por Sérgio Marcos de Moraes Pitombo
Não existe norma expressa que permita ao Ministério Público fazer investigação e instrução criminal preparatória ou preliminar da ação penal condenatória. Essa suposta permissão — sempre implícita — surge deduzida de diversos preceitos legais.
Tira-se a existência do procedimento, por exemplo, da Constituição da República, do Código de Processo Penal, do Código Eleitoral, da Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e da Lei Orgânica do Ministério Público da União. A estrutura, a armação legal não convence.
Desponta, logo, dificuldade invencível quanto ao aludido procedimento administrativo criminal interno. No sistema do direito processual penal, o procurador da República e o promotor de Justiça não se consideram autoridade.
Eles não podem presidir auto de prisão em flagrante delito, nem usar o instituto da voz de prisão. Não se admite que, em certos casos, concedam fiança. Não se aceita que solicitem do Poder Judiciário, para si, autorização ou cumpram, de modo direto, mandado judicial de busca e de apreensão. Não guardam poder de ordenar a restituição, quando cabível, de coisa apreendida.
Eles não podem, muito menos, pretender a infiltração de agentes seus, em tarefas de investigação. Autoridade, na fase extrajudicial da persecução penal, denominada procedimental, ou de inquérito policial é quem pode exercer, por inteiro, as funções de polícia judiciária, tal como marcadas na Lei Maior.
Precisa o Ministério Público, por isso, no correr do pretendido procedimento investigatório e instrutório, que instaurou, requisitar o concurso da polícia judiciária, federal ou estadual. O procedimento, assim, torna-se híbrido, causando tumulto na justiça criminal.
Qual o motivo de se desejar que o MP ponha em prática esse procedimento administrativo criminal interno? Nunca se ofereceu boa resposta, conforme a razão. Fala-se em ineficiência e em desconfiança da atividade da polícia judiciária, federal e dos Estados. Se é assim, importa lembrar que o controle externo das polícias judiciárias consiste em atribuição constitucional do próprio Ministério Público.
Em síntese, procuradores da República e promotores de Justiça precisam dos serviços das autoridades policiais para levar avante o pretenso procedimento preparatório, que venham a iniciar. Polícia judiciária, havida por não ser confiável, os secundando, não obstante fiscalizada e corrigida, de maneira externa, pelo MP.
Ainda há a dúvida de quem faria o controle interno do mencionado procedimento administrativo ministerial, operacionalizado pela polícia judiciária, a mando e comando dos procuradores e promotores.
O artificialismo da idéia, de imaginada atuação administrativa interna do Ministério Público, para a apuração de infrações penais e respectiva autoria, rompe com a lógica. Mostra-se suspeita de outra destinação, para além da propalada busca de eficiência.
A acusação formal, clara e fiel à prova, é garantia de defesa, em juízo, do acusado. Espera-se, então, imparcialidade por parte do acusador público. Tanto que se permite argüir-lhe a suspeição, impedimento, ou outra incompatibilidade com determinada causa penal. É o que se encontra na Lei do Processo. Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura orientada de prova, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com abandono, até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade viciada desatende à justiça.
O envolvido jamais deve ser tratado como estranho, em procedimento preparatório ou preliminar. Afastá-lo, para obstar o exercício do direito de defesa, que não se confunde com o contraditório, quebranta a Constituição da República. Ocultar-lhe as intercorrências, durante o procedimento administrativo, impede a descoberta da verdade criminal atingível, a dano da sociedade e da ética administrativa.
Não se pode inventar atribuição nem competência contrariando a Lei Magna. A atuação administrativa interna do Ministério Público, federal ou estadual, não há de fazer as vezes de polícia judiciária. Cada qual desempenhe sua específica função, no processo penal, em conjugação com o Poder Judiciário.
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (*): doutor em Direito pela USP e professor de Processo Penal na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
* Último artigo escrito por Pitombo antes de morrer.
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