sábado, 15 de dezembro de 2012

Polêmicas sobre a condução coercitiva

Texto de Airton Franco
A Autoridade Policial pode determinar, de ofício, a condução coercitiva de um investigado, de um ofendido ou de uma testemunha?
É legítima a requisição de força policial - pelo Ministério Público, no exercício de suas funções - para a condução coercitiva de quem entenda colher depoimentos ou esclarecimentos?

A condução coercitiva é modalidade de prisão?

De logo, adoto a compreensão - consoante ensinamento de boa parte da doutrina - no sentido de que a condução coercitiva é, sim, uma modalidade de prisão.

A condução forçada de alguém implica inevitável ofensa ao sagrado direito de ir e vir. É claro que tal direito fundamental não é absoluto, pois a Constituição Federal – somente esta poderia fazê-lo - cuidou de excepcioná-lo na dicção do inciso LXI, do artigo 5º, verbis:

“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Ainda assim, a ordem escrita e fundamentada do Juiz deve obediência ao princípio do devido processo legal. Eis a intelecção do inciso LIV, do artigo 5º, CF-88.
Não se pode interpretar o Direito sem a compreensão do curso de sua evolução. Neste sentido, a ordem constitucional em vigor impulsionou o ordenamento jurídico para uma lógica que vem sendo palmilhada, passo a passo, nos rumos do direito positivo (basta ver as recentes reformas processuais, notadamente a partir do ano de 2008), de modo que ressalta a toda evidência a primazia do chamado juízo das garantias.
O juízo das garantias colima afastar todo e qualquer desvirtuamento da ordem constitucional, seja no âmbito da ação penal, seja no âmbito da investigação propriamente dita.
Não se diga, por corolário, que o princípio da presunção de inocência impossibilita a adoção de medidas restritivas ou de prisões cautelares. Não é isto! Estas, as restrições cautelares, quando necessárias, sobretudo quando em ofensa à ordem processual, não só podem como devem ser adotadas.
Impende concluir, destarte, que o princípio fundamental da presunção de inocência não elidiu a possibilidade de prisões cautelares. O que não se admite, com efeito, é sua banalização ou a antecipação do juízo de culpa.
Seguindo tal raciocínio, admitir a condução coercitiva de alguém que não seja por ordem escrita e fundamentada da Autoridade Judicial é admitir a possibilidade absurda de que as regras restritivas de direito possam comportar interpretação extensiva ou analógica.

Portanto, sendo a condução coercitiva uma modalidade de prisão - como de rigor o é - não se pode estender à Autoridade Policial ou ao Ministério Público uma atribuição que
constitucionalmente é de responsabilidade, tão somente, do Juiz.
É assim que compreendo como legítimos os seguintes enunciados processuais:

1- Quando o conduzido é uma testemunha, aplica-se o artigo 218, do CPP:
“Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública”.
2- Quando o conduzido é um ofendido, aplicam-se o artigo 201 e seu § 1º, do CPP, enfatizando-se que a redação deste parágrafo foi incluída pela Lei 11.690, de 2008, e que a redação daquele caput foi alteração pela mesma Lei.
“Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)”.
“§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)”.
3- Quando o conduzido é acusado - e não investigado - aplica-se o artigo 260, do CPP:
“Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.
Como se vê, em apertada síntese, a ordem constitucional não recepcionou outro elastério normativo além dos parâmetros ut supra e, de igual modo, não convalida enunciados constantes na lei orgânica do MPF e na lei que traça diretrizes sobre o MPE que disciplinam sobre a requisição - como ali consta - de força policial para cumprir condução coercitiva.
Mas, a questão não é tão simples assim... Pois o STF já decidiu, com relação às Comissões Parlamentares de Inquérito, verbis:
“As testemunhas, uma vez convocadas em termos, são obrigadas a comparecer. A comissão pode, inclusive, requisitar força policial para trazê-las à sua presença (STF - HC 71039, DJ de 6-12-1996)”.
“Por isso mesmo, o STF admite, em tese, a impetração de habeas corpus contra intimação para depor em CPI, já que a intimação do paciente para depor em CPI, contém em si a possibilidade de condução coercitiva da testemunha que se recuse a comparecer (STF - HC 71216, DJ de 24-6-1994). (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009, p. 907)”.
Diante do exposto, tenho a compreensão, que penso ser a mais correta, no sentido de que ninguém pode ser obrigado a depor contra si, ou seja, ser obrigado a produzir prova contra si próprio (princípio nemo tenetur se detegere).
Em suma, como esta questão é controvertida tanto na doutrina quanto na jurisprudência, entendo, por prudência, que a cautela neste caso é algo que sempre se impõe e é sempre bem-vinda, pois diante da induvidosa capacidade postulatória da Autoridade Policial, esta não restará diminuída pelo fato de postular - quando entender necessário - a determinação judicial para a condução coercitiva de uma testemunha, por exemplo.
 

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