domingo, 31 de março de 2013

A Análise da Antijuridicidade da Conduta pelo Delegado de Polícia, sob a Perspectiva da Teoria dos Elementos Negativos do Tipo Penal


A Análise da Antijuridicidade da Conduta pelo Delegado de Polícia, sob a Perspectiva da Teoria dos Elementos Negativos do Tipo Penal

                                                                           Paulo Braga Castello Branco

                                                                                                       Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo.    

Sumário: I – A protocooperação do direito penal e processo penal; II – As teorias do Tipo Penal Acromático, da Ratio Cognoscendi e da Ratio Essendi; III – A análise da exclusão de ilicitude pelo delegado de polícia à luz da teoria dos elementos negativos do tipo penal; IV – Conclusão; V - Bibliografia.

Resumo: o presente artigo objetiva investigar a possibilidade teórica do delegado de polícia realizar o juízo de valoração da ilicitude da conduta no inquérito policial, sob a lente da teoria dos elementos negativos do tipo penal.

Palavras chave: auto de prisão em flagrante; causas excludentes de antijuridicidade; delegado de polícia; Ratio Essendi; Elementos negativos do tipo penal.

 

I – A protocooperação do direito penal e do processo penal

 

Atualmente, não podemos cogitar o direito penal e o processo penal como se existisse uma cortina de chumbo entre os institutos. É preciso que as teorias criadas para servir ao direito penal também encontrem eco nos campos do processo penal. É crucial um diálogo mais vivo entre as duas disciplinas, que, no fundo, são manifestações do mesmo fenômeno: o magistério punitivo estatal.

Não é novidade para ninguém, afirmar que o direito penal asfixia-se longe da atmosfera do processo penal, já que esse é o caminho necessário para a determinação de pena. O direito penal sem a imperativa instrumentalização do processo seria tão eficiente como um leão sem dentes. O processo penal, por seu turno, tampouco, sobrevive longe dos raios do direito penal, já que não é um fim si mesmo. Não existe processo penal para nada, mas, para a aplicação concreta do direito penal.

Pois bem, a intercessão que buscamos entre os dois institutos tem a ambição de ir além dessa protocooperação. O diálogo das fontes deve ser mais borbulhante, mais simbiótico. Os dicionários conceituam a simbiose como:

a associação de dois ou mais seres de espécies diferentes, que lhes permitem viver com vantagens recíprocas e os caracteriza como um só organismo.”

Devemos olhar para o direito penal e processo penal como engrenagens de um mesmo sistema punitivo, responsável pela imputação de condutas (ações e omissões) e responsabilização através da sanção criminal.  Compreendida a noção que o direito penal e o processo penal são momentos do mesmo fenômeno torna-se mais aberto o diálogo entre as teorias materiais e processuais, que não se circunscrevem, ao direito penal e processual, respectivamente.

Assim sendo, um dos espíritos que anima esse singelo artigo é estimular a interpretação de categorias penais e processuais numa relação de intercâmbio com o fim de racionalizar a potestade punitiva estatal. Noutro giro verbal, a pergunta que surge é: se adotarmos determinada perspectiva teórica na dogmática penal, como isso influenciará a marcha do processo penal?

Paulo Queiroz ao comentar a relação entre direito penal e processo penal afirma que:

“O processo penal nada mais é do que um continuum do direito penal, ou seja, é o direito penal em movimento, e, pois, forma uma unidade (...) Por isso é que entre o direito penal e o processo penal há uma relação de mútua referência e complementaridade, visto que o direito penal é impensável sem um processo penal (e vice-versa). Daí dizer Calmon de Passos que a relação entre direito material e processo não é uma relação de apenas meio e fim, isto é, instrumental, mas uma relação integrativa, orgânica, substancial (...) exatamente por isso, os princípios e garantias inerentes ao direito penal (legalidade, irretroatividade da lei mais severa etc) devem ser aplicados, por igual, ao processo penal, unitariamente, não cabendo fazer distinção no particular.”

Juarez Cirino dos Santos também enraíza o direito processual penal ao material quando no estudo da norma no tempo.  Entende pela possibilidade de leis processuais penais retroagirem em benefício do acusado. Senão vejamos:

“a teoria minoritária subordina as leis processuais penais à proibição de retroatividade em prejuízo do réu, sob o argumento que o princípio constitucional da lei penal mais razoável condiciona a legalidade processual penal, sob dois pontos de vista: b1) primeiro, o primado do direito penal substancial determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação (assim como o subsistema de indiciamento e de execução penal), porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva; b2) segundo, o gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei processual penal, regidas pelo mesmo princípio fundamental”.  

