quarta-feira, 18 de julho de 2012

O homem é lobo do homem - Thomas Hobbes

Thomas Hobbes e o Estado Leviatã: estado de natureza e a necessidade de uma única autoridade soberana




Thomas Hobbes
Ao escrever a obra Leviatã, o teórico e filósofo político inglês Thomas Hobbes (1588-1679) traçou os seus pontos de vista sobre a nefasta natureza humana e a necessidade de governos e sociedades. Para ele, o homem que vivia em estado natural até reconhecia que alguns eram mais fortes ou mais inteligentes que outros, mas nenhum deles se erguia acima dos demais para governar. Cada um preferia apenas viver se protegendo do mal que poderia vir a ser causado por outrem.

Nesse ambiente natural, em que cada um tem direito a tudo o que estiver ao seu alcance, o egoísmo acaba por tornar o homem lobo de outro homem (homo homini lupus). Como todas as coisas são escassas, Hobbes enxerga uma constante guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes). Ainda assim, para ele os homens têm desejo de acabar com a guerra, por terem um interesse próprio de sobrevivência, de uma vida em paz e de uma morte não violenta, e por isso formam sociedades uns com os outros, nascendo daí a ideia de contrato social.

Ou seja, para Hobbes, os homens se juntam em sociedades por pura conveniência (Ostrensky, 2008, p. 200) e não porque isso lhes seja oriundo de sua natureza. Fica evidente, portanto, uma aversão ao pensamento aristotélico do homem como animal social (zoon politikon), que "naturalmente vive em sociedade, e só desenvolve todas as suas potencialidades dentro do Estado" (Ribeiro, 2006, p. 57). Hobbes faz questão de ressaltar que "os homens não são naturalmente sociáveis, muito menos políticos" (Ostrensky, 2008, p. 195), sendo que esse mito herdado de Aristóteles e da filosofia escolástica medieval estava impedindo as pessoas de "identificar onde está o conflito, e de contê-lo" (Ribeiro, 2006, p. 57).

Nesse aspecto, Hobbes é considerado um realista, por se preocupar mais com a análise concreta da realidade do que com os conceitos prévios e a formulação de idealismos. Antes dele, o mais famoso realista fora o italiano Maquiavel (1469-1527), que inclusive é considerado fundador da moderna Ciência Política porque na frieza de seus raciocínios desenvolveu um "realismo liberticida e cínico" (Bonavides, 2008, p. 34), falando do Estado como ele realmente era e não como se pensava que deveria ser (Wikipédia, verbete "Nicolau_Maquiavel").


Capa da edição original de Leviatã (1651)
Com Hobbes não foi diferente, pois ele dava exemplos concretos do estado de guerra em que os homens viviam. Perguntava quem "quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres" (Leviatã, cap. XIII, apud Ribeiro, 2006, p. 57).

De acordo com Hobbes, a sociedade formada pelos homens necessita de uma pessoa com autoridade, à qual todos os seus membros devem render o suficiente da sua liberdade natural. Isso porque, "Para evitar a destruição total, para sobreviver, os homens teriam feito um pacto, um acordo através do qual um deles passaria a governar evitando a desordem e a matança indiscriminada entre eles" (Castro, 2008, p. 201; grifo nosso).

Assim, como o poder do rei seria resultado desse pacto social, a lei elaborada pelo monarca deveria ser sempre obedecida por todos, pois a vontade do rei constitui a vontade de todos (Castro, 2008, p. 201). A transmissão de poder ao soberano era total e os atos deste sequer poderiam ser questionados, haja vista que "não há abuso quando o poder é ilimitado" (Aranha e Martins, 2003, p. 239; grifo nosso).

A outorga de poder era tamanha que se chegava a dizer que o soberano não poderia ser destituído, punido ou morto (Aranha e Martins, 2003, p. 239). Como tinha o direito e a autoridade para exigir obediência por parte de todos (Ostrensky, 2008, p. 198), o soberano passava consequentemente a garantir harmonia, paz interna e segurança dentro do Estado Nacional, algo que antes só era possível às pessoas que vivessem sob a autoridade de algum senhor feudal. Para receber proteção no sistema absolutista, o homem promovia a "alienação de todas as liberdades, trasladadas ao Estado, senhor absoluto da vida e dos comportamentos humanos" (Bonavides, 2008, p. 37; grifo nosso).

Crocodilo de mais de 6 metros
A esse soberano, dotado de autoridade inquestionável, Hobbes deu o nome de Leviatã, fazendo alusão a um monstro descrito no capítulo 41 do livro de Jó, no Antigo Testamento, sendo que algumas traduções bíblicas modernas trazem o nome "crocodilo". Acerca desse "monstro", em Jó 41 está escrito, por exemplo: "Ninguém é bastante ousado para provocá-lo" (v. 10); "O seu coração é firme como uma pedra" (v. 24); "Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada" (v. 33; grifo nosso); "Ele olha com desprezo tudo o que é alto; é rei sobre todos os animais orgulhosos" (v. 34; grifo nosso).

Embora o Leviatã pareça ser um animal muito amedrontador, Aranha e Martins explicam que ele "de certa forma defende os peixes menores de serem engolidos pelos mais fortes" (2003, p. 239; grifo nosso) e por isso se torna uma figura bem representativa do Estado: "um gigante cuja carne é a mesma de todos os que a ele delegaram o cuidado de os defender" (2003, p. 239).

Finalmente, convém registrar que, para Aranha e Martins, não é correto dizer que Hobbes era defensor de um absolutismo real (2003, p. 239), pois para ele a autoridade soberana tanto poderia ser exercida por uma pessoa, caso em que se teria uma monarquia, como poderia também ser exercida por um assembleia, a qual, se fosse composta por todos, configuraria uma democracia. Tanto que no capítulo XVII de Leviatã, ao tratar do pacto feito entre os homens, Hobbes fala de transferência de direito de governo "a este homem, ou a esta assembleia de homens" (apud Ribeiro, 2006, p. 62).

NOTA: Este texto fez parte de monografia de disciplina do doutorado em Ciencias Juridicas y Sociales da Universidad del Museo Social Argentino, em Buenos Aires. Publicado no blog em março de 2010. Revisão ortográfica em abril de 2012. Reprodução autorizada, desde que citada a fonte.

Obras citadas no texto:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008.
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
OSTRENSKY, Eunice. Hobbes. In: PECORARO, Rossano (org.). Os filósofos: clássicos da filosofia, v. I de Sócrates a Rousseau. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2008.
RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco Correa (org.). Os clássicos da política, v. 1. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.

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