, a espera de uma
lei que realmente fosse ajudar as mulheres vítimas da violência doméstica foi
finalmente concretizada, podendo atender tanto mulheres da classe alta quanto
mulheres carentes.
2.1. QUEM É MARIA DA
PENHA
Muito se fala na chamada Lei Maria da
Penha, mas muitos não sabem o porquê esse nome foi dado a ela. Maria da Penha
Maia Fernandes, biofarmacêutica, cearense, e que atualmente possui 61 anos de
idade, foi vítima, por duas vezes, de tentativa de homicídio praticado por seu
marido na época, o professor universitário e economista Marco Antonio Herredia
Viveros, e também pai de suas três filhas.
Na primeira tentativa, em 29 de maio de
1983, Marco Antonio deu um tiro nas costas de Maria da Penha com uma espingarda
enquanto ela dormia, simulando um assalto. Depois do disparo foi encontrado na
cozinha da residência gritando por socorro, alegando que os ladrões haviam
fugido pela janela. Maria da Penha ficou internada durante quatro meses e em
resultado da violência voltou paraplégica para a sua casa.
Pouco mais de uma semana do fato
ocorrido, a segunda tentativa de homicídio foi praticada. O marido a empurrou
da cadeira de rodas que usava em virtude da primeira tentativa, e também buscou
eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho.
Como expõe Maria Berenice Dias (2007,
p. 13), as investigações começaram em junho de 1983, mas a denuncia só foi
oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do
júri a 8 anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade ele, 1 ano depois,
teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta
a pena de 10 anos e 6 meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19
anos e 6 meses após o fato, em 2002, é que Marco Antonio Herredia Viveros foi
preso e cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado e logo após
recebeu o benefício da progressão de regime indo para o regime aberto.
A repercussão dessa história foi tão
grande que fez a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos solicitar ao governo brasileiro um parecer sobre o fato.
Como este parecer nunca foi entregue à Comissão, o Brasil foi condenado
internacionalmente em 2001, tendo como pena o dever de impor o pagamento de indenização
no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, além de ter sido
responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica.
Fora isso, foi recomendado que o país adotasse várias medidas para simplificar
os procedimentos penais para que possa ser reduzido o tempo processual.
E, como já dito anteriormente, foram
essas pressões internacionais que fizeram com que o Brasil cumprisse os
tratados internacionais dos quais é signatário.
Maria da Penha, após as tentativas de
homicídio, começou a atuar em movimentos sociais contra violência e impunidade
e hoje é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de
Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no Ceará.
2.2. O QUE MUDOU COM
A LEI MARIA DA PENHA
Antes da Lei Maria da Penha, a
violência doméstica contra a mulher nunca teve uma lei especifica que a
regulasse. Mulheres agredidas se viam encurraladas pela falta de apoio jurídico
enquanto que o homem continuava com as agressões já que a sua chance de ser punido
era praticamente nula.
Com a promulgação de Constituição
Federal de 1988, os Juizados Especiais foram criados, e com eles, uma maior
celeridade no processo penal brasileiro. Esses Juizados Especiais apenas tinham
competência quando se tratava de crime com pena máxima de 2 anos, ou seja,
“crimes de menor potencial ofensivo”. Mas, no momento da transcrição do texto
legal, o legislador se esqueceu de observar um aspecto muito importante quanto
à violência contra a mulher: quando se tratava de lesões corporais dolosas ou
culposas, a ação penal era condicionada à representação da vítima, tirando o
poder de punir do Estado e colocando o dever de iniciativa com a mulher
agredida. Entretanto, como já é sabido por todos, quando está sob forte pressão
do companheiro, a mulher não vê outra alternativa a não ser a de continuar
calada. Sobre isso, Maria Berenice Dias nos mostra a inferioridade da mulher
numa relação de violência:
“Apesar de a igualdade entre os sexos
estar ressaltada enfaticamente na Constituição Federal, é secular a
discriminação que coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação
frente ao homem. A desproporção, quer física, quer de valoração social, entre o
gênero masculino e feminino, não pode ser olvidada.” (2007, p. 22).
