Residência do juiz na comarca
Nem as descobertas de facilidades na comunicação e na locomoção podem
alterar a obrigatoriedade da presença física do magistrado junto à comunidade.
A Constituição Federal, art. 93, dispõe sobre os princípios basilares a
serem observados pela magistratura. Entre esses estabelece que “o juiz titular
residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”. Essa obrigação
é assegurada pela Lei Orgânica da Magistratura, art. 35, inc. V, pela Resolução
n. 37/2007 do CNJ e pelas leis de Organização Judiciária e Resoluções dos
Tribunais.
A exigência para o juiz residir na comarca não mostra singularidade
alguma, pois o comum é que o administrador de qualquer empresa no ramo público
ou privado monte seu domicílio no local onde exercerá sua atividade.
Nem se pode invocar maior produtividade do magistrado para justificar a
fuga a esse princípio, porquanto o leque de suas atribuições não se esgota na
agilidade do andamento dos processos; trata-se apenas de um dos requisitos
enumerados para o desempenho da missão do julgador. A exigência constitucional
é norma objetiva e não se aceita os argumentos subjetivos para o não
cumprimento do preceito. A alegação de que não existe imóvel em condições
dignas ou de ter o magistrado filho menor e necessário o deslocamento diário
para levá-lo à escola ou ainda o de que precisa acompanhar a esposa,
profissional em outra área, não servem para a fixação da residência fora da comarca.
Há desvio na discussão do tema, pois o questionamento não comporta
interpretação em função de interesses subjetivos ou corporativos, mas se
alicerça na necessidade da comunidade. O horizonte situa-se na
indispensabilidade de o jurisdicionado ter em seu meio o juiz.
A Revolução da Informática com os avanços tecnológicos, a exemplo do
e-Jus, E-Proc, do PROJUDI, da penhora online, da audiência por videoconferência
não se mostram suficientes para elidir o cumprimento da exigência
constitucional de residência na comarca. Todas as descobertas de facilidades na
comunicação e na locomoção não podem interferir no sistema ao ponto de alterar
a obrigatoriedade da presença física do magistrado junto à comunidade,
disponibilizando para o cidadão comum os serviços jurisdicionais o tempo todo,
dentro do horário de funcionamento dos fóruns ou fora dele através dos plantões
judiciários.
O profissional vocacionado para a arte de julgar não cumpre sua missão
institucional caso não estabeleça seu domicílio no local onde exerce o múnus
público, porque além de violar um dos seus deveres fica impedido de
compartilhar com a comunidade seu dia a dia. A missão do magistrado não se
limita à solução de problemas urgentes pela internet, na realização de
audiências, prolação de despachos e sentenças; alarga-se muito mais para
adentrar na solução de problemas de ordem interna tal como a fiscalização e
disciplina dos servidores, função inata, porque o juiz é corregedor da comarca.
Ademais, o magistrado é sempre chamado para resolver abusos e
arbitrariedades cometidas pelas autoridades locais, recusa do plano de saúde na
prestação de assistência médica em caráter de urgência. Mas, se não bastasse
isso, é importante para o munícipe tomar ciência de que na sua cidade o Poder
Judiciário se faz presente, levando-lhe segurança na garantia da ordem pública.
O magistrado deve enxergar os bônus da atividade abraçada, mas não pode
esquecer-se do ônus que se obriga a carregar, exatamente por ser um agente
político. Quando o profissional da área jurídica busca a magistratura tem
conhecimento perfeito dos seus deveres e direitos e entre aqueles se situa a
obrigatoriedade de residir na sua sede funcional, não comportando invocação de
eventuais necessidades ou comodidades subjetivas para fugir ao dever legal.
Antes de assumir o cargo já sabe da exigência constitucional para
residir na comarca, daí porque, se vocacionado para a magistratura, deve
procurar alternativa, a exemplo de fazer o concurso para juiz federal, juiz
trabalhista, unidades existentes somente em cidades de maior porte,
diferentemente da justiça estadual presente na maioria das pequenas cidades do
interior.
O magistrado pode e, certamente, muito breve, decidirá à distância, em
julgamento virtual, mas isso não implicará na desnecessidade de fixar
residência na comarca, pois como se disse acima, sua atividade não se esgota
com as decisões, as sentenças e as audiências.
