O CONTRADITÓRIO
MITIGADO NO INQUÉRITO POLICIAL
Mário Leite de Barros Filho
Delegado de Polícia, de Classe Especial, do Estado de
São Paulo, professor da Academia de Polícia de São Paulo, professor universitário,
tutor do Ensino a Distância, da Secretaria Nacional de Segurança Pública –
SENASP e autor de quatro obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e
da Polícia Judiciária.
Dados para contato: email: mario.leite2@terra.com.br
Sumário: I – Evolução Histórica da Polícia
Civil; II – Mudança do Perfil do Delegado de Polícia; III – Evolução do
Inquérito Policial; IV – Contraditório Mitigado no Inquérito Policial; V - Conclusão;
e VI – Bibliografia.
Resumo: A presente matéria estuda o sistema do
contraditório mitigado no inquérito policial, que defende uma participação mais
ativa do advogado na fase da formalização dos atos de investigação criminal.
A mencionada tese se fundamenta na
necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a
acusação, exercida pelo Ministério Público, durante a persecução criminal.
O autor da matéria contesta o
paradigma que o inquérito policial é um
procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da
ação penal.
Defende que,
com a nova ordem jurídica, principalmente, em razão do princípio do devido
processo legal, o inquérito policial se transformou em um procedimento de
proteção dos direitos e garantias individuais, por intermédio da busca da
verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário.
Neste
contexto, a Polícia Judiciária não está vinculada à acusação ou à defesa,
agindo com imparcialidade, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.
Em síntese,
neste trabalho o inquérito policial é concebido como um verdadeiro instrumento
de Justiça Criminal.
Palavras
- chave: Contraditório
Mitigado no Inquérito Policial; Inquérito Policial; Investigação Criminal;
Polícia Civil; Polícia Judiciária; Poder Judiciário; Ministério Público; Direitos
e Garantias Fundamentais; Contraditório; Ampla Defesa; Imparcialidade; Justiça
Criminal; Devido Processo Legal; Sistema Inquisitivo; Delegado de Polícia,
Autoridade Policial; Advogado; Verdade Real; e Persecução Criminal.
I – Evolução Histórica da Polícia Civil
Para entender o sistema do
contraditório mitigado no inquérito policial é necessário, antes, estudar a
evolução histórica da Polícia Judiciária.
A Polícia Civil, na condição de Instituição
responsável pela segurança pública, foi obrigada a adaptar suas atribuições no
sentido de atender aos interesses da sociedade.
Inicialmente, a atividade
exercida pela Polícia Judiciária estava vinculada à imagem repressiva.
Durante o período da ditadura
militar, a atividade da Polícia Civil foi utilizada indevidamente como
instrumento político. A natureza inquisitiva do inquérito policial era
consentânea ao regime autoritário.
Posteriormente, com a
democratização do Brasil, a Constituição Federal de 1988, conhecida como
Constituição Cidadã, conferiu expressamente à Polícia Civil a atribuição de
elucidação dos delitos, consoante se observa do § 4º, art. 144.
Neste contexto, a Polícia
Judiciária assumiu o papel de guardiã da segurança pública – gestora das
atividades de investigação criminal do Estado.
Finalmente, com a evolução dos
direitos e garantias fundamentais, a Polícia Civil passou a atuar na área da
superação da violência e dos conflitos.
Com a nova ordem jurídica, a
Polícia Civil se prepara para assumir o papel de pacificadora social.
Consequentemente, percebe-se
que, em razão da evolução dos direitos fundamentais, as atribuições da Polícia
Judiciária foram adequadas e ampliadas:
- Elucidação dos crimes – investigação criminal;
e
- Mediação de conflitos decorrentes das
infrações criminais de menor potencial ofensivo – pacificadora social.
Portanto, a Polícia Judiciária
sofreu verdadeira metamorfose profissional, evoluindo de mero coadjuvante para
assumir a condição de protagonista no cenário da segurança pública nacional.
II – Mudança do
Perfil do Delegado de Polícia
Para desempenhar o novo papel da
Polícia Civil, o delegado de polícia precisou, também, alterar o seu perfil
profissional.
Antigamente, o delegado de polícia
era um profissinal mais operacional, voltado somente à investigação criminal.
Atualmente, o delegado de polícia
é um profissional mais sofisticado, um verdadeiro operador do direito, que
domina a ciência da investigação.
A mencionada transformação
proporcionou condições para a inclusão da atividade exercida pelo delegado de polícia
no rol das carreiras jurídica, por intermédio da Emenda Constitucional nº
35/2012.
A aprovação da Emenda
Constitucional nº 35/2012 proporcionou:
- A inclusão da atividade exercida pelos
delegados de polícia no rol das carreiras jurídicas;
- Reconhecimento da Polícia Judiciária como atribuição essencial à função jurisdicional do Estado;
- Independência funcional dos delegados
de polícia pela livre convicção motivada dos atos de Polícia Judiciária; e
- Exigência de dois anos de atividade jurídica para o ingresso à carreira de delegado de polícia.
III – Evolução do
Inquérito Policial
O inquérito policial, principal ato
de Polícia Judiciária, também, se amoldou à nova ordem jurídica.
O inquérito policial sempre foi
considerado, pelo Ministério Público, um procedimento dispensável, de natureza
inquisitiva, meramente preparatório da ação penal.
