segunda-feira, 9 de julho de 2012

Penalistas garantistas enfrentam novos desafios

Penalistas garantistas enfrentam novos desafios


Não se entra em campo com time incompleto. Um dos ajustes que nós, penalistas garantistas e críticos, temos que fazer nas nossas práticas e discursos (não conservadores) é o seguinte: nós procuramos “combater” a política criminal puramente repressiva defendida nos últimos anos pelo populismo penal (midiático, legislativo, penitenciário etc.) com instrumentos, meios, racionalidades e discursos não inteiramente adequados. Contra as grandes transformações do Direito Penal, do processo penal e da execução penal (ocorridas nos últimos 30 anos: décadas de 80, 90 e a primeira do século XXI — veja Garland: 2005, p. 39 e ss.) nós levantamos somente as (jamais dispensáveis) bandeiras do minimalismo (mínima intervenção do Direito Penal: Baratta, Zaffaroni etc.) e do garantismo (mínima intervenção com as máximas garantias: Ferrajoli), que continuam sendo imprescindíveis para a construção do Estado democrático e proporcional de Direito, mas são insuficientes para combater as raízes dessas grandes mudanças, que residem especialmente no campo da criminologia e da política criminal
Combate com armas somente defensivas. Usando somente as “armas” (intrinsecamente) defensivas de um Direito Penal, processo penal e execução penal coerentes com o Estado democrático e proporcional de Direito, nossa chance de sucesso nessa “guerra” (contra os disparates do populismo penal) resulta bastante reduzida. Sempre tivemos facilidade para ver a ponta do “iceberg” (os efeitos nefastos da criminologia e da política criminal puramente repressivas) e dirigir nossos “canhões” contra ela (para conter a volúpia autoritária e repressiva do poder punitivo), mas não atinamos para as suas bases (estruturas e racionalidades, que constituem as suas causas).
Refinando o local da batalha. O populismo penal (que conta com claro impulso midiático)é, antes de tudo, um discurso ou movimento ou um saber criminológico e político-criminal de natureza exclusivamente repressiva (crê que a repressão, por si só, magicamente bastaria). Para fazer frente a essa realidade (irrealista), nós, os penalistas minimalistas/garantistas, nos aferramos na dogmática penal (interpretação e sistematização dos textos normativos) assim como nos princípios gerais do Direito (especialmente o penal), quando a causa de tudo acontece em outros terrenos prévios (da criminologia e da política criminal). Para “combater” a criminologia e a política criminal populista midiática, que passaram a monopolizar as respostas para o problema criminal, nós temos que nos valer também de uma criminologia (crítica, combatente) bem como de uma apropriada política criminal. O locus da batalha defensista do Estado democrático e proporcional de Direito não pode se limitar aos campos do Direito Penal, processo penal e execução penal. É preciso ir mais além, para alcançar a criminologia e a política criminal.
Criminologias “anti”. Para jogar futebol temos que por em campo um time de futebol. Para “combater” a criminologia midiática (racista, discriminatória, sectarista, seletiva e maniqueísta) temos que nos valer das criminologias anti (anti-exterminista, anti-seletiva, anti-máfias, anti-racista etc.), começando, desde logo, pela criminologia anti-exterminista, que abomina todo tipo de discurso ou prática que conduz ao extermínio de pessoas. Não se trata da única bandeira da nova criminologia crítica, mas sem sombra de dúvida é uma das principais, tal como vem defendendo Zaffaroni (2011). Todo esforço no sentido de reduzir o número de mortes apresenta-se, no horizonte brasileiro (e latino-americano), como louvável iniciativa acadêmica ou realista. Como diz o autor citado (no seu livro La palavra de los muertos), é preciso ouvir os mortos, saber o que eles têm a dizer sobre a carnificina brasileira, iniciada em 1500 com o genocídio dos índios. Desde a fundação do nosso país não vivemos um dia sequer sem o império da violência, da vingança, do medo, da discriminação e da desigualdade. Já há muito tempo esse cenário histórico, econômico, social e cultural necessita navegar por outro caminho, que dê mais atenção para a prevenção fundada na Justiça social, respeito aos direitos humanos e no garantismo, que são termômetros de civilização (contraposta à barbárie).
Política “criminal” bem-estarista. Para enfrentar a política criminal repressiva populista e midiática, no campo dos delitos clássicos (tradicionais, convencionais), temos que sustentar o seu oposto, que é uma política “criminal” que priorize a Justiça social, daí sua natureza preventiva bem-estarista ou welfarista.
Causalidade mágica. O populismo penal midiático, de outro lado, parte de alguns preconceitos e crenças infundados, sobretudo a que diz respeito à causalidade mágica (Zaffaroni), que consiste em acreditar que mais penas e mais prisões significariam mais prevenção de crimes. Canaliza-se a vingança contra alguns delinquentes (os bodes expiatórios), com a crença (ou o discurso) de que isso seria a solução para o problema da criminalidade. Considerando que nas últimas três décadas nenhum índice da criminalidade diminuiu, temos que (criticamente) colocar em xeque essa causalidade mágica.

Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2012

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