09/05/2012 - Homenagem: faleceu Ary Bauer, um homem de coragem, um mito
Por Abrahão José Kfouri Filho
Conheci Ary José Bauer em 1968, quando, recém
promovido para 4ª Classe, fui lotado no antigo DERAL (atual Deinter-6), por ele
dirigido. Designou-me para o Distrito de Itapema (hoje Vicente de Carvalho),
onde viviam 70 mil pessoas, na então maior favela do Brasil, sem qualquer
infraestrutura. Trabalhei com um destacamento da antiga Força Pública e outro
da extinta Polícia Marítima. Sem escrivão, designei como “ad-hoc” um soldado,
que acabou se revelando um excelente profissional. No Cartório, pendentes de solução,
mais de 400 boletins de ocorrência, pessimamente redigidos pelos “soldados de
piquete”. Um deles tinha como título: “Ômissidio”!!! Disse-me o Dr. Ary, com um
sorriso matreiro, que essa designação revelava toda confiança que depositava em
mim... Fiquei lá pouco mais de três anos e, confesso, foi onde eu mais me senti
realizado como Delegado de Polícia.
São dessa época dois fatos que o tempo já me
permite contar e que bem revelam a personalidade desse Homem ímpar, desse
“Chefe” raro.
Determinado fim de expediente, recebi um ofício
da Sociedade Protetora dos Animais, denunciando a existência de uma rinha de
galo na área. Dirigindo o jeep da Delegacia consegui achar o local e verifiquei
que ali funcionava uma imensa rinha, com iluminação, arquibancada, balcão de
bebidas, dezenas de gaiolas, etc. Na manhã seguinte, convoquei o Sargento, mais
4 soldados e fomos ao local, levando 4 machados, um fotógrafo e o fiscal da
Sociedade Protetora. Fotografamos as instalações, arrecadamos dezenas galos
“índios” e mandei derrubar tudo, restando a rinha em escombros. Até hoje me
questiono porque fiz aquilo... Na mesma madrugada, fui despertado em meu
apartamento, em Santos, pelo insistente assobio de uma sirene. Era um policial
do Guarujá que me informou estar a Câmara Municipal reunida
extraordinariamente, a pedido do Prefeito, para verberar minha atitude, dado
que o dono da rinha era um importante cabo eleitoral do Alcaide. Pela manhã, um
colega assistente do Dr. Ary telefonou-me dizendo que todo o poder político do Guarujá
estava com o “chefe”, pedindo minha cabeça. Elaborei então um boletim de
ocorrência sobre crueldade contra animais e desobediência a um decreto que
proibia “briga de galos”. Passei o dia preocupado, aguardando ser convocado.
Nada. Nem no dia seguinte. No terceiro dia pedi autorização para falar com o
“chefe”. Ele me recebeu com a cordialidade de sempre e eu, constrangido,
perguntei se não havia nada que ele quisesse conversar comigo, especialmente
sobre o episódio da rinha e da “visita” da caravana política. Deixando-me
pasmo, o Dr. Ary disse-me: “Ah, não liga, esse pessoal esteve aqui e eu disse a
eles que o Dr. Kfouri tinha feito exatamente aquilo que, por telefone, eu
determinara que ele fizesse”.
Estava eu, casualmente, numa tarde, no prédio do
Deral, quando um certo alvoroço ocorreu na antessala da Diretoria. O Dr. Ary se
trancara em seu gabinete com um delegado substituto que, momentos antes, fora
pilhado num ato de indignidade profissional, raro então. Deu ordem para que
ninguém entrasse, trancou a porta por dentro e, no melhor jargão policial, “deu
um pau” no infeliz. Porta aberta, cara toda vermelha, saiu o tal, já com o
pedido de exoneração assinado...
Assim era o Dr. Ary: chefe amigo e confiável,
homem de coragem e de decisão, policial atilado, companheirão, bom papo, “vivia
Polícia, 24 horas por dia”, falava olhando nos olhos, coração enorme, classista
(para minha extrema honra, foi meu 1º Vice Presidente quando presidi a ADPESP),
um “eterno 5ª Classe”, como ele mesmo se definia.
Já não se fazem Chefes como ele...
Vá com Deus, meu amigo, na certeza de que seu
nome, sua obra, seu exemplo, seu caráter, seu carisma e sua lembrança, ajudaram
a enriquecer e enobrecer a História de nossa classe.
Seu admirador,
KFOURI.
Obrigado pelas palavras de carinho e admiração dirigidas ao meu avô. Forte abraço. Marcelo
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