Entretanto, a Constituição
Federal adotou o princípio do devido processo legal, no inciso LIV, do art. 5º:
Art. 5º - (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal; (grifei)
O princípio do devido processo
legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma investigação,
instrução e julgamento justo ao acusado.
Entre estes direitos se destacam
o contraditório e a ampla defesa (inciso LV, art. 5º, CF).
Art. 5º - (...)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (grifei)
Enquanto a definição de contraditório está vinculada à
possibilidade do acusado produzir provas e apresentar a sua versão sobre os
fatos, refutando as alegações e os elementos que lhe sejam desfavoráveis; o
conceito de ampla defesa está relacionado ao direito da pessoa acoimada se
insurgir e utilizar todos os meios necessários para demonstrar a sua inocência.
Acontece que, durante o
inquérito policial, poderá ocorrer a dilapidação do patrimônio moral da pessoa
investigada, em virtude da mudança do seu status.
O status da pessoa investigada
poderá se transformar da simples condição de averiguada, passando pela situação
desconfortável de suspeita, até alcançar a posição constrangedora de indiciada.
Ora, se durante o inquérito policial
poderá ocorrer dano ao patrimônio moral da pessoa investigada, em decorrência
da mudança do seu status, nada mais justo que ela tenha o direito de se
defender e produzir provas.
Neste sentido, o inquérito
policial se transformou em um instrumento de proteção dos direitos e garantias
individuais.
Nesta conjuntura, atualmente, o inquérito
policial é o procedimento de Polícia Judiciária, presidido por delegado de
polícia, de carreira jurídica, destinado à formalização das atividades de
investigação criminal, realizadas com o objetivo de elucidação da autoria e
demais circunstância do crime, por intermédio da busca da verdade real, tendo
como destinatário o Poder Judiciário.
Efetivamente, a autoridade policial,
por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.
O delegado de polícia não está
vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um magistrado, tem apenas
compromisso com a verdade dos fatos.
Em síntese, o inquérito policial
é concebido como um verdadeiro instrumento de justiça criminal.
IV - O Contraditório
Mitigado no Inquérito Policial
Apesar da possibilidade de dano
ao patrimônio moral da pessoa investigada, na fase da investigação criminal, a
atuação do advogado é limitada, em razão da suposta natureza inquisitiva do inquérito
policial.
Na época atual, o papel do advogado
se limita a impedir eventuais abusos e excessos praticados pela autoridade policial
contra seu cliente.
O
sistema do contraditório mitigado no inquérito policial se fundamenta na
necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a
acusação, exercida pelo Ministério Público.
Nos últimos tempos, observa-se
um desequilíbrio de força entre a acusação e defesa, decorrente da atividade
ilícita de investigação criminal seletiva exercida pelo Ministério Público.
O contraditório mitigado no
inquérito policial significa a participação mais ativa do advogado, na fase da
formalização dos atos de investigação criminal, ajudando o delegado de polícia
a esclarecer os fatos, na busca da verdade real.
A participação mais ativa do advogado
no inquérito policial pode ocorrer de inúmeras formas, entre elas, se destacam
as seguintes iniciativas:
- Arrolando testemunhas;
- Solicitando a realização de
diligências;
- Postulando a realização de provas
periciais; e
- Proporcionando ao investigado
condições para se defender antes de ser indiciado.
Entretanto, a possibilidade da
participação mais ativa da defesa, durante a elaboração do inquérito policial,
não significa que o advogado poderá interferir e direcionar a investigação criminal.
Vale lembrar que o contraditório
mitigado no inquérito policial enfrenta resistência por parte de alguns
policiais civis e membros do Ministério Público, acostumados com o comodismo do
sistema inquisitivo de produção de elementos de convicção.
V - Conclusão
O contraditório mitigado no
inquérito policial propiciará mais confiança e credibilidade aos elementos de
convicção produzidos na etapa da investigação criminal.
A atividade conjunta realizada
pelo delegado de polícia (Polícia Judiciária) e advogado (OAB), por intermédio
do contraditório mitigado no inquérito policial, contribui para o aprimoramento
da justiça criminal, na medida em que proporciona condições para a realização
de uma investigação criminal mais justa.
Mário Leite de Barros
Filho
VI - Bibliografia
BARROS FILHO, Mário
Leite de. Direito
Administrativo Disciplinar da Polícia – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia
Paulista. 2ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2007.
BARROS FILHO, Mário
Leite de e BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Concurso Delegado de Polícia de São Paulo – Direito
Administrativo Disciplinar – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 1ª
ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2006.
BONILHA, Ciro de Araújo
Martins. Da Prevenção
da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro, 1ª ed., 2008.
GOMES, Luiz Flávio. Prisão e Medidas Cautelares:
comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011 / Alice Bianchini...(et al.);
coordenação Luiz Flávio Gomes, Ivan Luís Marques. – São Paulo : Editora Revista
dos Tribunais, 2011.
MELLO TUCUNDUVA, Ricardo Cardozo. Emprego de algemas: uso e abuso, São
Paulo, 2010.
MORAES,
Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de
Moraes. - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003.
OLIVEIRA, Regis
Fernandes de e BARROS FILHO, Mário Leite de, Resgate da Dignidade da Polícia Judiciária Brasileira.
São Paulo: 2010 – Edição dos autores.
OLIVEIRA, Régis
Fernandes. O
Funcionário Estadual e seu Estatuto. São Paulo: Max Limonad, 1975.
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