Não sou favorável a criminalizar tudo que a mídia e a população amedrontada entendem que deve merecer castigo penal. O direito penal, em razão da sua limitada capacidade de prevenção do delito, não deve ser usado como panaceia para a cura de todos os males sociais. Mas existem algumas condutas, nitidamente perniciosas para a convivência em sociedade, que não podem deixar de ser contempladas no novo Código Penal. É o caso, dentre outros, do terrorismo, da organização criminosa, dos crimes informáticos puros e do enriquecimento ilícito.
Por maioria de votos, nós, membros da Comissão de Reforma do Código Penal do Senado, aprovamos a criminalização da conduta de quem adquire, vende, empresta, aluga, recebe, cede ou usufrui, de forma não eventual, de valores (ações, por exemplo) ou bens móveis (carros, jóias etc.) ou imóveis (apartamentos, terrenos etc.), que sejam incompatíveis com os rendimentos auferidos pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito.
Alguns esclarecimentos sumamente relevantes: o ônus da prova do enriquecimento ilícito compete à acusação, que vai se fundamentar nas declarações de renda do acusado, não ao servidor público suspeito. Não é possível haver inversão do ônus probatório, sob pena de grave inconstitucionalidade.
O crime, de outro lado, é subsidiário, ou seja, só existe se não comprovada outra infração mais grave como peculato ou corrupção. Não provado o crime maior, pode haver condenação pelo menor. Por força de princípio constitucional, o réu não precisa provar que é inocente, mas se em sua defesa comprova a origem lícita dos bens, claro que não existe crime a ser punido.
Duas são as penas previstas: prisão de um a cinco anos e confisco dos bens e valores adquiridos ilicitamente. A pena mínima, por sugestão minha, acabou ficando em um ano para permitir a suspensão do processo, caso o acusado aceite fazer acordo e já devolver os bens ilícitos, além de cumprir outras medidas negociadas entre acusação e defesa. Pela quantidade de notícias, sindicâncias e CPIs em andamento, é de se presumir que milhares de servidores públicos (políticos, juízes, fiscais, governantes etc.) estarão enquadrados no novo crime. A Justiça brasileira, como se sabe, não está preparada para processar todo mundo de acordo com o devido processo clássico, que é muito custoso e moroso. Não havendo acordo, o processo criminal caminha, mas a chance de prescrição é muito grande.
A abrangência da nova lei, caso venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional, é maior do que se pode imaginar. Ela vai incidir inclusive sobre os que estão usufruindo de bens indevidos conquistados antes dela, em virtude da natureza permanente da conduta “usufruir”. Com a entrada em vigor da nova lei o agente, já sob seu império, continuará cometendo o fato criminoso. Logo, vai se sujeitar às novas sanções (que são distintas das civis ou administrativas).
As penas serão aumentadas da metade até dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente a terceiras pessoas. Aqui o que se pretende é a punição maior daqueles que se valem de “laranjas” para tentar camuflar a acumulação ilegal de bens. Não sou favorável ao abuso do direito penal, mesmo porque não confio muito na sua eficácia preventiva, mas ele se mostra adequado quando necessário para a moralização do comportamento dos agentes públicos (eleitos ou concursados ou comissionados). A moralidade que deve reger a gestão da coisa pública (“res publica”) depende da eliminação da vulgaridade moral e ética que simboliza, desgraçadamente, nosso País.
*LFG – Jurista e membro da Comissão de Reforma do CP. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
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sexta-feira, 11 de maio de 2012
Crime de Enriquecimento Ilícito
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