Pensamos que essa reflexão integracionista não é uma doutrina isolada, como um prego no centro de uma mesa de redonda de madeira, mas uma linha de pensamento que desenhará soluções para problemas não resolvidos até então. Estamos acostumados a pensar soluções penais para problemas penais; soluções processuais para problemas processuais.

Vale lembrar, que essa forma de buscar soluções, que transcendem “as regras” da lógica do problema inspirou a lenda do Nó de Górdio:

“Alexandre o Grande, depois de conquistar a Frígia, ocupou a Cidade de Górdio. Lá ele viu uma carroça, cujo jugo estava amarrado com uma casa de sorveira. Explicaram-lhe que, segundo uma antiga tradição, tida pelos bárbaros como certa, o destino reservara o império do universo ao homem que desatasse aquele nó. O nó era tão bem feito e se compunha de tantas voltas que não podia percebe-lhe as pontas. Alexandre, a dar crédito, à maior parte dos historiadores, não conseguindo desatá-lo, cortou-o com um golpe de espada, pondo diversas pontas em evidência.” (Plutarco, Clássicos Ilustrados, Alexandre e César, a vida comparada dos maiores guerreiros da Antiguidade. Ed. Prestígio pág.53).

De acordo com a lenda, o que fez Alexandre se não propor uma nova resposta a um problema sempre pensando dentro da mesma dimensão? Todos os desafiantes sempre procuraram as pontas do nó para desatá-lo com as mãos, mas nunca conseguiram resolvê-lo, porque o nó era impossível de desfazimento. Alexandre, simplesmente, o cortou com uma espada, porque seu raciocínio não estava limitado às vias ordinárias para enfrentar o problema. Foi capaz de propor uma solução nova para um desafio antigo.

Nesse horizonte, segue uma interpretação protocooperativa entre o direito penal e processo penal, que tomará como linha de costura a teoria da Ratio Essendi, pensada até então somente nas circunferências do direito penal.

II - As teorias do Tipo Penal Acromático, da Ratio Cognoscendi e da Ratio Essendi.

O conceito de crime trabalhado pelo direito penal é o conceito analítico. Conforme preleciona Luiz Alberto Machado é um conceito “molecular”, uma vez que a fórmula do crime é decomposta em fato típico, ilícito e culpável. Assim, o estudo da compreensão do crime não seria muito diferente do estudo da água, que não é simplesmente uma substância líquida, mas a composição de moléculas de hidrogênio combinadas moléculas de oxigênio. (Uma Visão Material do Tipo. Ed. Lumen)  

Muito bem, dentro das cavidades do conceito analítico de crime a doutrina procura estabelecer, através de arranjos teóricos, quão intensamente o fato típico se comporta em relação à antijuridicidade. Noutros dizeres, existe juízo de valor entre essas duas esferas do crime? Como o tipo penal e a ilicitude se comportam entre si?

Basicamente são estendidas três linhas de pensamento. Primeiramente, podemos destacar a teoria do tipo penal acromático. Nesse diapasão nos ensina Juarez Tavares:

“Em vez de perquirir se existe uma causa que exclua a antijuridicidade, porque o tipo de injusto já a indicia, o que constitui uma presunção júris tantum de ilicitude, deve-se partir de que só se autoriza a intervenção se não existir em favor do sujeito uma causa que autorize a sua conduta. Neste caso, o tipo não constitui indício de antijuridicidade, mas apenas uma etapa metodológica de perquirição acerca de todos os requisitos para a intervenção do Estado possa efetivar-se”.

A teoria do tipo penal acromático rompe com aquela acepção clássica trazida pela teoria da Ratio Cognoscendi, na qual o tipo penal constitui um indício da antijuridicidade. Mayer inclusive se valia da metáfora da fumaça e do fogo, para explicar que o tipo penal se comportaria como fumaça ao passo que antijuridicidade como fogo. Logo, onde há fumaça provavelmente há fogo. Nessa latitude, a realização de um fato típico sugere que o mesmo seja antijurídico. A teoria do tipo penal indiciário, inexplicavelmente, é majoritária no quadro doutrinário penal.

