O Estado de S.Paulo
Com o pedido de vista do ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal
suspendeu o julgamento da ação que questiona a prerrogativa do Ministério
Público de realizar investigações criminais, como fazem as polícias civis e a
Polícia Federal. Quando o julgamento foi suspenso, já haviam votado 8 dos 11
ministros e o placar estava empatado. A matéria está sendo julgada com base num
recurso extraordinário que teve a repercussão geral reconhecida pela Corte.
Assim, a decisão desse processo será aplicada automaticamente a todos os casos
idênticos, em todo o País.
O caso envolve uma antiga disputa por poder entre delegados de polícia e
procuradores de Justiça. O conflito entre as duas corporações tem prejudicado a
consistência dos inquéritos policiais e das denúncias criminais dos promotores,
abrindo com isso brechas de que se valem os advogados do crime organizado para
anular provas e interpor recursos protelatórios.
Os delegados argumentam que a condução das investigações e a elaboração de
inquéritos criminais são prerrogativas exclusivas da corporação e acusam os
promotores e procuradores de Justiça de tentar "usurpar" as competências da
Polícia Judiciária. "Investigações sem nenhum regramento são afronta às
garantias individuais dos cidadãos. Quem investiga deve ser imparcial. Como o
Ministério Público é parte no processo, ele não tem como ser imparcial", diz o
delegado Bruno Titz, diretor jurídico do Sindicato dos Delegados da Polícia
Federal em São Paulo.
"Quando o Ministério Público investiga, ele realiza atividade voltada à
formação de sua opinião, uma vez que lhe compete a propositura da ação penal
pública. Ao colher elementos com o objetivo de complementar seu convencimento, o
Ministério Público pretende melhor esclarecer os fatos sob apuração, a fim de
que, de forma serena e segura, deduza em juízo sua pretensão acusatória. A
tendência mundial é a de que o órgão possa investigar, de forma responsável e
independente. A investigação é atividade que se integra à vocação institucional
do Ministério Público", afirmou o procurador-geral de Justiça de São Paulo,
Márcio Elias Rosa, no memorial de 12 páginas que encaminhou ao Supremo. Para o
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, se acatar a tese de que as
investigações criminais são "atividade privativa e exclusiva da polícia", o
Supremo "amputará" o Ministério Público e as CPIs do Legislativo e os órgãos de
cúpula do Executivo - como a Receita Federal, a Comissão de Valores Mobiliários
e o Banco Central - não poderão mais fazer investigações. Ocorre que esses
órgãos não realizam investigações criminais.
Em seu parecer, o relator do caso, ministro Cezar Peluso, criticou esse
argumento, votando favoravelmente à pretensão dos delegados. "A Constituição de
88 conferiu o poder de investigação penal à polícia. A instituição que investiga
não promove ação penal e a que promove a ação penal não investiga", afirmou
Peluso. "Não imagino procurador com estrela no peito e arma na cintura para
enfrentar criminosos na rua como se fosse policial", disse o ministro Marco
Aurélio Mello, acompanhando o voto de Peluso. Já os ministros Celso de Mello,
Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, que vieram dos quadros do Ministério Público,
discordaram do relator. Eles afirmam que a Constituição de 88 permite que as
duas instituições realizem investigações diretas e recomendaram aos delegados e
procuradores que deixem de lado as animosidades corporativas e atuem de forma
cooperativa.
Como três ministros ainda não se manifestaram e os que já votaram poderão
mudar de posição, depois da devolução do processo pelo ministro Luiz Fux, é
difícil saber como o julgamento terminará no plano jurídico. No plano
institucional, contudo, uma coisa é certa: se decidir favoravelmente à pretensão
dos promotores e procuradores de Justiça, o Supremo aumentará de tal forma as
prerrogativas da corporação, que o Ministério Público ficará acima do Executivo
e do Legislativo, comprometendo, assim, o saudável equilíbrio dos Poderes.
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