Com a ineficiência dos Juizados
Especiais já que a lei da força física ainda era superior à da lei jurídica,
foi criada em 2002, uma medida cautelar, de natureza penal, ao admitir a
possibilidade de o juiz decretar o afastamento do agressor do lar conjugal na
hipótese de violência doméstica. E em 2004, a Lei 10.886 acrescentou um subtipo
à lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena
mínima de 3 para 6 meses de detenção.
Ocorre que, infelizmente, essas
pequenas mudanças não foram suficientes para mudar todo um panorama nacional
onde o número de mulheres que sofriam violência doméstica só aumentava. Por se
tratar, na época, de um crime de menor potencial ofensivo e por tramitar nos
Juizados Especiais, ficava dispensado o flagrante se o autor se comprometesse a
comparecer no Juizado Especial Criminal, além de ter benefícios como o da
transação penal, concessão de sursis, aplicação de penas restritivas de
direitos, e a dependência de representação caso se tratasse de lesão leve.
Com todas essas características, fica
claro observar que as leis que puniam a violência doméstica antes da Lei Maria
da Penha não tinham muita eficiência. Em 2006, com a promulgação da Lei Maria
da Penha, um novo texto legal surge para regularizar e punir os agressores de mulheres
no âmbito doméstico e familiar, e com essa nova lei, mudanças surgiram nos
tramites processuais penais brasileiros.
A Lei Maria da Penha trouxe
dispositivos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Uma
das maiores novidades trazidas pela Lei foi a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, os JVDFMs, com competência cível e
criminal, o que deu mais celeridade aos processos que continham direito de
família incluso, por exemplo.
A vítima se apresentará nas delegacias
e será instaurado inquérito policial, e não mais um depoimento reduzido a termo
como eram feitos em todos os casos anteriores à Lei. A mulher também ficou
proibida de entregar qualquer intimação ou notificação ao agressor, além de ser
notificada de todos os atos processuais praticados, especialmente quanto ao
ingresso e saída da prisão do agressor, e sempre estar acompanhada de um
advogado, tanto na fase policial quanto na judicial, e poder ter acesso aos
serviços da Defensoria Pública e da Assistência Judiciária Gratuita.
Se antes da promulgação da Lei Maria da
Penha eram possíveis penas alternativas como forma de punição pela violência
praticada, depois da Lei, ficou proibido o uso de pena pecuniária, multa ou
entrega de cestas básicas, e se permitiu a prisão em flagrante e a prisão
preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corra. A pena mínima
foi modificada, tendo sido reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3
anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência.
Outra importante mudança foi quanto à
desistência da vítima em prestar denúncia contra o seu agressor. Antes de 2006,
a mulher podia desistir da denúncia na própria delegacia, e depois de 2006, ela
só fica permitida a desistir da denúncia perante o juiz. Fica à decisão do juiz
fixar um limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus
familiares e testemunhas, e pode também proibir qualquer tipo de contato com a
agredida, seus familiares e testemunhas.
E o último dispositivo da Lei, que para
Maria Berenice Dias (2007, p. 25) é um dos mais importantes, é o que permite o
Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de
recuperação e reeducação, o que faz o agressor ser reeducado psicologicamente
para não voltar a agredir a mulher.
2.3. A VIOLÊNCIA E A
MULHER NA HISTÓRIA
A violência contra a mulher é produto
de uma construção histórica e social. Ao longo dos tempos, as mulheres sempre
foram inferiorizadas perante o homem. Desde os primórdios, a cultura humana
caracteriza o sexo feminino como o sexo frágil, colocando a figura da mulher
como um ser dependente da figura masculina.
A submissão da mulher perante o homem é
fato ocorrido desde os chamados “tempos das cavernas” com a famosa figura do
homem puxando a mulher pelos cabelos. Na Grécia antiga, a diferenciação entre
os gêneros era clara, como elucida Tânia Pinafi em seu artigo intitulado
“Violência contra a mulher: políticas públicas e medidas protetivas na
contemporaneidade”:
“Na Grécia Antiga havia muitas diferenças
entre homens e mulheres. As mulheres não tinham direitos jurídicos, não
recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas, sendo
confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu), enquanto
aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos.” (PINAFI, 2013).
Em Roma, a mulher não era considerada
cidadã e consequentemente não podia exercer nenhum cargo público (FUNARI, apud,
PINAFI, 2013). A exclusão social, jurídica e política da mulher a colocava no
mesmo patamar das crianças e escravos, dando a ela apenas a função social de
procriadora.
Segundo Christina Larroudé de Paula
Leite (apud PINAFI, 2007), a Idade Média foi a época mais cruel quanto à
discriminação contra a mulher. Mulheres inocentes eram queimadas nas fogueiras
da Inquisição sob a acusação de bruxaria, sendo sumariamente julgadas de acordo
com o Malleus Maleficarum ou Martelo das Bruxas, que era um livro onde eram
descritas todas as formas de diagnosticar se uma mulher era ou não uma bruxa, como
por exemplo, uma mulher que não chorasse durante seu julgamento automaticamente
era condenada por ser uma bruxa. Outro exemplo de como a mulher era
desprotegida são as leis instituídas pela Ordenação Filipinas ou Código
Filipino, tendo esse nome por ter sido criado por Filipe II da Espanha, onde o
marido traído pela esposa tinha a permissão de matar a sua mulher e o seu
rival. Portanto, percebe-se que nessa época a missão da mulher era a de tudo
aceitar e renunciar a si mesma, enquanto que o homem era tido como um ser
superior.
A cultura da religião judaico-cristã só
firmou ainda mais a inferioridade da mulher na sociedade. O Cristianismo
colocou a mulher como sendo a culpada pelo pecado original, pela expulsão dos
homens do paraíso, devendo por isso serem obedientes, passíveis e submissas aos
homens, que eram tidos como seres iluminados e os únicos capazes de dominar os
instintos das mulheres. Com o aumento dos adeptos dessa religião ao redor do
mundo, esse pensamento da submissão da mulher foi sendo acolhido pela grande
maioria, introduzindo na mulher a consciência da culpa perante o pecado, e
dando ao homem o poder de domínio perante ela (PINAFI, 2013).
Com o decorrer dos anos, mesmo com as
revoluções ocorridas nos países europeus, a mulher continuou sendo privada de
seus direitos naturais, tendo apenas as funções domésticas designadas. Foi
somente no século XIX, com a consolidação do sistema capitalista que algumas
mudanças aconteceram.
“No século XIX há a consolidação do
sistema capitalista, que acabou por acarretar profundas mudanças na sociedade
como um todo. Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um grande
contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do locus que até
então lhe era reservado e permitido — o espaço privado, e vai à esfera pública.
Neste processo, contestam a visão de que são inferiores aos homens e se
articulam para provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando
assim, a trajetória do movimento feminista.” (PINAFI, 2013).
No contexto brasileiro, a partir do ano
de 1970, grupos de movimentos feministas foram nascendo no país, com o grande
objetivo de eliminar as discriminações sociais, econômicas, políticas e
culturais de que a mulher é vítima. A luta desses grupos contra o machismo
tinha como revolta a impunidade de muitos assassinatos de mulheres sob o
argumento de legítima defesa da honra. Pinafi expõe o exemplo do assassinato de
Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street
que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um
revólver contra o rosto de Ângela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com
o argumento de haver matado em “legítima defesa da honra”. A grande repercussão
dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres
em torno do lema: “quem ama não mata”.
Com a pressão dos movimentos feministas
contra a violência doméstica, foi criado, no estado do Rio de Janeiro em 1981,
o SOS Mulher, um espaço de atendimento às mulheres vítimas de violência, além
de ser um espaço de reflexão e mudanças das condições de vida destas mulheres,
tendo esta iniciativa se expandido para outras capitais como São Paulo e Porto
Alegre.
Depois de iniciada a parceria dos
grupos feministas com os estados brasileiros, o acordo para a criação da
primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) veio em consequência, contribuindo
para dar maior visibilidade à problemática da violência contra a mulher,
especialmente a doméstica. A medida adotada pelo Brasil foi pioneira e teve
países da América Latina como seguidores, adotando também a criação de DDMs.
Em junho de 1994, a Assembleia Geral da
Organização dos Estados Americanos (OEA), aprovou a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como
Convenção de Belém do Pará, tendo o Brasil como signatário e tendo ajudado com
a iniciativa da criação da Lei Maria da Penha.
