Em agosto comemoramos o Dia do Advogado, o do Magistrado bem como o dos Cursos Jurídicos. Meu enfoque neste número da Consulex[1], por razões de espaço, versará sobre alguns dilemas relacionados com apenas três carreiras: Advocacia, Ministério Público e Magistratura.
Advogado: empregado ou empreendedor?
De acordo com a minha opinião o advogado, se quer construir uma marca de sucesso, deve ser um empreendedor. A primeira decisão a tomar é, sendo possível, não fazer a opção por ser um advogado empregado. Claro que praticamente todos os bacharéis carteirados um dia já passaram (ou estão passando) por esse dilema. Muitos, inclusive, para iniciar a carreira, começam como empregado. Mas essa situação de precariedade deveria durar o menor tempo possível.
Qual é a diferença entre ser um advogado empregado e construir uma carreira, ou seja, fazer uma marca de sucesso? É a seguinte: quem só é um empregado fica sempre na dependência de um patrão. Seu emprego dura o quanto você é conveniente para ele. Você já sabe que não possui garantia nenhuma de emprego eterno. O advogado que só quer ter um emprego (não fazer uma carreira) tem como preocupação primeira o ter (ter um emprego) e só trabalha para viver. É diferente de quem quer fazer carreira individual (construir uma marca de sucesso), que (prioritariamente) vive para trabalhar.
Antes de tudo, portanto, você deve consultar seu coração (seu DNA, seu instinto, sua intuição, suas condições, suas chances momentâneas): o que é melhor para sua vida, ao menos neste momento: trabalhar para viver ou viver para trabalhar? Ser advogado empregado ou advogado empreendedor?
O advogado que só quer ser empregado não tem nada de empreendedor. Já o advogado empregado que quer fazer uma carreira (construir uma marca pessoal) tem tudo do empreendedor. O advogado empreendedor é empreendedor dele mesmo, ou seja, é um autoempreendedor. O “produto” que ele promove reside nele mesmo: na sua marca pessoal, na sua pessoa, nas suas habilidades, nas suas competências, nas suas relações de confiança, no seu network etc.
É muito positivo que você decida ser um empreendedor. Mas saiba o seguinte: há uma série de premissas, condições, requisitos e limitações para que você seja bem sucedido na sua empreitada profissional. Além do desconhecimento da realidade como ela é, nos empreendimentos pessoais muito provavelmente uma outra principal causa do fracasso é a ausência de paixão (motivação). Nenhuma marca é construída de forma exitosa sem paixão. Mas a paixão isoladamente não leva seu empreendimento pessoal ao sucesso. É que não basta querer, sendo necessário fazer (e fazer bem).
Na origem dos fracassos empreendedorísticos estão problemas pessoais, desavenças com os sócios (no campo empresarial), falta de bom senso, excesso de expectativas, medos e/ou erros insignificantes, falta de iniciativa, ausência de trabalho árduo etc. Mas ainda há premissas básicas que devem ser atendidas. Conhecer a realidade do mundo empreendedor (especialmente, que não se constrói uma marca sem muito trabalho duro) e agir com grande motivação, que decorre da paixão pelo que se está fazendo, são as duas premissas básicas de todo empreendimento de sucesso (ou seja, da construção de uma marca bem sucedida). Você, caro leitor, está disposto a encarar esse desafio (de ser empreendedor de você mesmo)? Se está, avante, e muito sucesso nessa sua jornada. Saiba que estarei torcendo por você!
Ministério Público: burocrata ou policial-investigador?
Ser o tradicional burocrata (de gabinete) ou partir para a investigação policial? Eis o dilema (ainda não resolvido) do Ministério Público. O atual clima de insegurança pública e de medo vem gerando uma forte demanda popular e midiática por mais rigor penal, maior efetividade do Estado nessa área e pelo fim da generalizada impunidade, sobretudo da corrupção e das mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos.
É nesse quadro de intranquilidade nacional e de protestos reiterados, que vem se agravando assustadoramente desde 1980 quando contávamos com 11,7 mortes para cada 100 mil habitantes, contra 27,3 em 2010, que o Ministério Público, duramente cobrado pelas reivindicações punitivistas, passou a investigar alguns delitos, por sua conta e risco, especialmente os relacionados com o crime organizado e os cometidos por policiais.
Por mais que a jurisprudência, nomeadamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, continue ratificando em decisões isoladas suas investigações autônomas ou paralelas, a verdade é que ainda não existe lei inequívoca que lhe dê, com nitidez, esse poder. Daí as contínuas controvérsias e alegações de nulidade, que andam forjando grande insegurança jurídica.
A maior prova da nebulosidade nesse campo reside no seguinte: todo procedimento dessa natureza do Ministério Público está regulamentado por Resoluções ou Atos Normativos dos Procuradores Gerais. Esses atos, no entanto, não possuem o status de lei. Diante desse déficit de legalidade, as investigações não são uniformes e os procedimentos adotados não são idênticos. O mais grave: não existe controle judicial periódico delas. Aliás, há juízes que não as reconhecem e, assim, se recusam a arquivar tais procedimentos, quando nada é apurado contra o suspeito. Nem é preciso enfatizar o limbo em que se encontra essa situação, e tudo por falta de regulamentação legal.
O Pleno do STF está cuidando desse assunto. Nenhum voto tem perfeita sintonia com os demais. Cada Ministro “acha” que o Ministério Público deve investigar apenas alguns crimes. A situação de insegurança é grande. Sendo assim, não há como o Ministério Público assumir, neste momento, de forma independente, a premente tarefa de apurar os crimes e sua autoria. Por maior boa intenção que exista, ninguém pode dar passos maiores que as pernas. No estágio em que nos encontramos, de aguda insegurança coletiva e de medo difuso, todo esforço investigativo do Ministério Público, supletivo ou complementar, sobretudo quando se trata do crime organizado, dos crimes do colarinho branco e dos praticados pela própria polícia, será muito bem-vindo, mas sempre em conjunto com os órgãos autorizados, para isso, por força de lei expressa e inequívoca.
Magistratura: ser justo ou ser servil ao sistema?
O dilema mais agudo da Magistratura talvez seja o seguinte: no desempenho das suas funções o juiz deve ser independente e justo ou ser servil ao sistema jurídico, social e econômico, desigual e desumano, fundado no capitalismo escravagista? Deve respeitar e fazer respeitar os direitos humanos, como premissa ética da sua função, ou coonestar as graves violações desses direitos perpetradas diariamente no nosso País? Deve exercer seu mister com autonomia e independência ou se curvar à pressão midiática cotidiana?
Deve aplicar a lei vigente, aprovada por uma determinada maioria, ou deve fazer preponderarr o direito válido amparado na Constituição e nos Tratados Internacionais?
Deve secundar o sistema social e econômico hierarquizado e injusto, garantindo os privilégios de classe, ou deve assegurar a aplicação igualitária do direito? Em suma, deve ser juiz (independente e imparcial) ou apenas correia de transmissão de um sistema repleto de iniquidades?
[1] Este artigo foi publicado originalmente na Revista Jurídica Consulex n. 373, de 01º de agosto de 2012.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas redes sociais: www.professorlfg.com.br
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