Texto de Airton Franco
A Autoridade Policial pode
determinar, de ofício, a condução coercitiva de um investigado, de um ofendido
ou de uma testemunha?
É legítima a requisição de força
policial - pelo Ministério Público, no exercício de suas funções - para a
condução coercitiva de quem entenda colher depoimentos ou esclarecimentos?
A condução coercitiva é modalidade de prisão?
De logo, adoto a compreensão -
consoante ensinamento de boa parte da doutrina - no sentido de que a condução
coercitiva é, sim, uma modalidade de prisão.
A condução forçada de alguém implica inevitável ofensa ao sagrado direito de ir e vir. É claro que tal direito fundamental não é absoluto, pois a Constituição Federal – somente esta poderia fazê-lo - cuidou de excepcioná-lo na dicção do inciso LXI, do artigo 5º, verbis:
“ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei”.
Ainda assim, a ordem escrita e
fundamentada do Juiz deve obediência ao princípio do devido processo legal. Eis
a intelecção do inciso LIV, do artigo 5º, CF-88.
Não se pode interpretar o Direito
sem a compreensão do curso de sua evolução. Neste sentido, a ordem
constitucional em vigor impulsionou o ordenamento jurídico para uma lógica que
vem sendo palmilhada, passo a passo, nos rumos do direito positivo (basta ver
as recentes reformas processuais, notadamente a partir do ano de 2008), de modo
que ressalta a toda evidência a primazia do chamado juízo das garantias.
O juízo das garantias colima
afastar todo e qualquer desvirtuamento da ordem constitucional, seja no âmbito
da ação penal, seja no âmbito da investigação propriamente dita.
Não se diga, por corolário, que o
princípio da presunção de inocência impossibilita a adoção de medidas
restritivas ou de prisões cautelares. Não é isto! Estas, as restrições cautelares,
quando necessárias, sobretudo quando em ofensa à ordem processual, não só podem
como devem ser adotadas.
Impende concluir, destarte, que o
princípio fundamental da presunção de inocência não elidiu a possibilidade de
prisões cautelares. O que não se admite, com efeito, é sua banalização ou a
antecipação do juízo de culpa.
Seguindo tal raciocínio, admitir
a condução coercitiva de alguém que não seja por ordem escrita e fundamentada
da Autoridade Judicial é admitir a possibilidade absurda de que as regras
restritivas de direito possam comportar interpretação extensiva ou analógica.
Portanto, sendo a condução coercitiva uma modalidade de prisão - como de rigor o é - não se pode estender à Autoridade Policial ou ao Ministério Público uma atribuição que
constitucionalmente é de responsabilidade, tão somente, do Juiz.
Portanto, sendo a condução coercitiva uma modalidade de prisão - como de rigor o é - não se pode estender à Autoridade Policial ou ao Ministério Público uma atribuição que
constitucionalmente é de responsabilidade, tão somente, do Juiz.
É assim
que compreendo como legítimos os seguintes enunciados processuais:
1- Quando o conduzido é uma testemunha, aplica-se o artigo 218, do CPP:
1- Quando o conduzido é uma testemunha, aplica-se o artigo 218, do CPP:
“Art.
218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo
justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação
ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o
auxílio da força pública”.
2- Quando
o conduzido é um ofendido, aplicam-se o artigo 201 e seu § 1º, do CPP,
enfatizando-se que a redação deste parágrafo foi incluída pela Lei 11.690, de
2008, e que a redação daquele caput foi alteração pela mesma Lei.
“Art.
201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as
circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que
possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. (Redação dada pela Lei
nº 11.690, de 2008)”.
Ҥ 1o Se,
intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido
poderá ser conduzido à presença da autoridade. (Incluído pela Lei nº 11.690, de
2008)”.
3- Quando
o conduzido é acusado - e não investigado - aplica-se o artigo 260, do CPP:
“Art.
260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento
ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade
poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.
Como se
vê, em apertada síntese, a ordem constitucional não recepcionou outro elastério
normativo além dos parâmetros ut supra e, de igual modo, não convalida
enunciados constantes na lei orgânica do MPF e na lei que traça diretrizes
sobre o MPE que disciplinam sobre a requisição - como ali consta - de força
policial para cumprir condução coercitiva.
Mas, a
questão não é tão simples assim... Pois o STF já decidiu, com relação às
Comissões Parlamentares de Inquérito, verbis:
“As
testemunhas, uma vez convocadas em termos, são obrigadas a comparecer. A
comissão pode, inclusive, requisitar força policial para trazê-las à sua
presença (STF - HC 71039, DJ de 6-12-1996)”.
“Por isso
mesmo, o STF admite, em tese, a impetração de habeas corpus contra intimação
para depor em CPI, já que a intimação do paciente para depor em CPI, contém em
si a possibilidade de condução coercitiva da testemunha que se recuse a
comparecer (STF - HC 71216, DJ de 24-6-1994). (MENDES, COELHO e BRANCO, 2009,
p. 907)”.
Diante do
exposto, tenho a compreensão, que penso ser a mais correta, no sentido de que
ninguém pode ser obrigado a depor contra si, ou seja, ser obrigado a produzir
prova contra si próprio (princípio nemo tenetur se detegere).
Em suma,
como esta questão é controvertida tanto na doutrina quanto na jurisprudência,
entendo, por prudência, que a cautela neste caso é algo que sempre se impõe e é
sempre bem-vinda, pois diante da induvidosa capacidade postulatória da
Autoridade Policial, esta não restará diminuída pelo fato de postular - quando
entender necessário - a determinação judicial para a condução coercitiva de uma
testemunha, por exemplo.
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