Nesse ponto interrogativo as tramas do direito penal e o processual penal devem se interligar.

Como conviver com a presunção indiciária da ilicitude do fato típico, num sistema processual que consagra o princípio constitucional da presunção de inocência? As implicações processuais dessa teoria de colorido eminentemente penal traz consequências nefastas para a regra de tratamento processual destinada ao réu, que é presumidamente inocente das acusações. Aliás, esse princípio muitas vezes provoca risos sardônicos ou ironias maldosas para os discursos punitivistas. Um dos motivos reside na irreflexão da adoção automática da teoria da Ratio Cognoscendi, para explicar o comportamento do tipo penal e da ilicitude. O direito penal, antes mesmo do processo penal, já é pensado na ótica do in dúbio pro injusto.  O prof. Juarez Tavares não deixou a crítica passar em branco:

“caso se presuma que toda ação, embora criminosa, não possa ser atribuída com essa qualificação a alguém, antes que se verifiquem todas as possibilidades de sua exclusão, isto implica uma alteração na estrutura e interpretação tanto das normas processuais penais quanto das normas penais. Em virtude disso, não se pode considerar indiciado o injusto pelo simples fato da realização do tipo, antes que se esgote em favor do sujeito a análise das normas que possam autorizar a sua conduta.”

Superada a teoria da Ratio Cognoscendi, nossas baterias apontam rumo à teoria da Ratio Essendi, cujo mais conhecido arauto foi Mezger. Em linhas de resumo, podemos afirmar que essa teoria prega que a antijuridicidade é tipificada. Nessa senda, o tipo penal é forjado pelo revestimento da antijuridicidade, formando o tipo total (ou global) de injusto. Nessa quadratura, não há que se falar que o tipo penal é um indício de antijuridicidade, eis que não se pode indiciar aquilo que é. Na pegada dessa corrente elaborou-se a teoria dos Elementos Negativos do Tipo Penal.

Essa teoria alinha a antijuridicidade como uma faceta negativa do tipo penal. Explicando melhor, o tipo penal seria composto por duas escamas. A primeira, por elementos sensíveis à percepção sensorial, ex: “matar alguém, subtrair coisa alheia móvel, etc”; já na segunda escama do tipo (invisível aos olhos) estariam previstas as causas de exclusão da ilicitude, que também são elementos do tipo penal (negativos). Dessa forma, uma vez configurados os elementos constitutivos de uma causa de exclusão da ilicitude fulminar-se-ia a própria tipicidade da conduta do agente, porque as causas de exclusão da ilicitude funcionariam como a antítese do tipo penal. Brincando com a metáfora de Mayer poderíamos dizer que tipicidade e antijuridicidade se comportam como fogo e gelo.

Essa teoria não é muito explorada nas obras de direito penal, contando com poucos simpatizantes. A título de exemplo, podemos citar os doutrinadores Juarez Cirino dos Santos, Miguel Reale Jr. e Paulo Queiroz. Aliás, vale destacar, que o prof. Paulo Queiroz invoca a teoria dos elementos negativos do tipo penal (consectária lógica da Ratio Essendi) para explicar a natureza das descriminantes putativas como erro de tipo.

Como afirmado acima, a teoria da Ratio Essendi  não impera  na dogmática penal. Juarez Tavares critica a aludida teoria. De acordo com o seu magistério essa teoria apresentaria problemas nos seguintes termos:

“A alteração da estrutura sistemática do delito, tomada exclusivamente no aspecto dogmático, torna confusa sua metodologia ao mesclar novamente componentes que requisitaram anos de esforço para a sua autonomia e configuração científica, sem nenhum resultado prático que possa influir na melhor proteção à liberdade individual. Neste terreno representa um retrocesso.”

Tamanho é o brilhantismo intelectual do autor que ficamos corados de pensar diferente.  Pensamos que a teoria da Ratio Essendi pode ser aproveitada de forma a produzir consequências no processo penal e gerar efeitos práticos além dos feudos do direito penal.

A teoria da Ratio Essendi permite a verificação de seus reflexos na primeira fase da persecução penal.

 

III -  A análise da exclusão de ilicitude pelo delegado de polícia à luz da teoria dos elementos negativos do tipo penal

É comum para os donos do discurso do processo penal afirmar que o delegado de polícia não está autorizado a valorar o fato. Deve apenas se limitar a realizar o juízo de tipicidade formal sobre a conduta, como se fosse simplesmente um braço mecânico da lei. Nada mais equivocado.

