Ministro Luiz Fux e o juiz sem rosto
Em artigo publicado no O Globo (22.06.12, p. 7) o
Ministro Fux defendeu uma campanha pela vida digna da sociedade, que
deve ser levada a cabo “por aqueles que almejam erradicar a marginalização para
o bem de todos, ainda que para alcançarem esse desígnio sejam ‘homens sem
rosto’”. De acordo com sua opinião, deve-se colocar o juiz sem rosto “diante da
criminalidade, tal qual um agente desconhecido e infiltrado capaz de vencer esse
flagelo por que passa a sociedade brasileira”. Menciona em favor da tese a
Convenção de Palermo, o II Pacto Republicano, a Resolução n. 3 do CNJ, a lei
processual espanhola, a experiência exitosa (sic) da França e da
Colômbia etc.
O Ministro confundiu o juízo colegiado com o juiz
sem rosto, fazendo uma ardorosa defesa deste último (mas dando a impressão de
que defende, na verdade, o primeiro). Conhecendo bem a história de sucesso do
Ministro Fux (como conhecemos), desde a perspectiva da criminologia crítica
alternativa, que se contrapõe a todos aqueles que querem, em pleno século XXI,
depois do holocausto, do nazismo e dos fascismos, fazer Justiça criminal sem
respeito às garantias constitucionais e internacionais, sem observância dos
direitos humanos e sem a perspectiva da Justiça social (tal como sustenta van
Swaaningen: 2011), ficamos numa torcida incrível para que existam, no seu
artigo, apenas ideias confusas.
Ficaríamos muito entristecidos se fosse o
contrário, ou seja, se ele efetivamente defendera a validade de uma instituição
falida que é ultrarreacionária, uma aberração dos tempos da Inquisição, um
retrocesso sem precedentes, uma ideia fora do seu tempo, uma violação à cultura
Ocidental, um desvio na linha civilizatória evolutiva da humanidade, um
descompasso com a modernidade, para além de constituir um deslize deplorável da
pós-modernidade.
Que tenha havido apenas um equívoco no artigo do
Ministro Fux, até porque, no julgamento da ADIn 4.414 (da qual ele fora
relator), nada se decidiu sobre o juiz sem rosto, sim, sobre o juízo colegiado.
A ideia do juiz sem rosto é retrógada, inconstitucional e ultrapassada. O II
Pacto Republicano (invocado no seu artigo) não fala em juiz sem rosto, sim, na
“criação de colegiado para julgamento em primeiro grau nos casos de crimes de
organizações criminosas, visando a trazer garantias adicionais aos magistrados,
em razão da periculosidade das organizações e de seus membros”. Juízo colegiado,
como se vê, não se confunde com juiz sem rosto. A mesma coisa deve ser dita em
relação à Resolução 3 do CNJ, que estimula a criação do juízo colegiado (não do
juiz sem rosto).
Em seu arrazoado o Ministro Fux também invocou o
art. 282 do Código de Processo Penal espanhol, mas ocorre que ele prevê a figura
do policial investigador com identidade suposta, não o juiz sem rosto, que
representaria um retrocesso sem precedentes.
De uma crítica e de um retrocesso medieval a nova
lei de proteção dos juízes e promotores (12.694) se livrou: ela não criou o
chamado juiz sem rosto, o que representaria um retrocesso inaceitável. Impõe-se
rapidamente desfazer o equívoco. A lei nova não instituiu no Brasil o chamado
“juiz sem rosto”, que se caracteriza por não revelar sua identidade civil. Juiz
sem rosto é o juiz cujo nome não é divulgado, cujo rosto não é conhecido, cuja
formação técnica é ignorada. Do juiz sem rosto nada se sabe, salvo que
dizem que é juiz. Nada disso foi instituído pela nova lei. Os juízes
pela nova lei são conhecidos. Seus nomes são divulgados. Só não se divulga
eventual divergência entre eles.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos
eliminou o juiz sem rosto peruano em 1999 e em 2000 (respectivamente nos casos
Cantoral Benavides e Castillo Petruzzi), porque ofensivo ao direito de defesa,
que tem direito a juiz imparcial. A Corte Suprema Colombiana aboliu essa
excrescência no ano 2000. Qualquer lei no Brasil que instituísse o juiz sem
rosto seria inconstitucional e inconvencional, além de retrógrada e
ultrapassada. Em tempos de criminologia midiática (Zaffaroni: 2012), que possui
incomensurável força opressiva e desinformativa, a confusão entre juízo
colegiado e juiz sem rosto chega a emaranhar o pensamento até mesmo de ministros
ilustrados, como é o caso de Luiz Fux.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e do
atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas redes sociais: www.professorlfg.com.br.
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