Observando os antecedentes históricos
da violência contra a mulher, percebe-se que ela já se encontra introduzida na
cultura da sociedade desde os tempos primitivos. Sobre isso, Maria Thereza
Ávila Dantas Coelho e Rosilene Almeida Santiago expõem o conceito da “síndrome
do pequeno poder” citando os escritores Mauricio Gonçalves Saliba e Marcelo
Gonçalves Saliba:
[...] “A violência contra a mulher,
além de histórica, é também produto de um fenômeno cultural da sociedade
moderna. A lógica desses processos culturais não se dilui com leis penais
punitivas. Além do mais, há que se considerar, na cultura brasileira, a
"síndrome do pequeno poder", que surge quando aqueles que não se
contentam com sua pequena parcela excedem os limites justos de sua autoridade”
[...] (SALIBA, SALIBA apud SANTIAGO, COELHO, 2013).
Portanto, observa-se que os
antecedentes históricos da violência doméstica contra a mulher foram fatores
importantes para o fortalecimento da atual superiorização do homem frente à
mulher, colocando-a numa total relação de submissão.
3. POR QUE ALGUMAS
MULHERES NÃO DENUNCIAM?
A violência doméstica e familiar contra
a mulher, como já exposto anteriormente, veio sendo construída desde os
primórdios, sendo vista como uma situação comum um companheiro espancar a sua
companheira. Com o advento da Lei Maria da Penha, a maioria absoluta da
população brasileira já tem conhecimento dessa lei criada com o objetivo de
evitar violências e punir os agressores. De acordo com pesquisas do DataSenado
no ano de 2013, 99% das mulheres brasileiras já ouviram falar sobre essa lei, e
vale observar que se incluem nesse percentual mulheres de todas as idades,
níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.
Entretanto, mesmo com todo esse
reconhecimento em nível nacional depois de sete anos de vigência da lei, o
número de mulheres que denunciam seus agressores continua estável, enquanto que
o número de mulheres que sofrem violências domésticas só aumenta. Estudos
mostram que mais de 13,5 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de
agressão, sendo que 65% desse total foram agredidas por seus próprios parceiros
de relacionamento, ou seja, por marido, companheiro ou namorado.
A Lei Maria da Penha é reconhecida pela
ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das três melhores legislações do
mundo no enfrentamento à violência contra a mulher (MENICUCCI, 2012). Em
contrapartida, a nova edição do Mapa da Violência, elaborada pelo sociólogo
argentino Julio Jacobo Waiselfisz, editado pela Faculdade Latino-americana de
Ciências Sociais (Flacso) e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos
(Cebela) produziu um ranking de 84 países elencando as taxas de homicídios
femininos de cada um. O Brasil obteve um resultado péssimo, ficando em 7º lugar
no mundo onde mais se matam mulheres, perdendo apenas para países como El
Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize. (MAPA DA
VIOLÊNCIA, 2012) Comprovando este fato, uma pesquisa brasileira realizada pelo
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) no atual ano, mostrou que
entre 2007 e 2011, de 100 mil mulheres que sofreram algum tipo de violência no
meio doméstico, 5.220 vieram a falecer como resultado da agressão.
Mas qual seria o motivo de uma
disparidade tão grande de números? Como um país que é exemplo no texto legal
pode ter um dos piores índices de mortes de pessoas do sexo feminino? A
resposta mais evidente a essas perguntas é respondida de uma maneira rápida e
clara: falta de denúncia.
Mulheres que sofreram violências e que
não denunciam os seus agressores são os casos mais comuns na atual sociedade.
Do total de mulheres que já sofrerem violência doméstica, cerca de 35%
procuraram uma delegacia e oficializaram uma denúncia formal, enquanto o
restante preferiu procurar ajuda com familiares, amigos, religião, ou não
procurar ajuda nenhuma. (DataSenado, 2013).
Existem muitos motivos para a falta de
denúncia por parte das mulheres agredidas contra os seus agressores. A pesquisa
do DataSenado mostrou que o principal motivo é o medo do agressor, tendo sido
apontado por 74% das entrevistadas.
Fonte: Pesquisa DataSenado, 2013.