Não se concebe o Juiz, o Promotor, o Delegado, o Defensor Público, o
Prefeito, o Vereador, exercendo a função pública num local e residindo em
outro, pois a comunidade tem o desalento de não ter em seu meio as autoridades
representativas do Estado.
A função do juiz guarda semelhança com a do médico, pois tanto um quanto
outro cuida do cidadão; o primeiro trata da saúde física, enquanto o magistrado
da saúde política, social e econômica. A cirurgia, apesar de o tempo mostrar a
possibilidade de ser feita à distância, não encerra a missão do profissional da
saúde; também a atividade do magistrado não se cinge às questões inerentes ao
julgamento desta ou daquela causa, pois os jurisdicionados reclamam por
liberdade, dignidade e segurança.
Nem se pode justificar a atividade médica à distância, pois essa é
realidade da medicina do amanhã, como também é a do Judiciário, mas que ainda
não se tornou prática natural no nosso meio.
O magistrado só poderá residir fora do local onde desenvolve sua
atividade funcional em caráter excepcional e depois de apreciado o pedido de
licença pelo Tribunal de Justiça, desde que não resulte prejuízo à efetiva
prestação jurisdicional, conforme as leis. O lamentável de tudo isso é que se
torna comum a infração funcional sem merecer providência alguma dos Tribunais,
sustentada no argumento de que vale a produtividade, como se o jurisdicionado
esperasse do juiz somente os despachos, as audiências e as sentenças. Ledo
engano!
A desobediência caracteriza como infração funcional, sujeitando o
infrator a processo administrativo disciplinar.
O Tribunal de Justiça da Bahia editou a Resolução n. 03/2009, mas
somente agora as Corregedorias providenciam o banco de dados enunciado no art.
6º, para possibilitar “oportunidade de poder informar ao Tribunal Pleno sobre o
efetivo cumprimento pelo Juiz da norma constitucional”.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do Provimento n.
1546/2008, fixou regras e admite a residência fora da Comarca desde que o local
da morada não fique mais de 50 quilômetros distante da sede funcional do
magistrado.
Recentemente, o Tribunal daquela unidade federada indeferiu pedido do
juiz de Mogi das Cruzes que buscava regularizar sua residência em Campinas,
distante 74 km da comarca, onde a esposa exerce a função de psicóloga e tem um
filho de dez meses.
O Rio Grande do Sul no mesmo sentido estabeleceu regras, considerando o
deslocamento e a situação geral das vias públicas, além de fixar a distância de
30 quilômetros dentro do espaço metropolitano da capital e de 10 quilômetros no
interior para fundamento do pedido de residência fora da comarca.
O Tribunal de Justiça de Goiás editou a Resolução n. 13/2009 e baseado
nela indeferiu pedido da ASMEGO no sentido de que juízes de Anápolis, 30
quilômetros de Goiânia, pudessem residir na Capital; requerimento de revisão da
norma foi julgado improcedente pelo CNJ que não aceitou os argumentos de que a
Resolução é arcaica e violadora do princípio da razoabilidade.
A residência fora da comarca causa danos para o próprio magistrado, pois
sua segurança pessoal fica ameaçada, porque as viagens diárias expõem sua
integridade física; o cansaço de dirigir todos os dias 100 ou mais quilômetros
com o estresse do trânsito compromete seu rendimento profissional, além do mau
exemplo que oferece para os servidores que também podem querer residir em outra
comarca. Isso sem contar com a eventualidade de não poder deslocar-se nesse ou
naquele dia. Registram-se casos de juízes que dão expediente durante três dias
por semana ou semana sim e semana não. A ocorrência provocou ato da
corregedoria de uma unidade federada obrigando o juiz a marcar audiências nas
segundas e nas sextas feiras.
Os advogados reclamam com razão os prejuízos causados ao jurisdicionado
com o posicionamento de juízes que, sem autorização do Tribunal, sponte sua,
residem em cidades distantes da comarca 100 e até 400 km.
Situações como essa somente contribuem para posicionar o jurisdicionado
contra a instituição.
Autor
Antonio Pessoa Cardoso
Informações
sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
CARDOSO, Antonio Pessoa. Residência do juiz na comarca. Jus
Navigandi, Teresina, ano
17, n.
3291, 5 jul. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22149>. Acesso
em: 6 jul.
2012.
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