LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorlfg.com.br
“Toda a humanidade antiga está cheia do
respeito ‘Ao espectador’, porque este mundo estava feito para os olhos e não
podia conceber-se a felicidade sem espetáculos e sem festas. Até o grande
castigo, repito, era uma festa” (Nietzsche, A genealogia da moral, p. 68).
Por que o castigo era (na pré-história) e ainda
hoje é uma festa? Porque ele retrata uma vingança, que é prazerosa. O cérebro
humano está sempre predisposto (programado) para três coisas: sobrevivência
(busca por alimentos), procriação (sexo) e diversão (jogos e o prazer da
vingança).
Muita gente, para não dizer a quase totalidade
dos telespectadores, adora ver programas midiáticos policias (às vezes
policialescos) ou violentos não para ver sangue, não para, no final, se sentir
aliviado porque toda aquela desgraça não aconteceu com ele. Não é nada disso ou
não é somente isso.
Por quê, então? Para ver se, no final, o culpado
vai ser devidamente punido e qual vai ser o castigo. A relação culpa-castigo é
muito ancestral. A ideia de que todo culpado ou devedor que não cumpre sua
promessa tem que ser punido vem da pré-história. Todas as vezes que nos
deparamos com um criminoso (ou devedor que não cumpre a promessa) surge o
sentimento de vingança, que leva à necessidade, antes de tudo psicológica, de
aplicação de um castigo. E que esse castigo seja o mais intenso possível, o mais
doloroso que se possa.
Por quê? Porque o homem animal tem que gravar na
sua memória o castigo (doloroso) para aprender a não fazer o errado, para não
ser malvado, para não danificar terceiros. O castigo funciona como instrumento
de “domesticação” da besta humana.
E “como é que se pode imprimir no animal homem,
nesta inteligência de momento, obtusa e turva, nesta encarnação do esquecimento,
algo com caracteres tão fundos, que sempre permaneçam presentes? Este problema
tão antigo, como se pode imaginar, não se resolveu por meio de respostas suaves;
talvez na pré-história do homem não haja nada mais terrível que a sua
mnemotécnica” (Nietzsche, A genealogia da moral, p. 60).
E o que se entende por mnemotécnica?
Nietzsche (p. 60) responde: ‘Imprime-se algo por
meio de fogo para que fique na memória somente o que sempre dói’, este é um
axioma da mais antiga psicologia, e infelizmente o que mais durou [agregaríamos:
e o que mais dura].
É esse duro castigo (como fruto da vingança), que
deve gerar dor, o possível fio condutor que leva muita gente a seguir os
programas midiáticos policiais ou violentos. Para ver esse castigo (vingança) o
telespectador é capaz de esperar horas e horas (às vezes dias, semanas ou
meses). O ato da violência serve para revolvimento das nossas emoções, como
reforço das nossas convicções morais tendentes à necessidade do castigo. As
mídias, como ninguém, sabem explorar essas reações emotivas ou vingativas, que
são atávicas.
Quanto mais justiceiros somos, mais dor
queremos?
Nietzsche (p. 60) responde: “Poderíamos dizer
que, onde quer que na vida dos homens e dos povos há solenidade, gravidade,
mistério e cores sombrias, fica um vestígio de espanto que noutro tempo presidia
às transações, aos contratos, às promessas: o passado, o longínquo, obscuro e
cruel passado, ferve em nós quando nos pomos graves” [vingativos,
justiceiros].
A dor, então, faz parte da mnemotécnica?
A resposta é positiva, conforme Nietzsche (p.
60): “Noutro tempo, quando o homem julgava necessário criar uma memória, uma
recordação, não era sem suplício, sem martírios e sacrifícios cruentos; os mais
espantosos holocaustos e os compromissos mais horríveis (como o sacrifício do
primogênito), as mutilações mais repugnantes (como a castração), os rituais mais
cruéis de todos os cultos religiosos (porque todas as religiões foram em última
análise sistemas de crueldade), tudo isto tem a sua origem naquele instinto que
descobriu na dor o auxílio mais poderoso da mnemotécnica”.
O único reparo a ser feito nessa esclarecedora
lição de Nietzsche é que tudo isso não é coisa somente de “outro tempo”: suas
ponderações continuam mais atuais que nunca, sobretudo em sociedades que já
nasceram sem conhecer outra forma de convivência que não fosse a violência,
como é o caso da brasileira, que brotou sob o signo da violência entre os índios
ou entre estes e os europeus que para cá vieram (Weffort, Espada, cobeça e
fé, p. 16) (…); sobram nos primeiros séculos exemplos de violência de para
a parte (p.17); “Encontrei a terra toda em guerra”, disse Mem de Sá.
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