Além destes motivos, outro que impede
que muitas mulheres tomem a coragem de denunciar os seus agressores é o
preconceito. Leandre Dal Ponte, participante do Projeto Mais Marias (Campanha
de Combate à Violência contra Mulher), defende que as mulheres não devem ser
preconceituosas com elas mesmas, e sim mostrarem ser cidadãs e terem
conhecimento de seus direitos, podendo tanto se autoajudar, quanto ajudar
outras companheiras que se encontrem em situação similar à qual ela estava.
“Mas muito pior que agredir qualquer
pessoa é o preconceito, pois existem aqueles que se referem a uma vítima
dizendo ‘bem feito’, ‘ela merecia’, ‘apanha porque quer’, quando na verdade,
para entender, precisamos nos colocar no lugar desta pessoa.” (PONTE,
2013).
Como se percebe, as motivações para a
falta de denúncia contra o agressor são das mais variáveis, sendo que a
principal consequência dessa ausência de atitude da mulher é a continuação do
sofrimento que a acaba prejudicando mais do que se preferir dar um fim a essa
situação.
3.1. RELAÇÕES DE AMOR
E ÓDIO: MARIDOS VIOLENTOS E MULHERES SUBMISSAS
Os desejos mais comuns de uma mulher
são os de encontrar o homem ideal, se casar e constituir uma família. Mas nem
sempre esse “conto de fadas” é realizado. Muitas mulheres que sofrem com algum
tipo de violência doméstica não apresentam denúncias contra os seus agressores,
e além de disso, criam um vínculo de dependência e submissão com os seus
companheiros.
Mesmo com todos os avanços da
Constituição Federal, que equiparou juridicamente o homem com a mulher, a
cultura do patriarcalismo ainda existe na sociedade. A desigualdade
sociocultural da mulher perante o homem faz com que ela seja discriminada e
dominada pelo homem, que se vê como um ser superior e mais forte.
A mulher sempre teve o papel de dona de
casa, mãe e cuidadora dos filhos, com a mínima possibilidade de poder conviver
no mundo externo ao da sua residência, enquanto que ao homem cabia o papel de
trabalhar fora para sustentar a casa sozinho. Com esse modo de vida, era
natural que se forma entre o casal uma relação de dominação/submissão, na qual a
mulher tem apenas a função reprodutiva e doméstica, enquanto que o homem é o
verdadeiro responsável pelo bem estar da casa e da família.
A submissão da mulher perante o homem é
resultado de um ciclo que se inicia com os desentendimentos entre o casal, levando-os
à indiferença e a críticas constantes quanto ao modo de comportamento da
companheira.
“O desejo do agressor é submeter a
mulher à vontade dele; tem a necessidade de controlá-la. Assim busca destruir a
sua autoestima. As criticas constantes fazem ela acreditar que tudo que faz é
errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É
induzida a acreditar que não tem capacidade para administrar a casa e nem
cuidar dos filhos. A alegação de não ter ela bom desempenho sexual leva ao afastamento
da intimidade e à ameaça de abandono.” (DIAS, 2007, p. 18).
Percebe-se que, nesses casos, a mulher
se encontra em um abismo na sua relação conjugal, ao mesmo tempo em que ela
odeia o marido por agredi-la fisicamente, psicologicamente ou sexualmente, e
sente vontade de dar um fim nessa terrível situação, denunciando-o, ela também
o ama ou pensa que ama esse homem que a violenta, e prefere resistir pensando
que será a última vez que ele a agrediu do que buscar uma punição justa para
seu caso.
3.2. A FAMÍLIA E A
CONSTRUÇÃO DO PSICOLÓGICO DO AGRESSOR E DA AGREDIDA
Na violência doméstica ou familiar, na
grande maioria dos casos, o sujeito ativo se concentra na figura masculina e o
passivo na feminina, sendo importante salientar que o oposto também pode
ocorrer, colocando a mulher no papel de dominadora e o homem na de submisso.
Mas será que as únicas pessoas envolvidas nessa situação são o casal? Será que
mais alguém pode sair prejudicado?
