sexta-feira, 13 de julho de 2012

“NÃO SOMOS CARRUAGEM, NEM COCHEIROS”

“NÃO SOMOS CARRUAGEM, NEM COCHEIROS”
                                   (Alusão figurada à Lei de Acesso à Informação



                                              Desde tempos imemoriais, mesmo quando a sociedade não dispunha dos instrumentos e organização política de hoje, ainda que governada e/ou rudimentarmente orientada por uma espécie de sacerdotes ou conselho de anciãos, que o homem busca e defende obstinadamente a liberdade, fruto de um sentimento inconsciente e inato, enquanto, não obstante, animal racional.

                                        A liberdade, direito universal inalienável, protegido juridicamente pelo Estado, além da própria vida, é o segundo bem mais precioso da humanidade, como corolário do estado democrático de direito, contudo, há que ser devida e diariamente aperfeiçoado e, ao mesmo tempo, monitorado, vez que o “excesso” de liberdade deixa de ser direito para se tornar arbítrio e seu próprio opositor e carrasco, passando perigosamente a arranhar os limites fronteiriços da balbúrdia, do desrespeito às instituições e às próprias pessoas, impondo insegurança à sociedade, por isso, diz-se que, democracia, entre tantos conceitos é também a “convivência pacífica e harmoniosa entre contrários”, valendo dizer que todos podem conviver pacífica e harmoniosamente, ainda que expressem pontos de vista contrários e comunguem ideologias distintas, sem choques e/ou conflitos, sempre primando pelo respeito recíproco ao direito uns dos outros, senão, a consequência, certamente, seria o caos social.

                                        Por outro lado, não se pode olvidar que o exercício da democracia deve ser diário e constante, considerando nunca poder ser totalmente consolidado, vez que seu aprimoramento e perfeição, não obstante, se busquem no dia-a-dia, ao longo dos meses, anos, séculos e até milênios, não serão plenamente alcançados, porque, do contrário, entrar-se-ia num processo irreversível de estagnação, acomodação e conformismo com o progresso da humanidade, em todos os sentidos, seriamente ameaçado e comprometido e o dinamismo da vida em sociedade, com seus costumes, conceitos e valores, em constante evolução, como ficaria?

De igual sorte, democracia sem lei é arbítrio e o desrespeito a ela é incompatível com os princípios democráticos, por isso, diz-se por aí, “quanto maior a liberdade, maior a vigilância sobre ela” e, essa vigilância advém, exatamente, do principal mecanismo de controle social que é a LEI.

Após tais considerações, passo ao fim específico deste modesto artigo consubstanciado em alguns comentários sobre a recente Lei nº  12.527/2011, de 18-11-2011, mais conhecida com Lei de Acesso à Informação, a qual, após “vacatio legis”  de seis (06) meses, entrou em vigor em 18 de maio de 2012, cujo advento introduziu marco histórico na vida funcional brasileira, pelo menos na comunidade dos servidores públicos de todos os níveis de governo e administração (federal, estadual, municipal e dos três poderes da república), deixando-os intranquilos, perplexos e em verdadeira polvorosa, com os ânimos em ebulição  -   também pudera  -  não era pra menos  - parece mais um novo período de caça às bruxas com endereço certo e determinado, tornando-os a bola da vez.

Essa lei, verdadeiro ponto de partida do desassossego na vida do segmento funcional do brasileiro servidor público, é inoportuna e vem, indevidamente, devassando-lhe a intimidade e privacidade, como “coqueluche” do momento; seus preceitos estão sendo aplicados indiscriminadamente, vez que seu espectro não tem o alcance e a dimensão que se quer atribuir-lhe, inclusive, com desvio de finalidade, sufocando-lhe a paz e tranquilidade, cujos efeitos não atingem somente a ele de forma ostensiva, mas sim também, sua família por extensão, sem mencionar o aspecto segurança, pessoal e familiar.

Filosoficamente, os objetivos desse novel e questionável diploma legal, visam combater  -  pelo caminho da transparência, o pernicioso estado intolerável de corrupção em todos os níveis de governo em que está mergulhada a nação brasileira, corroendo impiedosamente suas instituições públicas, além do mais, não é atacando pessoas indefesas (funcionários públicos), que se porá fim a essa erva daninha, mesmo porque não é em seus contracheques/holerites que ela se instala, aparece, opera ou se esconde e sim nos bastidores dos gabinetes, nos banheiros, nos “interiores” de cuecas, dentro de meias, etc, conforme registros recentes da mídia contemporânea, portanto, o foco deveria ser outro.

