Considerando que a dívida de droga é ilícita, trata-se de subtração ou constrangimento através de indevida cobrança para obter vantagem econômica indevida, e se ocorrer violência, principalmente seguida de morte, então está caracterizado o latrocínio.
Atualmente as mortes
decorrentes de cobrança por dívida de droga já correspondem a 80% dos
homicídios e ainda são julgadas pelo júri. Mas, é possível mudar a
interpretação do tipo penal e remeter a competência para o juiz singular, pois
deixaria de ser art. 121 do CP e passaria a ser art. 157,§3º (latrocínio) ou
art. 158, §2º, do CP (extorsão seguida de morte).
O latrocínio é o
roubo seguido de morte ou lesão grave, mediante violência anterior ao roubo ou
concomitante ao ato de subtração. A proximidade entre latrocínio e homicídio é
muito latente. Tanto que apenas em 1984 o STF pacificou que latrocínio não era
crime contra a vida (competência do júri), mas sim crime contra o patrimônio
(competência do juiz singular), antes era julgado pelo júri, como ocorreu no
caso clássico dos Irmãos Naves, pois era caso de latrocínio (morte para roubar)
e hoje seria julgado pelo juiz singular, conforme súmulas do STF a seguir:
Súmula nº 610
Crime de Latrocínio -
Homicídio Consumado Sem Subtração de Bens
Há crime de
latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a
subtração de bens da vítima.
J. 17/10/1984 - DJ de 29/10/1984, p.
18114; DJ de 30/10/1984, p. 18202; DJ de 31/10/1984, p. 18286.
Súmula 603
A COMPETÊNCIA PARA O
PROCESSO E JULGAMENTO DE LATROCÍNIO É DO JUIZ SINGULAR E NÃO DO TRIBUNAL DO
JÚRI.
Data de Aprovação:
Sessão Plenária de 17/10/1984 DJ de 29/10/1984, p. 18113;
Ocorre que não há uma
vedação para que a violência seja posterior ao roubo, uma vez que depende muito
da ação, pois o crime de roubo embora crime instantâneo, a modalidade vem sendo
aperfeiçoada pelos bandidos, o que acaba implicando em outros parâmetros de
análise do fenômeno, como nos assaltos a bancos que podem durar dias e apenas
ao final ocorrer mortes.
A separação entre
homicídio e latrocínio na prática é complexa e depende do desigínio subjetivo
do agente. Por exemplo, se furtou e depois de consumado o crime resolveu matar
temos furto, mais homicídio em vez de latrocínio. No caso das drogas, se o
devedor paga, não morre. Mas, caracteriza subtração, pois a dívida era ILEGAL,
pois a droga é ilícita, assim como dívida de jogo de bicho.
Por outro lado, hoje
o tipo mais comum de morte é a decorrente de cobrança de dívidas de drogas. Em
uma leitura aprofundada é possível extrair que as mortes neste caso inserem-se
no contexto de crime patrimonial, pois o objetivo maior não era matar (contra a
vida), mas sim receber uma dívida. Logo, se pagasse não morreria. A vida
ceifada foi apenas um meio de se tentar cobrar a dívida e manter o poder
territorial dos traficantes.
Acontece que
atualmente 80% das mortes violentas são por crimes decorrentes de cobrança de
dívidas de drogas. No entanto, a cobrança de dívida de droga é cobrança de uma
dívida ilícita, ou seja, de produto ilegal, logo caracteriza subtração e
insere-se em uma espécie imprópria de roubo, conforme texto do art. 157 do CP:
Roubo
Art. 157 - Subtrair
coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência
a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade
de resistência:
Pena - reclusão, de 4
(quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 3º - Se da violência
resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze)
anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30
(trinta) anos, sem prejuízo da multa.
O crime de latrocínio
é tecnicamente uma qualificadora do crime de roubo. Nem existe este termo
“latrocínio” no Código Penal, o qual foi adotado pela doutrina. Muito pouco se
reflete sobre o alcance do mesmo. No entanto, o crime conhecido como latrocínio
consuma-se tanto com a morte, mesmo sem subtração; assim como com a subtração,
mesmo sem a morte.
Um dado relevante é
que a pena mínima do latrocínio é de 15 anos, enquanto a do homicídio
qualificado é de doze anos. A pena máxima para ambos é de 30 anos.
No caso do latrocínio
o fato de não se ter recebido a dívida ilegal ou não ter obtido o objetivo
patrimonial não inibe a consumação em razão da morte da vítima.
O crime de morte por
cobrança de dívida de drogas normalmente tem uma execução similar, ou seja, um
ou dois autores, em uma moto preta aproxima-se da vítima, chama a mesma pelo
nome, provavelmente fazem a última cobrança, não recebem, atiram várias vezes e
fogem. Em regra, não há testemunhas.
É conhecido como
crime preterdoloso, no qual a morte não era o objetivo principal, mas também
não foi um acidente. Ou seja, algo muito comum de ocorrer na cobrança de
dívidas de droga.
Há várias hipóteses
que há mortes dolosas que não são julgadas pelo júri como genocídio,
terrorismo, latrocínio e outras, pois a morte foi apenas um meio para se
consumar outro crime, ou seja, não são tecnicamente homicídios.
Ainda que se entenda
que a cobrança ilegal não seja “subtração”, então a mesma caracteriza a
extorsão qualificada prevista no art. 158:
Art. 158 - Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou
para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou
deixar fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de
quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Se o crime é
cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de
um terço até metade.
§ 2º - Aplica-se à
extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.
Na doutrina
diferencia-se roubar como “tomar” e extorquir como “obrigar a entregar”, na
prática é difícil diferenciar um do outro, em muitos casos, exceto em alguns
casos como nas chantagens. No novo Código Penal há tendência em unificar estes
delitos (roubo e extorsão.)
Contudo, se os
autores estão exigindo o pagamento de uma dívida indevida (drogas), então
caracteriza constranger mediante violência para obter indevida vantagem
econômica.
O ideal seria que o
legislador criasse a figura penal do traficocídio (morte para cobrar dívidas de
drogas). Mas, como isto não acontece, ressalta-se que é possível classificar
como latrocínio.
Por exemplo: Um júri
gasta-se, no mínimo, um dia de julgamento, além do terror causado nos jurados,
pois não está julgando um par, mas um agressor protegido por organização
criminosa. Além disso, teve uma fase anterior no juízo singular. No latrocínio
é possível fazer de três a cinco audiências de julgamentos por dia (se incluir
manhã e tarde).
Portanto,
considerando que a dívida de droga é ilícita, trata-se de subtração ou
constrangimento através de indevida cobrança para obter vantagem econômica
indevida, e se ocorrer violência, principalmente seguida de morte, então
está caracterizado o latrocínio (art. 157, §3º, segunda parte, do CP) ou então
158, §2º, também do CP, e não homicídio, logo o caso deve ser julgado
pelo juiz singular e não pelo júri, o que agilizaria os julgamentos e
combateria a impunidade, reduzindo as mortes futuras, sendo uma eficiente
política criminal preventiva.
Autor
Promotor de Justiça
do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Público. Professor universitário.
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
MELO, André Luís
Alves de. Morte por cobrança de dívida de droga pode ser competência do juiz
singular em vez do júri. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3462, 23 dez.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23178>. Acesso em: 24 dez.
2012.
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