Os eventuais filhos desse casal são
vítimas diretas da violência, e, por receberem os reflexos da relação violenta
entre os pais, acabam por viver em um ambiente hostil e pouco saudável para o
seu desenvolvimento. Pesquisas feitas por pesquisadores norte americanos
(CAPALDI, KIM, PEARS, 2009), que buscaram relacionar o fenômeno da violência
contra o parceiro com o fenômeno da violência contra a criança, mostraram que
mulheres que são constantemente vítimas de violências, têm maiores
probabilidades de virem a agredir seus filhos. O resultado indicou que crianças
em cuja família ocorre violência contra o parceiro têm uma probabilidade de
duas a quatro vezes maior de serem vítimas de maus-tratos, quando comparadas
com crianças cujas famílias não vivenciam esse fenômeno. (AFFONSECA, WILLIANS,
2013).
Outra consequência importante na
formação das crianças que crescem em um lar violento é a de que, essas
crianças, tendem a procurar as mesmas características de seus genitores em seus
futuros parceiros. Uma menina que foi criada vendo a sua mãe ter uma relação de
dominação / submissão com seu pai, crescerá imaginando que esse tipo de relação
é a que constitui uma família, fazendo-a procurar, mesmo que inconscientemente,
um parceiro que a trate igualmente como o pai tratava a sua mãe.
“Agora uma mulher que associa
casamento, “amor”, e relacionamento a violência irá gerar o ciclo de violência
onde a vítima dependente sempre irá buscar o carinho do agressor que promete
mudar de atitude.” (CABETTE, PAULA, 2013).
Além das consequências geradas nos
filhos diretamente, há também as consequências indiretas, que muito
provavelmente passam a aparecer nas crianças quando forem mais velhas.
A sociedade de hoje como um todo, tem
como característica o uso constante da violência para rebater qualquer
desentendimento existente. Mas, será que toda essa propensão à violência surgiu
sem motivo nenhum na vida dessas pessoas? Maria Berenice Dias (2007, p. 16),
disserta sobre esse assunto nos ensinando que a violência doméstica é o germe
da violência que está assustando a todos. A autora também diz que crianças que
convivem com a violência desde pequenas, crescem com a tendência de achar que é
normal fazer o uso da força física, e, além disso, como na grande maioria das
vezes a mãe não consegue denunciar o marido, os filhos acabam por desenvolver
um pensamento de que a violência é um ato natural de amor, já que a impunidade
é algo cotidiano em suas vidas.
Além das consequências sofridas pelos
filhos do casal, pode-se dizer que a mulher vitimizada é a que mais sai
prejudicada. Agressões físicas, psicológicas e sexuais fazem com que sequelas
graves apareçam na vida da mulher até a sua morte.
“Dentre os sintomas apresentados
pelas mulheres vítimas de violência, destacam-se: dor crônica, visita frequente
ao médico, uso/abuso de medicamentos, uso/abuso de álcool, histórico de
pensamentos/tentativas de suicídio, depressão moderada ou grave, suspeita de
maus-tratos infantis como mãe, problemas para dormir (insônia, pesadelos),
agitação, ansiedade ou nervosismo, pensamento confuso, dificuldade de tomar
decisões, distúrbios sociais, ausência de contato visual e visão rígida dos
papéis de homem/mulher” (SIQUEIRA, SOUZA apud D’AFFONSECA, WILLIANS, 2013).
Entre os homens, polo ativo da
violência doméstica, as razões para o uso da força física contra suas
companheiras são as mais diversas. De acordo com Rosa, Boing, Buchele, Oliveira
e Coelho (2013), existem três justificativas dadas pelo homem para que violente
sua companheira: Ela, Eu, e Outros.
A categoria “Ela” foi relacionada com a
identificação de atitude inadequada por parte da mulher que, segundo o homem,
agia de maneira autoritária para com o companheiro. A categoria “Eu”
evidenciou-se quando o homem agressor explicitava irritação com a companheira
e/ou considerava ofensa quando ela reclamava, geralmente por ele estar bebendo
no bar. Na categoria “Outros” os sujeitos atribuíram a responsabilidade de suas
ações a alguém externo ao casal, levando-os à atitude que se caracterizava como
agressão. Por exemplo, quando o sujeito relatava que a discussão ocorria por
conta da presença de uma amiga, entende-se que se referia ao “outro” como
desencadeador ou responsável pela agressão.