O delegado de polícia funciona como uma verdadeira membrana seletiva das infrações penais (com todas as suas etapas metodológicas) e não da carcaça da tipicidade.  O papel do delegado de polícia é de juiz do fato. Não é o juiz das linhas do processo, mas do fato bruto. É o delegado de polícia o operador do direito que olha no branco dos olhos da criminalidade e deve decidir acerca da tipificação da conduta em raios de segundos. Conforme leciona o prof. Antonio Mestre Jr. o delegado está para o médico da emergência dos hospitais. Recebe os pacientes no plantão ensanguentados, por vezes nos estertores da morte, e deve fazer o imperativo para salvá-los. Anestesiar. Imobilizar. Rasgar. Costurar. Proteger a vida como puder. 

Negar a possibilidade de valoração da ilicitude do fato ao delegado de polícia é despi-lo das ferramentas mínimas para tornar a toca do inferno menos abafada para o personagem do caso penal.

O prof. Mario Leite de Barros Filho adverte acerca da gravidade de não conferir ao delegado de polícia os instrumentos mínimos necessários para a valoração total do fato.  Segundo as suas lições, o engessamento da convicção jurídica do delegado abre espaço para o terreno das injustiças florescer:

Isto significa que pessoas inocentes permanecem presas na companhia de criminosos de alta periculosidade, até que o Poder Judiciário aprecie o caso (...) Assim, o pai que surpreende e mata o criminoso estuprando sua filha ou a pessoa que reage ao crime de roubo e mata o assaltante, não cometem crime, sob o aspecto formal, porque tais condutas estão acobertadas por uma excludente de ilicitude.(...) Entretanto, estas pessoas, apesar de não terem cometido delito, sob o aspecto formal, continuam sendo injustamente autuadas em flagrante, porquanto a legislação vigente não permite que a autoridade policial verifique, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, a existência de alguma causa de exclusão da antijuridicidade.

 Alguns autores, por todos André Nicolitt, até admitem a possibilidade do delegado de polícia ir além da tipicidade formal, e exercer um grau de valoração mais elevado realizando o juízo de tipicidade material, o que representa uma valoração acerca da lesividade da conduta em face do bem jurídico tutelado. No entanto, dificilmente admitisse que o Delegado realize o juízo de ilicitude acerca fato. 

Eduardo Augusto Paglione bem evidencia a sensibilidade da problemática:

 “De acordo com esta norma (art.310, pu,CPP), a análise da excludente não poderia ser feita pela autoridade policial, que deveria lavrar o auto e remetê-lo à autoridade judiciária. Esta, após ouvido o órgão do Ministério Público, decidiria a respeito. Essa é a posição adotada, por exemplo, por Borges da Rosa (1942, p. 241). Não é fácil encontrar jurisprudência a respeito, o que pode sugerir que a questão é mais teórica que prática. Não é bem assim, todavia. Na realidade dos plantões policiais, muitos delegados de polícia já se depararam com problema semelhante e acabam tendo de decidir, por exemplo, se prendem em flagrante um pai de família que golpeou mortalmente um assaltante armado que invadiu sua casa; ou a vítima de estupro que consegue esganar seu violentador.”

Cumpre esclarecer, que a míngua de previsão expressão para a realização do juízo de antijuridicidade, o prof. Eduardo Augusto Paglione acena pela possibilidade do delegado de policia exercer o juízo de ilicitude  à luz de uma interpretação a contra sensu do art.304, pgr.1º, CPP.  Nesse panorama não se documentaria a prisão captura daquele que não é suspeito. Trata-se de uma interpretação teleológica do dispositivo processual penal.

Voltando aos ares do direito penal. A adoção da teoria da Ratio Essendi permite que os delegados de polícia realizem o juízo da ilicitude do fato, com uma argumentação doutrinária bem convincente, independentemente de previsão legal expressa, já que fruto de processo hermenêutico.

Uma vez transportada para as entranhas do tipo penal as causas de ilicitude da conduta, nos depararemos com duas possibilidades: ou o fato é típico e ilícito, ou o fato é atípico e lícito, caso os elementos negativos do tipo penal não sejam satisfeitos. Seja como for, o delegado ao analisar a tipicidade da conduta sempre a reboque fará um juízo sobre a ilicitude do fato, que é da essência do tipo penal (Ratio Essendi).