Não se pode romper o silêncio do passado com gritos extemporâneos no presente  -  passado é passado  -  presente é presente  -   se no passado o silêncio da sociedade era a tônica imposta pelo regime de exceção, o grito de liberdade garantido pelo atual estado democrático de direito é uma conquista de todos, inclusive dos atuais funcionários públicos, infelizes destinatários desse tormentoso e frenético momento de acesso à informação, os quais sufocaram também anos e anos de silêncio e não apenas alguns (os outros) e, se alguém agora “grita”, esse “grito” não pode ser dirigido a eles, de um modo geral, foram tão vítimas quanto os outros e, mais uma vez  -  agora.

A lei em si, não trata especificamente do livre acesso, pelo portal da transparência, ao conhecimento dos salários dos servidores públicos, trata do livre acesso à informação dos gastos do setor público em geral, entretanto, o decreto federal que a regulamentou é que estendeu indevida e ilegalmente o alcance de seus preceitos, para incluir nesse maldito “acesso” informações sobre salários pagos ao funcionalismo e, por conta disso, vê-se agora nesse turbilhão passional, irracional e inconsequente, como “bode expiatório” mais uma vez o indefeso servidor público, sujeito às injunções governamentais, de acordo com o humor do momento.

Antes que a palavra “indefeso” -  algumas vezes mencionada neste artigo - referente ao atual estado do servidor público, dê margem à interpretação diversa, justifico-a com as seguintes considerações  -  de todos os trabalhadores de maneira geral, setor público e privado, sempre se ouvem comentários desairosos, até mesmo desonrosos e injustos sobre o servidor público  -  “que ganha muito e não trabalha; que trabalha pouco e ganha muito; que não faz nada e só tem regalias” e outros do gênero. Pois bem, os defensores e adeptos desses “conceitos” se esquecem que o servidor público é o principal responsável pelo funcionamento da máquina da administração pública e pelo atendimento ao público, sem ele tudo pára, tudo paralisa, sem ele não funcionariam a saúde publica, a educação pública, a segurança pública (executivo), o judiciário, o legislativo, etc. Agora, nem mesmo, contando com o apoio maciço e intransigente de suas entidades de classes, tais como Sindicatos, Centrais Sindicais, Associações e Confederações, pode se defender desse avassalador furor famélico por informações, fruto do excesso de liberdade “conferido” pelo malsinado decreto regulamentador, acrescentando “faculdades” e “direitos” não contemplados pelos preceitos do diploma regulamentado e, mais uma vez – digo -  indefeso -  porque a última instância, seria o Poder Judiciário, onde as batalhas judiciais estão só começando, no entanto, pouco pode fazer esse Poder, vez que a determinação é “considerada legal”  -  disse  legal  - não moral  ele mesmo, inclusive, está sendo obrigado a disponibilizar informações sobre a tabela de seus próprios   vencimentos e as poucas liminares até agora concedidas, barrando o acesso às informações, são logo cassadas no dia seguinte, isso mostra claramente o desenrolar de uma novela nova que está só começando, cujos primeiros capítulos, não passam de meros ensaios e que outros virão com mais força e coercitividade, demonstrando que não há unanimidade entre os magistrados, mesmo considerando-os também “vítimas” dessa mesma devassa que vilipendia, avilta e devasta o mínimo de dignidade que resta ao servidor público  -  se é que ainda lhe resta alguma, depois de tudo isso  -  com o advento desse novel diploma legal  -  verdadeira humilhação.

Ademais, a velha máxima que diz   -  “sou eu que pago o seu salário”, referindo-se o cidadão comum à sociedade a que pertence, numa clara alusão aos impostos dela arrecadados e que custeiam a administração pública, para se “chegar” ao salário do servidor público, como direito de acesso à informação, não pode ser interpretada de maneira absoluta, do contrário, o conceito do servidor público beiraria à condição humilhante e injusta de mero “parasito” público, como se nada fizesse para justificar seu salário, cuja referida máxima, mesmo interpretada de forma relativa, ainda assim não lhe faria justiça, considerando que o servidor público, antes de tudo, é também cidadão como os outros e não é isento de nenhum imposto ou tributo, principalmente do imposto de renda que lhe consome de 15 a 27,5 % de alíquota mensal de seu salário, dependendo da categoria a que pertença e da posição funcional que ocupe e, sua forma de arrecadação não permite qualquer modo de sonegação, pois é descontado diretamente na fonte e os outros impostos como, IPTU, IPVA, ICMS, ITBI e etc, ele também os paga, talvez pague mais impostos do que o cidadão comum, por que a “porta” da sonegação, “aberta” às pessoas, físicas e jurídicas, nunca se lhe “abre” pela rigidez e segurança do sistema.

Somando-se o desconto para a previdência social de 11% com o do imposto de renda mencionado no parágrafo anterior, com a alíquota de 27,5%, o desconto total passa para 38,5% do salário do servidor público, próximo, dessa feita, a 50%, sendo assim, não procede a máxima acima, considerando que ele mesmo se paga o próprio salário até o limite 38,5%, isso, ninguém vê, analisa ou reconhece  -  que injustiça. Pela voracidade por essas informações, parece até que os salários dos servidores públicos, não são pagos como forma de retribuição pelos serviços prestados à população/sociedade e sim, a título de mero favor estatal.

A continuar essa verdadeira aberração “legal”, com a vulnerabilidade dos servidores, exposta a todo momento, se não houver uma reação à altura, também legal, via judicial ou legislativa, daqui a pouco, estaremos assistindo algo mais grave ainda, como, qual a religião; para que time torce; em qual escola os filhos estudam; qual a marca do carro, quanto custou, se foi à vista ou não; qual a bandeira dos cartões de crédito e assim por diante.

Nesse mesmo sentido, o que se deve observar e que não é observado é que a verba alimentar, paga aos servidores públicos, proveniente dos inúmeros impostos e tributos arrecadados é rigorosamente fiscalizada e monitorada pelos órgãos de controle e fiscalização do Estado, não havendo a mínima possibilidade de desvios ou corrupção, seria inominável idiotice pensar ou supor-se o contrário e, se seu salário é considerado alto ou elevado pela sociedade, a culpa não pode ser a ele atribuída e sim, à lei que o instituíra – quer atacar  - que ataque então, a lei pelos mecanismos legais disponíveis, lembrando que a Constituição Federal proíbe a redutibilidade de salários.

Como dito linhas volvidas, os objetivos de transparência dos gastos públicos com investimentos e custeio com pessoal, de maneira genérica quanto a este, não inclui a identificação de pessoas e seus dados e isso viola a Constituição Federal, entretanto, até agora, ninguém questionou a constitucionalidade dessa lei. A dignidade não pode ser vista, nem considerada, apenas como um valor isolado, vez que a ela, somam-se outros, como, cidadania, posição social, conceito perante os outros, bens, posse, propriedade e etc, tudo isso compõe um conjunto axiológico intimamente ligado à personalidade como sua própria projeção, pelo menos, essa é posição doutrinária dominante entre civilistas dedicados ao estudo da posse e da propriedade em relação à personalidade. Se assim é, o salário do servidor público é o fato gerador desses valores, os quais, com o tempo incorporam-se a sua personalidade e sedimentam-na, cuja intimidade e privacidade, como valores a ela intrínsecos, continuam a merecer a proteção da lei e não podem ser violadas de forma alguma, muito menos, acintosa e sem critério, como vêm sendo interpretados os preceitos legais “autorizadores” dessa descabida e humilhante devassa.

Essa famigerada “fome” por informação, antes de servir ao interesse público, serve mais ao sadismo coletivo de plantão, que se rejubila e se vangloria em tomar “posse” do que, até então, não lhe  “pertencia”, que é a vida íntima e privada de cidadãos honrados responsáveis pelo funcionamento da imensa máquina pública em todos os níveis de governo por este País afora, expondo-os, agora, a riscos de toda a ordem, inclusive, de vida, bem como de suas famílias, transformando-os em alvos fáceis e potenciais para meliantes e marginais, justamente, pela importância funcional das funções ocupadas, consectários diretos da projeção adquirida, consoante já mencionado. Essa lei, além de tudo de ruim e negativo que já se sabe sobre ela em termos de valores pessoais e sociais, introduziu novo conceito sobre regra e exceção  -  invertendo completamente conceitos e valores  -  o que, até então, era regra, virou exceção e o que era exceção, virou regra, devendo observar que “quase nada é exceção, somente regra – em outras palavras, o sigilo que era regra ontem, hoje é exceçãoolha aí, mais uma vez o perigo do excesso de liberdade por informação.

