RESUMO: este artigo propõe-se a abordar aspectos da Lei nº 12.527/2011, que
entrou em vigor na data de 16 de maio de 2011, garantindo ao cidadão o direito
de acesso a informações produzidas pelo Estado e seus órgãos. É trazido à
colação o confronto entre dois princípios: o direito do cidadão à informação de
dados e o dever do Estado de imprimir sigilo no Inquérito Policial a fim de
prestar efetiva segurança pública. Pontua-se, por fim, que a inovação legal não
pode ter o condão de permitir acesso de dados em detrimento da paz social.
A Lei de Acesso a Informações Públicas (Lei nº 12.527/2011) foi
sancionada no final do ano passado.
Após o período de 180 dias, a denominada vacatio legis,
entrou em vigor na quarta-feira, dia 16 de maio de 2012.
A nova ordem jurídica define prazos para que o poder público garanta
acesso às informações constantes dos órgãos públicos.
O novo comando normativo atende determinação do artigo 5º, inciso
XXXIII, do art. 37, § 3º, inciso II, e do artigo 216, § 2º, todos da
Constituição Federal de 1988, conforme se deflui:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações
sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e X;
§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a
quantos dela necessitem.
Assim, o Brasil passa a integrar o grupo de países que possuem
regulamentação para o acesso a informações produzidas pelos governos e órgãos públicos.
A partir de agora, qualquer cidadão poderá solicitar acesso a documentos
produzidos por qualquer órgão público federal, estadual ou municipal, no âmbito
do Executivo, Legislativo e Judiciário.
A Lei, assim, também garante acesso a informações contidas nos Tribunais
de Contas e Ministérios Públicos, autarquias, fundações e empresas públicas e
sociedades de economia mista.
Depreende-se, pois, que a lei em questão assegura dois importantes
princípios da Administração Pública: Publicidade e Moralidade, conforme
assevera o artigo 3º, in verbis:
Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a
assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados
em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as
seguintes diretrizes:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo
como exceção;
II - divulgação de informações de interesse público,
independentemente de solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia
da informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na
administração pública;
V - desenvolvimento do controle social da administração pública.
Assim, observa-se a transparência administrativa como regra e o sigilo
como exceção.
Todos os órgãos deverão organizar centros de informações ao cidadão, com
a necessária estrutura de acesso.
O acesso deve ser imediato ou quando precisar de pesquisas, no prazo não
superior a 20 dias, segundo inteligência do § 1º do artigo 11 da LAI. No caso
de indeferimento de acesso a informações ou em relação às razões da negativa do
acesso, poderá o interessado interpor recurso contra a decisão, no prazo de 10
(dez) dias, a contar da sua ciência. O recurso será dirigido à autoridade
hierarquicamente superior à que exarou a decisão impugnada, que deverá se
manifestar no prazo de 5 (cinco) dias.
As informações devem estar em linguagem clara e de fácil acesso, de
preferência, em formato de dados abertos, que permitam a manipulação deles pelo
usuário.
O texto da nova lei de acesso estabelece prazos de sigilo diferentes
para cada nível de classificação, ficando da seguinte maneira: documentos
ultrassecretos: 25 anos; documentos secretos: 15 anos; reservados: 5 anos.
Decorridos os prazos legais, a informação deverá ser tornada pública,
com exceção dos documentos ultrassecretos, que poderão ter o sigilo prorrogado
mais uma única vez, por igual período, atingindo prazo máximo de 50 anos.
Acerca dos prazos e do grau de sigilo, tal matéria é tratada no artigo
24 da nuperlei:
Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas,
observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da
sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou
reservada.
§ 1º Os prazos máximos de restrição de acesso à informação,
conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da
data de sua produção e são os seguintes:
I - ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;
II - secreta: 15 (quinze) anos; e
III - reservada: 5 (cinco) anos.