Simplificando: a concepção de tipo total de injusto traz a discussão da análise da ilicitude para o ventre do tipo penal. A ilicitude existe, se, enquanto ilicitude tipificada. Assim, para a aferição da tipicidade do comportamento seria insuficiente a análise do tipo objetivo, sendo indispensável a análise dos elementos negativos do tipo penal, que seriam as causas de exclusão da ilicitude.  Ora, nunca se protestou contra o delegado de polícia tipificar a conduta. Na ótica da teoria da Ratio Essendi, para a tipificação da conduta é fundamental a análise das causas de exclusão da ilicitude, que estão pregadas ao tipo penal, sendo, portanto, elementos negativos do tipo.

Por fim, para não fugirmos do debate, compete enfrentarmos o dispositivo do art.310 do CPP:

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: 

I - relaxar a prisão ilegal; ou   

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou   

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.   

Diante de uma interpretação literal da redação do caput do art.310, pode-se concluir que compete apenas ao juiz o domínio da apreciação das causas justificantes da conduta. No entanto, diante de uma interpretação prospectiva do texto do CPP, compromissada com a realização do projeto constitucional, aonde a liberdade é a regra e a prisão a exceção, esse monopólio da valoração é aparente.

O delegado de polícia ao realizar o juízo de tipicidade da conduta à luz da teoria da Ratio Essendi, não se limita ao epitélio da tipicidade formal, mas a tipificação do injusto penal (fato típico + ilícito).  Assim, uma vez não satisfeitos os elementos negativos do tipo penal (leia-se: as causas de exclusão da ilicitude), não há que se falar em lavratura do auto de prisão em flagrante, porque não se está, a princípio,  diante de um fato criminoso.  Logo, se não há auto de prisão em flagrante lavrado, não há que se falar em incidência do art.310 do CPP, que é um dispositivo que guarda causalidade com a prisão em flagrante.

Não estamos sustentando, para espancar qualquer sombra de dúvida, que o delegado de polícia possa absolver sumariamente o indivíduo. Esse poder pertence ao magistrado. O delegado de polícia apenas não documentaria a prisão em flagrante de alguém que, num primeiro momento, não realizou um fato criminoso. Isso não quer dizer, que posteriormente o caso penal não será investigado pela autoridade policial. 

IV - Conclusão

Essa concepção de situar a questão não é uma tentativa de inflar os poderes da autoridade policial, mas ao contrário, trata-se de ampliar o leque de instrumentos libertários através de uma teoria de berço penal, como instrumento de garantia do cidadão na primeira fase da persecução penal. Afinal, faz sentido o Delegado lavrar o auto de prisão em flagrante mesmo quando diante de um fato claramente atípico (lícito)? Qual o prejuízo para o suposto envolvido? Privá-lo do estigma do processo penal? Em suma, a teoria da Ratio Essendi traz importantes ventos na contribuição para a contenção e redução de desvios da persecução penal.

V – Bibliografia

ANDRÉ NICOLITT, Manual de Processo Penal, 3ª edição. 2012. Rio de Janeiro, Editora Elsevier.

EDUARDO AUGUSTO PAGLIONE,  A prisão em Flagrante e as Causas Excludentes da Antijuridicidade, http://adpesp.org.br/artigos_exibe.php?id=44

JUAREZ CIRINO DOS SANTOS. Direito Penal, Parte Geral. 3a Edição. 2008. Rio de Janeiro, Editora: Lumen Juris/ICPC.

JUAREZ TAVARES. Teoria do Injusto Penal, 2002, 2ª Edição. Belo Horizonte. Editora Del Rey.

LUIZ ALBERTO MACHADO. Uma Visão Material do Tipo, Rio de Janeiro 2009, Ed. Lumen Juris.

MÁRIO LEITE DE BARROS FILHO, Da Análise das Excludentes de Antijuridicidade pelo Delegado de polícia; http://adpesp.org.br/artigos_exibe.php?id=183

PAULO QUEIROZ. Direito Penal. Parte Geral, 6ª edição, Rio de Janeiro, 2009 Ed. Lumen.

PLUTARCO, CLÁSSICOS ILUSTRADOS, ALEXANDRE E CÉSAR. A vida comparada dos maiores guerreiros da Antiguidade. Ed. Prestígio.

PORTAL DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, Disponível em: http://www.dicio.com.br.

 

 

 

 

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