Interessante  -  há jogadores de futebol e artistas de televisão ganhando milhões de reais por mês, fora os patrocínios e ninguém fala nada, acha tudo normal, esquecendo-se que esses “milionários” são também bancados pela mesma sociedade que agora aponta sua espada contra o servidor público, quando vai aos estádios e paga até R$ 200,00 (duzentos reais ou mais) por um ingresso ou compra os produtos das empresas patrocinadoras; no caso dos artistas de TV, quando assiste a uma peça de teatro ou uma apresentação encenadas por eles, cujos ingressos, variam, segundo anúncios e noticiários, em até R$ 700,00  (setecentos reais); será que nada reclama por ser, no caso dos servidores, o “pagamento” obrigatório via impostos e no caso dos espetáculos, o “pagamento” voluntário e opcional? Com a resposta a própria sociedade e os leitores deste modesto artigo, aos quais, desde já, agradeço.

Se é certo que tudo na vida tem um propósito, qual então seria o do sadismo de plantão  -   ficou sabendo quanto ganha fulano, beltrano e sicrano? E agora, vai fazer o que? Nada  -  deveria ser a resposta, só para saber mesmo? Isso tem nome  -  SADISMO SOCIAL.  Mas não parará por aí. E as consequências para o servidor e sua família, com a privacidade e intimidade violadas, como ficam?  Os servidores estão se sentindo órfãos de tudo, até da prestação jurisdicional, considerando que o próprio Poder Judiciário se acha também de mãos atadas sob o jugo da própria Lei de Acesso à Informação. O que podemos fazer?  Só uma coisa, continuar apelando para o Judiciário, como pretende o nosso SINDEPO, mesmo que sirva apenas como paliativo temporário, pelo menos, mostra a firme disposição de luta até que uma solução legal, de origem legislativa, sobrevenha e ponha fim a esse famigerado estado de coisa que só traz e semeia mal-estar generalizado ao segmento dos servidores públicos.

Quando atribuí a este artigo o título “NÃO SOMOS CARRUAGEM, NEM COCHEIROS”, quis dizer exatamente que, quando os cães correm atrás da carruagem e ela pára, os mesmos não sabem o que fazer e , ainda que a mordam, nenhum efeito surtirá, por ser um objeto sem vida e o cocheiro  -  seu condutor  -   por estar lá em cima fica protegido do ataque, como também os animais de sua tração, porque o alvo maior é o que chama a atenção, no caso, a CARRUAGEM. Por isso, como também servidor público que sou e sujeito aos mesmos preceitos legais, queixo-me da falta de proteção aos servidores, enquanto aquele veículo antigo, exótico e até charmoso, alvo de constantes ataques gratuitos por onde trafega, nunca chega a ser atingido, nós, ao contrário, estamos sendo constantemente atacados com sucesso em todas as frentes e de todas as formas e  meios e nem sempre podemos nos defender, como no caso presente., ante as vicissitudes anunciadas; se na metáfora acima, a busca dos cães, que é o ataque, não se consuma, já, no caso dos servidores públicos, os objetivos buscados sempre se consumam, com as informações prestadas via acesso virtual.

A continuar as coisas como estão, em pouco tempo assistiremos a movimentos de greve e paralisações no serviço público por razões inusitadas, cuja pauta não será mais por melhorias das condições de trabalho, nem por melhor remuneração e sim, por respeito e proteção à privacidade e à intimidade e, por conseguinte, pela total proibição de acesso à informação funcional, todavia, como a esperança em dias melhores são os olhos e ouvidos voltados para o futuro, há em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de Decreto Legislativo que impede a divulgação dos salários dos servidores públicos, sob a alegação de “que a presidente Dilma Rousseff foi além das suas funções ao determinar a divulgação de uma exigência da lei que ainda não foi regulamentada”, segundo matéria publicada no Jornal Metrobrasil, edição de 04 de julho de 2012, página 03.

Assim, como a esperança é a última que morre, além das tentativas via Judiciário, resta-nos apenas esperar e torcer para que esse decreto legislativo seja logo votado, aprovado e publicado e, o principal  -  que entre em vigor imediatamente após sua publicação, sem mais um “vacatio legis” e  que possamos voltar a viver em paz.

Lázaro M. de Alcântara
                 Delegado de Polícia Aposentado da PCDF e Advogado.

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