LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorlfg.com.br.
2012 já pode ser considerado o ano em que a
“guerra americana contra as drogas”, declarada em 1971, por Richard Nixon, mudou
de rota. Sete acontecimentos merecem destaque: (a) a legalização da maconha em
dois estados norte-americanos (Washington e Colorado); (b) os pronunciamentos do
presidente Barak Obama; (c) a posse do novo presidente do México que promote
alterar a política precedente necro-repressiva; (d) a proposta de legalização da
maconha no Uruguai; (e) o novo plano nacional de drogas dos EUA que enfoca o
usuário como não criminoso; (f) a recomendação da Comissão de Política para
Drogas do Reino Unido para adotar a política de drogas de Portugal e (g) a
posição do presidente da Guatemala (em favor da liberação das drogas).
Todas essas mudanças, vistas isoladamente, podem
não ter muito significado, mas enfocadas em conjunto podem estar sinalizando um
futuro completamente diferente do que vem preponderando desde a década de 70.
Atenção especial merecem as duas primeiras mudanças.
No dia 16.11.12 passou a valer a legalização da
maconha no Estado norte-americano de Washington (para fim recreativo). Desde o
dia 05.01.13 a mesma legalização vale para Colorado. Em ambos os estados será
permitida a posse de até 28,5 gramas de maconha para maiores de 21 anos. O
consumo público será punido com multa (US$ 100).
É a primeira vez que os norte-americanos
legalizam a posse e o consumo, bem como a produção e o comércio da maconha
(vitória, aliás, com boa margem de votos). Oregon recentemente e a Califórnia
anteriormente rejeitaram semelhante proposta. O uso terapêutico (medicinal) já
está adotado em 18 estados norte-americanos (17 Estados mais o distrito de
Washington). Nas eleições presidenciais de 06.11.12 o Estado de Massachusetts
também aprovou o uso medicinal.
No plano federal a posse de maconha para uso
pessoal continua proibida e punida com prisão. Nos dois estados citados está
adotada a legalização. Barak Obama disse que a perseguição de usuários de drogas
nesses estados não é política prioritária do seu governo. Em dezembro de 2012 o
instituto Public Policy Polling divulgou pesquisa nacional em que 58% dos
americanos acreditam que o uso de maconha deveria ser liberado em nível federal
(Folha de S. Paulo de 07.12.12, p. A21). Em 2011, o Gallup mostrava 50%
favorável, contra 46% contrário. “Os eleitores falaram e nós precisamos
respeitar sua vontade”, disse o governador do Colorado.
A primeira lei local que liberou a maconha para
uso medicinal é de 1996. De lá para cá, 21 dos 50 Estados norte-americanos já
promoveram algum tipo de afrouxamento legislativo. Isso não teria ocorrido se a
única via da mudança fosse alterar a norma federal (H. Schwartsman em Folha de
S. Paulo de 11.11.12, p. A2).
Em uma entrevista para Barbara Walters, dia
14.12.12, o presidente Obama disse (conforme síntese de Jorge G. Castañeda, em
El País de 31.12.12, p. 22): (a) que a aplicação da lei federal proibitiva das
drogas nos Estados de Colorado e Washington não é uma prioridade do seu governo
(melhor é perseguir os “peixes gordos”; (b) que é contra a legalização das
drogas, “neste momento” (é o primeiro presidente que sinaliza mudanças nessa
política para o futuro); (c) o país inteiro deve manter um diálogo nacional
sobre a disjuntiva entre a legalização estadual e a lei federal sobre
drogas.
No âmbito da América Latina a surpresa ficou por
conta do Uruguai (de Mujica), que está pretendendo (desde agosto de 2012) ser o
primeiro país a legalizar a maconha no nosso entorno cultural. Atualmente o
consumo de drogas já está descriminalizado no país. A droga, no entanto,
continua proibida.
Houve recuo do presidente Mujica, logo após a
divulgação de uma pesquisa em que a maioria se mostrou contra a legalização. Os
parlamentares dizem, no entanto, que o projeto terá prosseguimento (em 2013),
mas não será fácil vencer a resistência norte-americana. Até mesmo a oposição
acha boa a ideia de clubes de cultivo (não a liberalização geral, sim, clubes
privados de cultivo, tal como os existentes na Espanha).
Os defensores da política da guerra repressiva,
sobretudo ao usuário, estão perdendo várias batalhas. Cada vez mais contam com
ferrenhos opositores, no mundo todo (na Europa, sobretudo), que estão adotando
políticas alternativas, levando o usuário para o campo da saúde pública e/ou
privada. A droga continua proibida, mas o usuário deixa de ser um problema de
polícia e da Justiça criminal.
A Holanda (que é pioneira na política de
tolerância com as drogas leves, desde os anos 70) não pode servir de apoio aos
repressivistas porque ela não fechou, em 2012, os “cafés” (“coffee shops”)
especializados na venda de drogas leves, sim, apenas proibiu que sejam
frequentados por pessoas não residentes no país (pretende, com isso, evitar o
turismo das drogas).
Não se pode ter a ilusão de que a política
repressiva norte-americana vá desaparecer de uma hora para outra. Porém, como
disse Castañeda (El País de 31.12.12, p. 22), “depois de vários decênios de
repressão, sangue e criminalização, as coisas começam a mudar [sobretudo nos EUA
e na América Latina]. Que lástima que demoraram tanto”.
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