Se condenados definitivamente pelo STF, podem os parlamentares (João Paulo Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto) ir para a cadeia antes do fim de seus mandatos? Essa é uma das grandes polêmicas geradas pelo mensalão.
Se condenados
definitivamente pelo STF, podem os parlamentares (João Paulo Cunha, Pedro Henry
e Valdemar Costa Neto) ir para a cadeia antes do fim de seus mandatos? Essa é
uma das grandes polêmicas geradas pelo mensalão (cf. matéria de Chico Otavio no
jornal O Globo, de 25.09.12, p. 6). A resposta é sim, no plano do direito
interno, e, não, na esfera do direito internacional. Acompanhem nosso
raciocínio.
No plano do direito
interno a polêmica sobre se os deputados poderão ser presos antes de perder o
mandato é, em grande parte, falsa. Penso que não haver dúvida que os condenados
perderão seus mandatos e poderão ir para a cadeia. O problema reside no direito
internacional e esse é o aspecto que está sendo esquecido (até aqui) pela mídia
e operadores jurídicos brasileiros. Vamos às explicações.
Quem é condenado
criminalmente de forma definitiva tem seus direitos políticos suspensos, em
razão do disposto no art. 15, III, da CP. Parlamentar que tem seus direitos
políticos suspensos perde o mandato, por força do art. 55, IV, da CF. E nesse
caso a perda será (apenas) declarada pela Mesa da Casa respectiva. A Casa aqui
não tem que decidir nada, só declarar.
Notem: a perda do
mandato em razão da suspensão dos direitos políticos (art. 55, inciso IV) é
diferente da perda do mandato em virtude de condenação criminal (art. 55,
inciso VI). A confusão está aqui. Estão olhando este último dispositivo (inc.
VI) e não estão prestando atenção no anterior (inc. IV). No caso do inciso VI a
CF (art. 55, § 2º) exige decisão da Câmara dos Deputados ou do Senado (para a
perda do mandato). Na situação anterior (suspensão de direitos políticos) a
Mesa da Casa apenas declara a perda (não tem que decidir nada, é só
declarar). Não podem ser confundidas as duas situações. Os operadores jurídicos
(data vênia) estão se esquecendo da primeira hipótese (perda do mandato em
razão da suspensão dos direitos políticos).
A mera declaração da
perda do mandato eletivo, em razão da suspensão dos direitos políticos, tem
sintonia com a norma do art. 92 do Código Penal, que determina que quem é
condenado a mais de 4 anos perde o cargo ou o mandato eletivo. Portanto, não
pode haver nenhuma dúvida: parlamentar condenado definitivamente, com muito
mais razão quando a pena passa de 4 anos, perde seu mandato, competindo à Casa
respectiva apenas a declaração dessa perda. E claro que concomitantemente terá
que cumprir a prisão determinada, que se ultrapassar a oito anos significa
regime fechado.
De outro lado, o § 3º
do art. 53 não tem nada a ver com a condenação final. Diz esse dispositivo que
desde a expedição do diploma os parlamentares não podem ser presos, salvo em caso
de flagrante de crime inafiançável. Não há nenhuma dúvida que essa imunidade
prisional somente diz respeito à prisão cautelar (antes do trânsito em julgado
final). Tanto isso é verdade que a parte final do mesmo parágrafo possibilita
que a Cada legislativa resolva sobre a prisão. Claro que a Casa somente pode
decidir sobre a prisão cautelar (nunca a definitiva). Pensar o contrário seria
criar desarmonia entre os poderes (e desrespeitar e desacreditar o Judiciário).
No plano
internacional a situação é bem mais complexa porque a decisão do STF está
eivada de dois vícios procedimentais seríssimos que podem fulminantemente
invalidar o julgamento, que destoa completamente de duas decisões
importantíssimas da Corte Interamericana de Direitos Humanos: caso Las Palmeras
contra a Colômbia e caso Barreto Leiva contra a Venezuela.
O primeiro invalidou
um julgamento em que o mesmo juiz ocupou duas posições: de investigador e de
juiz. Joaquim Barbosa presidiu a fase investigativa e, agora, por força do
retrógado e autoritário art. 230 do Regimento Interno do STF, está também
participando do julgamento do processo. Isso viola a garantia da imparcialidade
do juiz e pode gerar a anulação da condenação do STF no caso mensalão.
No segundo caso (Barreto
Leiva) a Corte Interamericana mandou a Venezuela julgar novamente o réu em
razão do seu direito ao duplo grau de jurisdição, cabendo fazer os devidos
ajustes no direito interno para que esse direito seja assegurado para todos os
réus, inclusive para os que gozam de foro especial por prerrogativa de função.
Por vícios
procedimentais decorrentes da claríssima violação da jurisprudência
internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais do STF pode ter
seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado.
Autor
Diretor geral dos
cursos de Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela
Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em
Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP
(1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de Pós-Graduação
no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la Universidad
Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade de Direito da
Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de Justiça em São
Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998). Advogado
(1999-2001). Individual expert observer do X Congresso da ONU, em Viena (2000).
Membro e Consultor da Delegação brasileira no 10º Período de Sessões da
Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena (2001).
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