Os defeitos da lei
Segunda, 16 de Julho de 2012, 03h08
Ao sancionar sem vetos a nova Lei da Lavagem de Dinheiro (12.693/12), a presidente Dilma Rousseff perdeu a oportunidade de escoimá-la de seus dispositivos mais polêmicos e arbitrários, que violam garantias fundamentais previstas pela Constituição - como a presunção da inocência e o direito ao devido processo legal. O problema da lei não está nas suas diretrizes, sobre as quais há consenso entre os juristas, mas em equívocos em seu detalhamento. Alguns advogados, por exemplo, a criticam por inverter o ônus da prova e permitir que os suspeitos sejam punidos antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Para os criminalistas, a lei compromete o exercício da advocacia por violar o direito constitucional ao sigilo e à intimidade, na medida em que obriga os advogados a comunicar ao Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) operações financeiras de seus clientes consideradas suspeitas. Além disso, ao ampliar as prerrogativas de promotores e procuradores, a lei abre uma perigosa brecha para abusos e operações midiáticas. Por fim, ela dá aos delegados de polícia o poder de afastar servidor público durante as investigações, o que é um absurdo. "O indiciamento é ato de delegado de polícia sem controle judicial. É preocupante que alguém sem poderes jurisdicionais possa afastar servidor. Se um delegado chegar à conclusão de que a pessoa é suspeita, ela será proibida de trabalhar", diz o ex-secretário de reforma do Judiciário Pierpaolo Bottini.
A Lei da Lavagem de Dinheiro foi elaborada com o objetivo de colocar o Brasil em linha com as propostas de repressão ao crime organizado que vêm sendo apresentadas há duas décadas e meia pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi). Com 34 países-membros, o grupo foi criado pelo G-7 para propor leis penais de alcance transnacional, divulgar recomendações para a adoção de medidas administrativas - como rastreamento de movimentações financeiras suspeitas - e centralizar estatísticas sobre investigações, condenações, confiscos e valores apreendidos.
O Gafi está vinculado à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que em seu último relatório criticou o Brasil por estar atrasado na reforma do direito penal econômico e por não implementar acordos firmados com outros países e organismos multilaterais. Atualmente, o Brasil mantém 34 acordos de cooperação para troca de informação sobre lavagem de dinheiro com outros países. Desse total, contudo, 4 ainda não foram analisados pelo Congresso; 12 estão em tramitação há anos e não há previsão de que venham a ser submetidos à votação em plenário; e 9 acordos, além de estarem em descompasso com as recomendações do Gafi, não preveem troca de informações entre tribunais.
A Lei da Lavagem de Dinheiro é uma resposta às pressões internacionais. O projeto tramitou nove anos no Congresso, recebeu emendas negociadas com a equipe econômica do governo e sua votação, no primeiro semestre de 2012, foi uma das exigências feitas por Dilma aos parlamentares da base aliada. Pelas estimativas do Ministério da Fazenda, os crimes de lavagem movimentam US$ 35 bilhões por ano no País.
Entre outras inovações, a lei tipifica a lavagem como ocultação da origem de qualquer recurso financeiro ou bem patrimonial obtido de modo ilegal. Pela legislação anterior, a lavagem só configurava crime se o dinheiro envolvido viesse de uma lista de oito tipos específicos de delitos. A nova lei também prevê severas sanções para os culpados de lavagem e autoriza a Justiça a confiscar os bens dos acusados e levá-los a leilão antes do término do julgamento, para evitar que seus valores sejam depreciados, caso a tramitação da ação seja morosa.
Os dispositivos arbitrários da Lei da Lavagem de Dinheiro - que poderiam ter sido vetados pela presidente Dilma, caso tivesse contado com uma assessoria jurídica mais competente - darão ensejo a milhares de ações judiciais. A primeira a contestar a lei será a OAB, que deverá impetrar uma ação direta de inconstitucionalidade nas próximas semanas.
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