LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
**Não se trata de uma violência qualquer. A mais
compreensiva (e, ao mesmo tempo, complexa) definição de bullying é a
seguinte: ele compreende atitudes agressivas
de todas as formas, praticadas intencional e repetidamente,
dentro de uma relação de desigual poder e sem motivação
evidente, emanadas de um ou mais indivíduos contra outro(s), causando dor e
angústia (Fante, 2005).
O que diferencia o bullying escolar de
outros conflitos ou desavenças dentro das escolas é seu caráter
repetitivo, sistemático,
doloroso e intencional de agredir
alguém (verbal, física, moral, sexual, virtual ou psicologicamente),
notoriamente em situação de vulnerabilidade, evidenciando um desequilíbrio
de força (poder e dominação) entre os envolvidos.
Nota-se o caráter repetitivo quando as ações do
bullie (o agressor) são desferidas contra a mesma vítima num
determinado período, pelo menos três ou mais vezes no mesmo ano letivo, o que,
para fins dos estudos de Dan Olweus, é caracterizado como bullying
(Olweus, 1998).
Quando os atos ocorrem de forma reiterada ou, até
mesmo, constante, a vítima, aos poucos, torna-se cada vez mais fragilizada,
oprimida e amedrontada, caracterizando esta específica agressão.
O comportamento sistemático não se confunde com o
meramente repetitivo, visto que este se destaca pelo modo metódico e ordenado
que maltrata a vítima. Basta dizer que ela simplesmente já sabe “o que a espera”
antes mesmo de o ato ocorrer. A vítima se angustia e sofre por imaginar que o
bullie se valerá dos usuais tipos de atrocidades.
Para caracterizar o bullying é
inevitável também que o comportamento do agressor seja intencional. Suas ações
devem ser propositais, desejadas e voluntárias. Não há como caracterizar este
fenômeno, se a intenção do bullie não é causar danos ou prejudicar a
vítima.
Para que o conceito de bullying esteja
caracterizado por completo, ademais, deve haver desequilíbrio de força (poder e
dominação) entre os envolvidos. No bullying há um verdadeiro
desequilíbrio de poder físico, psicológico ou social. Essa assimetria pode ser
explicada tanto pelas diferenças físicas (cor da pele, sotaque, peso, altura,
raça), sociais (aspectos econômicos e culturais) ou emocionais (personalidade ou
temperamento, por exemplo).
Meras brincadeiras ou conflitos naturais entre
crianças e adolescentes (pertencentes, geralmente, à faixa etária de 11 a 15
anos) não podem ser confundidas com todo o complexo processo do
bullying. São particularmente caracterizadoras do bullying
aquelas situações que deixam de ser saudáveis ou meramente jocosas, como as
risadas, piadas e brigas corriqueiras, e que ganham aspectos cruéis e perversos.
Não se pode, assim, confundir o bullying com outros tipos de agressão,
visto que aquele exige “uma persecução pertinaz de insultos e desqualificações,
durante um bom período de tempo, que são mantidas até alcançar que a vítima seja
denegrida e perca sua capacidade de reação digna” (Ortega, em Ortega coord.:
2010, p. 18).
De outro lado, importa sublinhar que há várias
modalidades de bullying, destacando-se o escolar. Ademais, ele pode ser
graduado. Se o bullying de primeiro grau já é muito sério, mais
preocupante ainda é o de segundo grau, que configura verdadeira “vitimização
psicológica” (Ortega, em Ortega coord.: 2010, p. 17 e 19). O nascimento assim
como a graduação do bullying está diretamente ligado ao comportamento
da vítima. O bullying é subjetivamente relacional (ou seja: está
relacionado com alguém). Não existe bullying sem um agressor e uma
vítima, sem um dominador e um dominado.
Quando a vítima apresenta uma reação assertiva
(afirmativa, positiva, enérgica, psicologicamente bem estruturada) frente a uma
agressão ou a uma brincadeira, normalmente não nasce o fenômeno do
bullying. Se as agressões se perpetuam e a vítima passa a ter um
comportamento negativo (não reativo), surge tal processo, que pode alcançar
níveis assombrosos de vitimização psicológica (e até mesmo de letalidade)
(Ortega, em Ortega coord.: 2010, p. 19).
O bullying configura uma subcategoria de
violência bem específica que, de brincadeira, não tem nada. Estudado
aqui em seu âmbito escolar, abrange muito mais do que desentendimentos
cotidianos escolares e problemas estudantis, visto que ele representa um
verdadeiro processo maléfico às vítimas nele inseridas, podendo, inclusive, ser
fatal.
Sem sombra de dúvida cabe afirmar que o problema
do bullying nunca teve tanta visibilidade como agora, inclusive no
Brasil, sobretudo depois da tragédia do Realengo (RJ), em 2011. Hoje se pode
dizer que é infinita a quantidade de pesquisadores e pesquisas no mundo todo
voltados para a detecção e entendimento do tema (Ortega, em Ortega coord.: 2010,
p. 15 e ss.). Existe um certo consenso no sentido de que o fenômeno do
bullying já está definitivamente identificado (e estudado). A questão
crucial consiste em como preveni-lo, como controlá-lo. De outro lado, como
definir os programas de contenção dessa violência, observando-se que a eficácia
de cada programa está sempre condicionada ao seu contexto (político,
educacional, escolar, econômico etc.).
A escola tem por missão inerente contribuir para
o crescimento e desenvolvimento de uma pessoa equilibrada, sensata, solidária e
segura, porém, nem sempre isso é o que acontece, porque ela também é fonte de
muitos conflitos interpessoais. Tanto os órgãos nacionais como os internacionais
proclamam que a escola tem como prioridade a educação para a paz, para a
tolerância e para a não violência. Ocorre que a escola, o método de ensino e o
próprio sistema educacional passam por momentos difíceis, tendo em vista a
conflitividade (superficialidade, transitoriedade) imanente ao mundo
globalizado, que acaba desaguando para dentro das escolas.
O fenômeno do bullying não é novo,
porém, a cada dia ele ganha mais notoriedade. Daí ser incompreensível que os
agentes da educação (diretores, coordenadores, professores, psicopedagogos etc.)
e os pais não conheçam tudo que já foi estudado sobre esse assunto. A massa de
informação já disponível sobre o tema poderia (pode) desempenhar um papel
incrivelmente preventivo e contensivo, o que significa salvar vidas ou, no
mínimo, comportamentos indesejados e nefastos (que impedem o normal
desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, quando o fenômeno
tem esses sujeitos como vítimas).
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e do
atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas redes sociais: www.professorlfg.com.br.
** Colaborou Natália Macedo Sanzovo – Advogada,
Pós Graduanda em Ciências Penais, Coordenadora e Pesquisadora do Instituto
Avante Brasil.
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