Sobre isso, Carla Jamarino Serraglio,
Cristien Serraglio, e Luciana A. P. de Castro expõem o seguinte:
“A razão maior das agressões
contra mulheres se justifica pelo álcool, droga, desemprego, ciúmes,
insegurança ou impotência e pelo próprio machismo, diante desses fatores os
homens cometem a agressão como uma forma de tentar se manter superior.”
(SERRAGLIO, SERRAGLIO, CASTRO, 2013).
Constata-se que tanto a formação do
psicológico da mulher quanto o de sua família é totalmente abalado quando há
uma relação de violência doméstica entre o casal genitor, o que nos mostra que
além da proteção jurídica dada pela promulgação da Lei Maria da Penha, é necessário
que haja um severo acompanhamento psicológico para diminuir as sequelas
sofridas pela família.
4. A SOCIEDADE
MACHISTA E A IMPOSIÇÃO QUE A MULHER SOFRE PARA MANTER O CASAMENTO
Desde épocas remotas e até os dias
atuais, a cultura do patriarcalismo é a que prevalece mesmo com as equiparações
feitas entre o homem e a mulher. Em consequência disso, o homem se tornou o ser
mais importante da família, tornando a sociedade, uma sociedade machista.
A mulher, considerada o sexo frágil,
sempre foi educada desde a infância para ser a perfeita dona de casa. Aquelas
que adentram ao mercado de trabalho são exceções, sendo que essa iniciativa
parte mais da necessidade econômica de sua família, do que propriamente da
consciência da igualdade entre os sexos. E mesmo aquelas que possuem
independência econômica ficam ligadas ao homem por outros motivos, por exemplo,
tendo uma dependência psicológica, necessitando de uma figura masculina para
desenvolver-se plenamente. (FERREIRA BRASIL, 2013).
Dessa concepção de dependência feminina
é que surge o conceito de machismo e consequentemente uma sociedade machista.
Rebeca Ferreira Brasil expõe a sua opinião sobre essa situação da seguinte
forma:
“O machismo, assim, é fomentado também
pela própria mulher, que vê, muitas vezes, o homem como ser superior e,
consequentemente, qualquer relação afetiva transforma-se em objetivo principal
de sua vida. Logo, o casamento para a mulher tornou-se obrigação, avaliação de
sua vida como um todo. Se o casamento é satisfatório, ela está desempenhando
bem sua função na sociedade, entretanto, se o matrimônio está em declínio ou é
desfeito, tal fato é considerado como derrota pessoal para a mulher.” (FERREIRA
BRASIL, 2013).
No que concerne ao contexto da
violência doméstica e familiar, o machismo é fator essencial para a prática de
agressões, enquanto que a culpa que a mulher sente por ter feito o seu
casamento não dar certo é fator para a falta de oferecimento de denúncia às
autoridades competentes. Os homens que agridem suas companheiras, na grande
maioria dos casos, apresentam um pensamento machista e desenvolvem um
sentimento de posse sobre a mulher, acreditando que ela é apenas um objeto de
complementação e satisfação em sua vida. Já a mulher sente o peso da culpa e da
frustração por não ter conseguido fazer o seu casamento dar certo. Esta, que
foi educada para cumprir o papel de mulher bem casada, se sente incapaz de
encarar o fato de não ter feito uma boa escolha.
Por vergonha e constrangimento, a
mulher acaba por esconder todas as agressões que sofre do companheiro, pois ela
tem a esperança de que ele possa mudar com o tempo, mas ao contrário disso, a
situação se complica, e por já estar confinada em um ciclo violento, se vê sem
saída.
A visão que a sociedade tem do
casamento falho foi sendo construída desde as origens das religiões, nas quais
era mais aceitável o cônjuge continuar vivendo com o outro cônjuge adúltero do
que se separar. Com o advento da Lei do Divórcio em 1977, a mulher ganhou mais
liberdade para tomar decisões que antes não podia. A possibilidade de se
divorciar sem ter que passar pelo tempo de prévia separação judicial por mais
de um ano ou de separação de fato comprovada por mais de dois anos, fez com que
a mulher pudesse escolher um futuro diferente para ela e seus filhos.
Entretanto, mesmo com todos esses
avanços, o rito do matrimônio continua sendo exaltado pela cultura atual. As
crenças religiosas que vetam o segundo casamento enquanto o ex- cônjuge ainda
for vivo, contribuem com o pensamento de que a pessoa que aceita se casar
novamente não é digna de conviver no meio religioso, e consequentemente,
contribui com o julgamento feito a ela, sendo condenada ao repúdio por ter
desfeito seu primeiro casamento.
