Thomas Hobbes e o Estado Leviatã: estado de natureza e a necessidade de uma única autoridade soberana
Thomas Hobbes |
Nesse ambiente
natural, em que cada um tem direito a tudo o que estiver ao seu alcance, o
egoísmo acaba por tornar o homem lobo de outro homem (homo homini
lupus). Como
todas as coisas são escassas, Hobbes enxerga uma constante guerra de todos contra
todos
(bellum omnium
contra omnes).
Ainda assim, para ele os homens têm desejo de acabar com a guerra, por terem um
interesse próprio de sobrevivência, de uma vida em paz e de uma morte não
violenta, e por isso formam sociedades uns com os outros, nascendo daí a ideia
de contrato social.
Ou seja, para
Hobbes, os homens se juntam em sociedades por pura conveniência (Ostrensky,
2008, p. 200) e não porque isso lhes seja oriundo de sua natureza. Fica
evidente, portanto, uma aversão ao pensamento aristotélico do homem como animal
social
(zoon
politikon),
que "naturalmente vive em sociedade, e só desenvolve todas as suas
potencialidades dentro do Estado" (Ribeiro, 2006, p. 57). Hobbes faz questão de
ressaltar que "os homens não são naturalmente sociáveis, muito menos políticos"
(Ostrensky, 2008, p. 195), sendo que esse mito herdado de Aristóteles e da
filosofia escolástica medieval estava impedindo as pessoas de "identificar onde
está o conflito, e de contê-lo" (Ribeiro, 2006, p. 57).
Nesse aspecto,
Hobbes é
considerado um realista, por se preocupar mais com a análise concreta da
realidade do que com os conceitos prévios e a formulação de idealismos. Antes
dele, o mais famoso realista fora o italiano Maquiavel (1469-1527), que
inclusive é considerado fundador da moderna Ciência Política porque na frieza de
seus raciocínios desenvolveu um "realismo liberticida e cínico" (Bonavides,
2008, p. 34), falando do Estado como ele realmente era e não como se pensava que
deveria ser (Wikipédia, verbete "Nicolau_Maquiavel").
Com Hobbes não foi diferente, pois ele dava exemplos
concretos do estado de guerra em que os homens viviam. Perguntava quem "quando
empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir
fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres" (Leviatã,
cap. XIII, apud
Ribeiro, 2006,
p. 57).
Capa da edição original de Leviatã (1651) |
De acordo com
Hobbes, a sociedade formada pelos homens necessita de uma pessoa com autoridade,
à qual todos os seus membros devem render o suficiente da sua liberdade natural.
Isso porque, "Para evitar a destruição total, para sobreviver, os homens teriam
feito um pacto, um acordo através do qual um deles passaria a
governar
evitando a desordem e a matança indiscriminada entre eles" (Castro, 2008, p.
201; grifo nosso).
Assim, como o poder
do rei seria resultado desse pacto social, a lei elaborada pelo monarca deveria
ser sempre obedecida por todos, pois a vontade do rei constitui a
vontade de todos (Castro, 2008, p. 201). A transmissão de poder ao
soberano era total e os atos deste sequer poderiam ser questionados, haja vista
que "não há
abuso quando o poder é ilimitado" (Aranha e Martins, 2003, p. 239; grifo
nosso).
A outorga de poder
era tamanha que se chegava a dizer que o soberano não poderia ser destituído,
punido ou morto (Aranha e Martins, 2003, p. 239). Como tinha o direito e a
autoridade para exigir obediência por parte de todos (Ostrensky, 2008, p. 198),
o soberano passava consequentemente a garantir harmonia, paz interna e segurança dentro do
Estado Nacional, algo que antes só era possível às pessoas que vivessem
sob a autoridade de algum senhor feudal. Para receber proteção no sistema
absolutista, o homem promovia a "alienação de todas as liberdades, trasladadas
ao Estado, senhor absoluto da vida e dos comportamentos
humanos"
(Bonavides, 2008, p. 37; grifo nosso).
Crocodilo de mais de 6 metros |
Embora o Leviatã
pareça ser um animal muito amedrontador, Aranha e Martins explicam que ele "de
certa forma defende os peixes menores de serem engolidos pelos mais
fortes" (2003,
p. 239; grifo nosso) e por isso se torna uma figura bem representativa do
Estado: "um gigante cuja carne é a mesma de todos os que a ele delegaram o
cuidado de os defender" (2003, p. 239).
Finalmente, convém
registrar que, para Aranha e Martins, não é correto dizer que Hobbes era
defensor de um absolutismo real (2003, p. 239), pois para ele a autoridade
soberana tanto poderia ser exercida por uma pessoa, caso em que se teria
uma
monarquia,
como poderia também ser exercida por um assembleia, a qual, se fosse composta
por todos, configuraria uma democracia. Tanto que no capítulo XVII de Leviatã, ao tratar
do pacto feito entre os homens, Hobbes fala de transferência de direito de
governo "a este homem, ou a esta assembleia de homens" (apud Ribeiro, 2006, p.
62).
NOTA: Este
texto fez parte de monografia de disciplina do doutorado em Ciencias Juridicas y
Sociales da
Universidad del Museo Social Argentino, em Buenos Aires. Publicado no
blog em março de 2010. Revisão ortográfica em abril de 2012. Reprodução
autorizada, desde que citada a fonte.
Obras citadas
no texto:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2003.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2003.
BONAVIDES, Paulo.
Teoria do Estado. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros,
2008.
CASTRO, Flávia Lages
de. História do Direito Geral e Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008.
OSTRENSKY, Eunice.
Hobbes. In: PECORARO, Rossano (org.). Os filósofos: clássicos da
filosofia, v. I de Sócrates a Rousseau. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de
Janeiro: PUC-Rio, 2008.
RIBEIRO, Renato
Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco Correa
(org.). Os clássicos da política, v. 1. 14. ed. São Paulo: Ática,
2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário