sábado, 29 de setembro de 2012

Mensalão: risco de revisão do julgamento do STF gera indignação geral


Como pode uma Convenção ou Tratado Internacional ser superior à Constituição brasileira? Como pode uma Corte Internacional ser superior ao STF? Você acha que uma Corte Internacional vai mandar no STF?
Nas centenas de manifestações indignadas com meu artigo (estritamente jurídico e explicativo) que fala da possibilidade de a decisão do STF no mensalão ser revisada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos notei um ponto central que ainda não foi bem compreendido no Brasil: como pode uma Convenção ou Tratado Internacional ser superior à Constituição brasileira? Como pode uma Corte Internacional ser superior ao STF? Você acha que uma Corte Internacional vai mandar no STF?
Te convido a “viajar” junto comigo nessa questão. Vamos lá. As leis brasileiras permitem a prisão civil do depositário infiel? Sim. A Constituição brasileira autoriza a prisão civil do depositário infiel? Sim. Por que então ela foi proibida pelo próprio STF na Súmula Vinculante 25? Porque o art. 7º da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) só permite prisão civil do alimentante inadimplente.
Quando a Constituição do Brasil conflita com a Convenção Americana quem manda? Para aqueles não têm formação jurídica ou contam com formação jurídica ainda em fase de andamento, mandaria sempre a CF. Resposta errada! Nem sempre. Pode ser que sim, pode ser que não.
Por quê? Porque manda, na verdade, a norma mais favorável aos direitos e liberdades das pessoas (a norma mais favorável, consoante o princípio pro homine). Quem disse isso? STF. Onde? No Recurso Extraordinário 466.343-SP.
Por que a proibição da prisão civil para o depositário, prevista na CADH, foi respeitada, em detrimento (em prejuízo) da CF? Porque mais favorável. Então o STF segue essa doutrina da norma mais favorável? Sim (é só ver a Súmula Vinculante 25).

O Brasil está sujeito à jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos? Sim. Desde quando? Desde 1998. O Brasil era livre para aceitar ou não essa jurisprudência? Sim. Se aceitou, agora tem que cumprir o que a Corte decide? Sim. Por força de qual princípio? Perdoem-me o nomão feio:
pacta sunt servanda (assinou um pacto, agora cumpre). Você não é obrigado a assinar nenhum documento de que me deve mil reais. Se assinar, cumpra!
Já houve algum caso em que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (que está em Washington) ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (que está em San Jose da Costa Rica) já tenha condenado o Brasil? Sim. Muitos casos? Sim. Quais (por exemplo)? Caso Ximenes Lopes, Maria da Penha, Escher, Septimo Garibaldi, Araguaia etc. Muitos casos. O Brasil está cumprindo essas decisões? Sim (pagando indenizações, respeitando regras, mudando o direito interno etc.). Por que o Brasil está cumprindo? Para honrar seus compromissos e por causa das sanções internacionais possíveis (proibição de exportação de produtos, por exemplo).
A jurisprudência do Sistema Interamericano é vinculante para o Brasil? Sim. Por que a jurisprudência brasileira não a segue rigorosamente? Porque não temos tradição (nem cultura) de respeitar os pactos internacionais que firmamos. Agora que isso está mudando (pouco a pouco).
Então afirmar que a decisão do mensalão pode ser questionada junto à Comissão Interamericana é “viajar na maionese” (expressão de um indignado, dirigida a mim carinhosamente)? Não. Por que não? Porque apontamos casos concretos já julgados pela Corte internacional que deveriam orientar o julgamento do STF (Las Palmeras e Barreto Leiva).
Há risco de haver revisão internacional desse julgamento (tão emblemático quanto moral, ética, cultural e politicamente importante)? Sim. Isso é invenção de quem? Do próprio Brasil que assinou tratados internacionais e aceitou a jurisprudência do Sistema Interamericano. Mas as decisões citadas, contra Colômbia e Venezuela, valem no Brasil? São decisões que formam precedentes. Nos casos idênticos a Corte vai segui-las.
Mas, e a soberania do Brasil? Todo país que assina um pacto internacional vai perdendo sua soberania externa, por sua livre e espontânea vontade (Ferrajoli). Os réus do mensalão poderão conquistar algum benefício no plano internacional? Podem. Novo julgamento, muito provavelmente. Quem diz isso? Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8º, 2, “h”. O que está escrito aí? O direito ao duplo grau de jurisdição.
O Brasil, quando assinou essa Convenção, fez ressalva desse ponto? Não. Esse direito vale para todo mundo? Sim. Inclusive para quem tem foro privilegiado? Sim. Quem disse isso? A Corte disse isso no caso Barreto Leiva, julgado no final de 2009.
Mas o STF não sabia disso? Muito provavelmente não. Por quê? Porque não existe tradição sólida na jurisprudência brasileira de respeitar o direito internacional firmado e aceito pelo Brasil. Tudo isso está mudando? Sim, lentamente. Então a formação jurídica no Brasil terá que ser alterada completamente? Sim, urgentemente. Por quê?
Porque toda violação dos nossos direitos previstos nos tratados internacionais (a começar pelo direito de liberdade de expressão, que nos permite escrever tudo que quisermos nas redes sociais, desde que não ofenda terceiros), agora, se não amparada no Brasil, pode ser questionada no plano internacional, onde temos 7 juízes em Washington e mais 7 juízes na Costa Rica para nos ouvir (sempre começando pela Comissão, que está nos EUA).
Meus amigos: vamos ficando por aqui na nossa “viagem na maionese”. Mas me coloco à disposição de vocês para novos esclarecimentos. Avante!


Autor

Diretor geral dos cursos de Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP (1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de Pós-Graduação no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la Universidad Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de Justiça em São Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998). Advogado (1999-2001). Individual expert observer do X Congresso da ONU, em Viena (2000). Membro e Consultor da Delegação brasileira no 10º Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena (2001).



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