Importante analisar, sob o viés da novatio legis, o
direito de acesso a informações atinentes ao Inquérito Policial, em tramitação
nas Unidades Policiais. A Lei do Acesso, em seu artigo 23, inciso VIII, assim
preceitua:
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade
ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja
divulgação ou acesso irrestrito possam:
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação
ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de
infrações.
Nesse contexto, é preciso estabelecer a necessária e vital conformidade
com outros textos legais em vigor. Assim, o artigo 20 do Código de Processo
Penal assevera que a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à
elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Lado outro, o Supremo Tribunal Federal editou Súmula Vinculante que
privilegia direitos de acusados em processos criminais. O Plenário da
corte decidiu editar a 14ª Súmula Vinculante, proposta pela Ordem dos Advogados
do Brasil, que deixa claro o direito dos advogados e da Defensoria Pública de
terem acesso a provas documentadas, levantadas em inquéritos policiais, ainda
que em andamento.
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo e
irrestrito aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório, realizado por órgão de competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa”.
Dessa feita, resta determinar qual seria o grau de sigilo do Inquérito
Policial. É o caderno investigatório ultrassecreto, secreto ou reservado?
A classificação de seu grau de sigilo seria única ou poderia variar de acordo
com a matéria investigada?
Qualquer que seja a resposta, parece mais acertado relativizar todo o
comando normativo que trata o assunto.
Não havendo nenhum direito absoluto, é correto afirmar que a
investigação policial é sempre sigilosa, desde que atenda ao princípio da
supremacia do interesse social. Emerge, desse modo, uma verdadeira
colisão de interesses entre o Estado e o indivíduo, que deve ser dirimida pela
aplicação do princípio da proporcionalidade. Segundo ensinamentos de Jarbas
Luiz dos Santos, o princípio da proporcionalidade seria "um sobreprincípio
fornecedor de parâmetros para aferição da Justiça em todos e quaisquer atos do
Poder Público, concebida a Justiça como fator axiológico fundante do
Direito".
Utiliza-se no contexto conflitante a técnica de afastamento unilateral,
bilateral ou excludente, conforme a situação posta. Se, por um lado, o cidadão
tem o direito de acesso, a sociedade, por sua vez, tem o direito ao
esclarecimento das infrações penais de forma segura e responsável. O Estado
adquire o direito de punir aqueles que desobedecem as normas sociais. A
polícia, instrumento de controle social, deve fazer uso de todos os meios
legais, visando a esclarecer a verdade de fatos criminosos, em prol da
restauração da ordem cingida e da efetiva distruibuição de Justiça.
Assim, o direito ao acesso às informações não pode constituir-se em
obstáculos para a busca da verdade e da promoção da paz social. Ademais, os
dispositivos da nova lei não excluem as hipóteses legais de sigilo e de segredo
de justiça, nem as hipóteses de segredo industrial, decorrentes da exploração
direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade
privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Conclui-se, pois, que a Lei 12.527/2011 garante ao cidadão o exercício
constitucional de acesso às informações. Contudo, não impede o Estado, enquanto
Polícia Investigativa e ou Poder Judiciário de preservar, por um período
estritamente necessário, informações constantes em um Inquérito Policial, que
possam colocar em risco a ordem e a segurança da sociedade, direitos
fundamentais sociais, também garantidos constitucionalmente. Afinal, é esse o múnus mais
precioso do Poder Público, o de gestar e gerir, a cada dia, uma sociedade
harmônica e em paz.
Autor
Delegado Geral de
Polícia Civil de Minas Gerais. Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil com
sede em Contagem/MG. Ex-Delegado Regional de Polícia Civil em Governador
Valadares/MG. Professor de Direito. Pós-Graduado em Direito Penal e Processo
Penal. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo
Social Argentino - Buenos Aires - Argentina. Professor em cursos preparatórios
para concursos públicos. Articulista em revistas jurídicas.
Informações sobre o texto
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
PEREIRA, Jeferson Botelho. Lei
de acesso à informação e o inquérito policial. Jus Navigandi,
Teresina, ano 17, n.
3243, 18 maio 2012 .
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21801>. Acesso em: 18
maio 2012.
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