Elimina-se a pobreza
exterminando o pobre (?)
Deveríamos colocar fé
no primado da política social democrata, em detrimento do mercado capitalista
excludente atual ou dos modelos capitalistas tradicionalmente exploradores
escravagistas.
Menos justiça penal e
mais justiça social. Quanto mais gente incluída e desde que sejam controlados os crimes
organizados, menos atos desviados dos excluídos, menos insegurança coletiva
etc. A conclusão é a de que deveríamos colocar fé no primado da política social
democrata, em detrimento do mercado capitalista excludente atual (Pavarini:
2009, p. 226) ou dos modelos capitalistas tradicionalmente exploradores
escravagistas (como é caso do Brasil).
Brasil e o
capitalismo escravagista. O Brasil, sobretudo desde que juridicamente nasceu
(1822), nunca experimentou outro modelo de capitalismo que não fosse o
escravagista, isto é, nunca deixou de adotar a política da exploração de grande
parte da mão de obra disponível (o mais longo período de toda história da escravatura
aconteceu aqui e não foi por acaso). Em nossa pátria nunca se viu uma espécie
de capitalismo coligado com o Estado social e democrático de direito, logo, por
aqui jamais se desenvolveu qualquer modelo de política criminal que não tivesse
cunho preponderantemente (ou exclusivamente) “penal” (repressivo). O populismo
penal não foge dessa matriz retributiva, seletiva e exterminadora.
Ausência da cultura
do controle social. Uma verdadeira e própria “cultura social” jamais colocou
seus pés nas terras brasileiras. Nosso controle social sempre teve o caráter
penal e, mais que isso, sempre foi racista, etnicista, sexista, desigual,
machista, discriminatório e militarista (autoritário). Não se pode ver outra
coisa, por exemplo, no anúncio feito (em junho de 2012) pela Secretaria
Municipal de São Paulo (de Segurança Urbana) de que iria punir civil e
criminalmente as entidades sociais (são 48 ONGs) que prestam assistência ou
oferecem “sopão” às pessoas em situação de rua, caso elas não concordassem em
fazer o trabalho somente nas tendas da prefeitura. O jeito de acabar com a
pobreza consiste em eliminar os pobres. Não é por outra razão que o Ministério
Público ingressou com ação pedindo R$ 20 milhões de indenização contra a
Prefeitura de São Paulo em virtude da violência empregada pela Guarda Civil
Municipal contra os moradores de rua: 52,8% deles dizem que já foram vítimas de
violência, por agentes públicos ou não (O Estado de S. Paulo de 07.07.12, p.
C7). Agressões, desinteresse no encaminhando das pessoas, atribuição da guarda
civil para cuidar dos moradores de rua, dentre outros, são os argumentos da
ação, que sublinha não o trabalho de assistência social, sim, de “higienização”
da Guarda Municipal. Nesse contexto, não constitui uma circunstância casual e inusitada
a estapafúrdia intervenção repressivo-militar do poder público nos territórios
“tomados” pelos excluídos (cracolândia em São Paulo, em 2011, por exemplo).
Discriminação,
desigualdade e violência. A desigualdade e a discriminação acachapantes não
afetam somente o aspecto econômico e social, sim, também a alma das pessoas
(como demonstraram pesquisas científicas, com base em uma infinidade de dados).
A desigualdade afeta a psique humana, criando ansiedades, desconfiança e uma
série de enfermidades físicas e mentais. A base é que os seres humanos são
animais sociais que sofrem muito com as desigualdades excessivamente gigantes.
A irracionalidade da discriminação étnica, social e econômica no Brasil chega a
ponto (nos mais radicais) de não considerar os integrantes das camadas de baixo
como humanos plenos. Seriam semi-humanos ou sub-humanos, com distinta
capacidade para sentir a dor (tal como os animais).
A dor não seria a
mesma.“Os de ascendência europeia, geralmente, não aceitavam que a dor sentida
por eles próprios fosse igualmente tão intensa e sofrida quando sentida pelos
africanos” (cf. Luís Mir, Guerra civil). Este autor conclui: “Os seres humanos
possuem aptidões mentais que os levarão, em certas circunstâncias, a sofrer
mais do que os animais nas mesmas circunstâncias. Enquanto não aceitarmos que o
modelo escravagista foi um processo de animalização do nosso semelhante, não
distinguiremos entre uma chicotada num escravo e num cavalo”.
Desigualdade e
crimes.A realidade brasileira está marcada pela segregação e discriminação de
vários grupos étnicos, sociais e econômicos. A desigualdade entre nós é brutal.
Ela não é o único fator, mas com certeza anda contribuindo muito para o aumento
dos crimes, uso de drogas, aumento de adolescentes grávidas, doenças cardíacas,
doenças mentais, mortalidade infantil, obesidade, evasão escolar, aumento dos
homicídios, dos policiais, das prisões etc.As desigualdades, os preconceitos e
as discriminações fazem muito mal para os brasileiros assim como para o nosso
país. Enquanto não reconhecermos isso com toda determinação, só nos resta
(desgraçadamente) colher todos os funestos frutos da nossa violência: 52 mil
assassinatos por ano, 43 mil mortes no trânsito, uma mulher agredida a cada 15
segundos, 514 mil presos em situação deplorável etc.
Autor
Diretor geral dos cursos de Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor
em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri
(2001). Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo USP (1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários
cursos de Pós-Graduação no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de
Derecho de la Universidad Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário
da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru.
Promotor de Justiça em São Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo
(1983-1998). Advogado (1999-2001). Individual expert observer do X Congresso da
ONU, em Viena (2000). Membro e Consultor da Delegação brasileira no 10º Período
de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena
(2001).
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
GOMES, Luiz Flávio.
Elimina-se a pobreza exterminando o pobre (?). Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3299, 13 jul.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22204>. Acesso em: 13 jul.
2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário