segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Menos pobreza e mais crimes: como assim?

 


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
O Brasil se tornou o 6º PIB (potência econômica) mundial, mas a criminalidade não diminuiu (de 9,6 homicídios para cada 100 mil habitantes em 1979 passamos para 27,3 em 2010). A desigualdade e a pobreza continuam caindo (como veremos em seguida), mas as taxas delitivas (PIBEx: Produto Interno Bruto de Criminalidade, Violência e Extermínio) só aumentam. Como assim? A redução da pobreza não faz o crime recuar? Cabe prestar atenção no ânimo de lucro da criminalidade organizada como fator criminógeno de suma relevância.
Estudo realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República mostra que, apesar da crise financeira global, entre 2008 e 2009, a pobreza reduziu (no Brasil) de 25,3% para 23,9% da população (Valor Econômico de 26.06.12, p. A4). Em dez anos, o recuo foi de 15,1 pontos percentuais, ou seja, em 1999, 39% da população era considerada pobre, contra 23,9% em 2009 (30 milhões de brasileiros saíram da pobreza). A pobreza está diminuindo e a desigualdade está caindo. O levantamento citado revela o seguinte: a renda domiciliar per capita dos 10% mais pobres cresceu, de 2001 a 2009, 7%, enquanto o aumento entre os 10% mais ricos foi de apenas 1,5%. Os ricos cresceram menos, enquanto os pobres cresceram mais. Os ricos ficaram menos ricos; os pobres ficaram menos pobres.

Se a pobreza está caindo e a desigualdade está reduzindo, por que o crime está aumentando? Dentre os incontáveis fatores que poderiam explicar o fenômeno (cultura contemporânea da violência, frouxidão nos vínculos familiares e religiosos, violência nas televisões, drogas, violência de gênero, iniquidades sociais, miséria etc.), penso que um deles se destaca: o ânimo de lucro do crime organizado (que é capaz de tudo, para garantir seus lucros).
O crime organizado, seja o decorrente dos poderes privados (tipo PCC) ou dos poderes econômicos (empresas que se valem do crime para o seu enriquecimento) ou dos poderes públicos (organizações criminosas formadas por policiais, juízes, fiscais etc.), para não ser atrapalhado em seus “negócios” (lucros), seria capaz de executar sumariamente algumas pessoas perturbadoras do “bom andamento” da organização? Convido o leitor para ler a seguinte notícia:
“PCC é suspeito de matar ladrões de quartel no interior. Segundo polícia, bandidos (sic) foram executados porque presença de militares em Pirassununga atrapalhou tráfico de drogas da facção. O serviço de Inteligência do Exército e a Polícia Civil apuram se o Primeiro Comando da Capital (PCC) mandou executar três suspeitos de ter furtado mais de 3 mil cartuchos do paiol do 13º Regimento da Cavalaria Mecanizada de Pirassununga, no interior paulista, na madrugada de domingo. A execução seria uma represália pela presença de agentes do Exército e da polícia na cidade, que teria atrapalhado os ‘negócios’ da facção” (O Estado de S. Paulo de 04.07.12, p. C4).
Vale a pena contextualizar esse fato, para criar (a partir dele) uma tese explicativa. Por que o PCC teria executado os suspeitos? O que isso tem a ver com o aumento da criminalidade? A razão central do aumento da criminalidade (mais de 600 carros são subtraídos diariamente somente na cidade de São Paulo) não residiria apenas nas drogas, visto que elas também fazem parte do mercado ilícito. O motivo maior do fenômeno criminal organizado é o ânimo de lucro. Cuida-se de tese que tem muita coerência com o próprio momento economicamente forte e consumista do nosso país. Se todo mundo no sistema capitalista está buscando mais lucros sem se importar com os meios, por que a criminalidade (organizada) não poderia colocar em seu horizonte o mesmo objetivo?
Isso é o que Karl Marx chamava de acumulação primitiva de capital, que consiste numa associação de maximização dos lucros, uso da violência e destruição de uma série de vítimas individuais e sociais. A pujança do capitalismo à brasileira, que é primitivo e escravagista, significa maximização dos lucros mediante a violência.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no www.professorlfg.com.br.

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