Portanto, para a mulher que é vitima de
violência doméstica e familiar, o fato de ter um casamento falho é pior do que
manter uma relação na qual é violentada, já que é preferível ser vista como uma
boa esposa e dona de casa, do que ser vista pela sociedade como a mulher
separada que apanhava do marido.
5. CONCLUSÃO
Com o presente estudo observamos como a
mulher foi e ainda é inferiorizada perante o homem. A violência doméstica e
familiar contra a mulher é um fenômeno que começou a ser construído desde os
primórdios, e que até hoje, mesmo com equiparações entre os sexos, continua
sendo um fato cotidiano na vida de muitas mulheres.
A Lei Maria da Penha veio para combater
esse tipo de violência, tendo como base a história da cearense Maria da Penha
Maia Fernandes, agredida diversas vezes pelo marido, e que juntamente com
movimentos feministas e Convenções Internacionais, ensejaram a iniciativa da
criação de uma lei especifica que regulasse e punisse os agressores.
Com o advento desta lei, muitas
mudanças no processo penal brasileiro foram acontecendo, dando mais segurança à
mulher agredida, e uma maior punição ao agressor. A Lei Maria da Penha foi tão
bem recebida que é considerada uma das melhores legislações protetivas do
mundo, o que causa uma falsa sensação de dever cumprido pelo Estado. Mas, como
nem tudo é perfeito, os altos índices de violência contra a mulher ainda
resistem até hoje, causando certa disparidade entre o texto legal e os altos
índices de mulheres vítimas de violência doméstica.
A falta de denúncia por parte da mulher
contra o homem é o fator que mais gera a impunidade aos autores das agressões.
Na grande maioria dos casos, as vítimas preferem ficar caladas a buscar uma
punição pelo fato ocorrido. Verificamos que as motivações para essa falta de
denúncia são diversas, sendo que a que mais prevalece é o medo do agressor, ou
seja, o pavor que a vítima tem de sofrer consequências piores caso leve o caso
à justiça faz com que ela continue no silêncio, fingindo que nada aconteceu.
Entretanto, mesmo acreditando que esta
seja a melhor solução, a mulher não percebe que deixar de procurar ajuda
estatal gera consequências muito piores, tanto para ela quanto para o restante
da família. Ela continuará condenada a ser submissa ao poder dominador do
marido, colocada sempre num patamar de inferioridade, além de se tornar uma vítima
sem fim da violência doméstica. Aos filhos do casal, as consequências aparecem
tanto momentaneamente como também no futuro, pois uma criança que vê o pai
agredir a mãe cria um pensamento de que este é um ato normal numa estrutura
familiar, e começará a propagar esse pensamento se tornando uma criança
violenta, além de poder, no futuro, procurar um companheiro ou companheira com
as mesmas características dos pais, dando continuidade a um ciclo de violência
iniciado pelos pais e continuado pelos filhos.
Ficou claro, que essa atual sociedade
violenta não é a ideal para viver em equilíbrio com um ordenamento jurídico
como o nosso. E para que essa situação se inverta é necessária uma
conscientização geral, e principalmente, um apoio psicológico à mulher agredida,
para que ela consiga ter a coragem necessária de buscar seus direitos através
de uma lei que foi criada com o objetivo de extinguir a violência doméstica.
“Chegou o momento de resgatar a
cidadania feminina. É urgente a adoção de mecanismos de proteção que coloquem a
mulher a salvo do agressor, para que ela tenha coragem de denunciar sem temer
que sua palavra não seja levada a sério. Só assim será possível dar efetividade
à Lei Maria da Penha” (DIAS, 2007, p. 26).
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acesso em 21 de outubro de 2013.
Autores
Delegado de Polícia em Guaratinguetá (SP). Mestre em Direito Social.
Pós-graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia. Professor de
Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual
Penal Especial na graduação e na pós-graduação da Unisal.
Bacharelanda do 6o. Período de Direito da Unisal - Lorena-SP
Como citar este texto
(NBR 6023:2002 ABNT):
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