Não existe norma expressa que permita ao Ministério Público fazer
investigação e instrução criminal preparatória ou preliminar da ação penal
condenatória. Essa suposta permissão — sempre implícita — surge deduzida de
diversos preceitos legais.
Tira-se a existência do procedimento, por exemplo, da Constituição da
República, do Código de Processo Penal, do Código Eleitoral, da Lei dos Crimes
Contra o Sistema Financeiro, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e
da Lei Orgânica do Ministério Público da União. A estrutura, a armação legal
não convence.
Desponta, logo, dificuldade invencível quanto ao aludido procedimento
administrativo criminal interno. No sistema do direito processual penal, o
procurador da República e o promotor de Justiça não se consideram autoridade.
Eles não podem presidir auto de prisão em flagrante delito, nem usar o
instituto da voz de prisão. Não se admite que, em certos casos, concedam
fiança. Não se aceita que solicitem do Poder Judiciário, para si, autorização
ou cumpram, de modo direto, mandado judicial de busca e de apreensão. Não
guardam poder de ordenar a restituição, quando cabível, de coisa apreendida.
Eles não podem, muito menos, pretender a infiltração de agentes seus, em
tarefas de investigação. Autoridade, na fase extrajudicial da persecução penal,
denominada procedimental, ou de inquérito policial é quem pode exercer, por
inteiro, as funções de polícia judiciária, tal como marcadas na Lei Maior.
Precisa o Ministério Público, por isso, no correr do pretendido
procedimento investigatório e instrutório, que instaurou, requisitar o concurso
da polícia judiciária, federal ou estadual. O procedimento, assim, torna-se
híbrido, causando tumulto na justiça criminal.
Qual o motivo de se desejar que o MP ponha em prática esse procedimento
administrativo criminal interno? Nunca se ofereceu boa resposta, conforme a
razão. Fala-se em ineficiência e em desconfiança da atividade da polícia judiciária,
federal e dos Estados. Se é assim, importa lembrar que o controle externo das
polícias judiciárias consiste em atribuição constitucional do próprio
Ministério Público.
Em síntese, procuradores da República e promotores de Justiça precisam
dos serviços das autoridades policiais para levar avante o pretenso
procedimento preparatório, que venham a iniciar. Polícia judiciária, havida por
não ser confiável, os secundando, não obstante fiscalizada e corrigida, de
maneira externa, pelo MP.
Ainda há a dúvida de quem faria o controle interno do mencionado
procedimento administrativo ministerial, operacionalizado pela polícia
judiciária, a mando e comando dos procuradores e promotores.
O artificialismo da idéia, de imaginada atuação administrativa interna do
Ministério Público, para a apuração de infrações penais e respectiva autoria,
rompe com a lógica. Mostra-se suspeita de outra destinação, para além da
propalada busca de eficiência.
A acusação formal, clara e fiel à prova, é garantia de defesa, em juízo,
do acusado. Espera-se, então, imparcialidade por parte do acusador público.
Tanto que se permite argüir-lhe a suspeição, impedimento, ou outra
incompatibilidade com determinada causa penal. É o que se encontra na Lei do
Processo. Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema
vigorante, pode comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura
orientada de prova, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com
abandono, até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade viciada desatende
à justiça.
O envolvido jamais deve ser tratado como estranho, em procedimento
preparatório ou preliminar. Afastá-lo, para obstar o exercício do direito de
defesa, que não se confunde com o contraditório, quebranta a Constituição da
República. Ocultar-lhe as intercorrências, durante o procedimento
administrativo, impede a descoberta da verdade criminal atingível, a dano da
sociedade e da ética administrativa.
Não se pode inventar atribuição nem competência contrariando a Lei
Magna. A atuação administrativa interna do Ministério Público, federal ou
estadual, não há de fazer as vezes de polícia judiciária. Cada qual desempenhe
sua específica função, no processo penal, em conjugação com o Poder Judiciário.
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (*): doutor em Direito pela USP e
professor de Processo Penal na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
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