A cruzada fundamentalista norte-americana contra as drogas, lançada em 1970 pelo presidente Nixon, ainda continua produzindo efeitos e equívocos nefastos no mundo inteiro. As drogas foram carimbadas como o “belzebu” (o diabo) das novas gerações. Esse fenômeno conhecido como norteamericanização do direito penal, que se espalhou para todo Planeta, é o responsável pela edição de leis cada vez mais duras contra as drogas, em todos os países alinhados com (ou comprados por) esse modelo político-criminal neoconservador, que é fruto do capitalismo ultra-liberal (de Reagan e de Tatcher).
A “guerra contra as drogas”, especialmente nos países periféricos latino-americanos, fez com que os legisladores populistas, sempre preocupados mais com sua reeleição que com o respeito às regras do jogo democrático e do Estado de Direito, começassem a aprovar leis aberrantes e incongruentes, totalmente desconexas e desarrazoadas, iludindo a população com o argumento charlatão de que uma nova lei penal “dura” resolve todos os problemas sociais.
A consequência mais gritante da nova Lei de Drogas é a seguinte: no final de 2006 (quando a lei entrou em vigor), 62 mil pessoas achavam-se na prisão por tráfico de drogas. Em 2011, cinco anos depois, eram 125 mil presos. Dobrou-se a população prisional e nenhum sinal existe de que o tráfico tenha diminuído ou que o número de usuários tenha arrefecido. Hoje eles totalizam 23% do sistema prisional.
Esse encarceramento massivo e abusivo, em muitos casos, tem direta ligação com a norma julgada inconstitucional pelo STF, em 10.05.12, que proibia a liberdade provisória nos casos de tráfico de drogas. Sucintamente o que o STF, em outras palavras, disse foi o seguinte: que o legislador, no afã de punir duramente o tráfico de drogas, ao editar a nova lei invadiu a competência do juiz, tomando-lhe o lugar, admitindo a prisão como regra e a liberdade como exceção, atropelando dessa forma frontalmente a Constituição vigente.
Todas as vezes que o populismo punitivista e demagógico monopoliza a cabeça do legislador, ele se torna capaz de cometer os erros jurídicos mais absurdos e hediondos que se possa imaginar, chegando ao ponto de desapossar os juízes da sua competência, criando regras totalmente bizantinas e inconstitucionais. O ato de prender e de conceder liberdade a uma pessoa presa é, por força da Constituição, exclusivamente do juiz.
O legislador não pode substituir o juiz nessa tarefa, proibindo abstratamente a liberdade provisória. Isso já tinha ficado claro no julgamento da ADIN 3112 (relator Min. Lewandowski). Mas mesmo aquilo que já está absolutamente incontroverso na jurisprudência do STF não constitui obstáculo ao legislador que, contra tudo e contra todos os argumentos racionais, teima em “vender” para a incrédula e amedrontada população o produto de maior mercado na atualidade, que se chama “direito penal duro”, reiterando, assim, sua velha política puramente simbólica, que em muitos momentos se camufla em um avatar demagógico e ilusionista. Em síntese: o legislador errou de novo, mas certamente conseguiu o seu objetivo: o de enganar a população descrente e insegura com um texto fora do contexto, mas que serve de pretexto para a usurpação indevida da liberdade humana.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no blogdolfg.com.br, no twitter: @professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.
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