sábado, 5 de janeiro de 2013

O CNJ pode ser o divisor de águas na questão das medidas socioeducativas aplicadas aos menores em confronto com a lei!

 

Conceição Cinti*
Sabemos que o menor que pratica fato análogo a crime, para fins jurídicos, não comete crime, mas apenas ato infracional. Trata se apenas de uma opção desnecessária na terminologia, porque o menor comete sim, crime e assim como o adulto é preso e cumpre pena nas mesmas condições.

Na prática, no entanto, o menor que pratica ato infracional sofre medidas socioeducativas que, na maioria das vezes, equiparam-se a verdadeiras penas. Fazendo-se um paralelo aos condenados pela Justiça queremos alertar para alguns direitos que o reeducando precisa ter respeitado.
A Constituição Federal garante aos condenados pela Justiça (pessoas maiores que cometem crimes, com quem comparamos a situação dos reeducandos) alguns direitos. A começar pelo seguinte:

Art. 5º: XLV- “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”, isso na área civil. Entretanto, na área penal, opreceito constitucional assegura que a pena não ultrapassará da pessoa do condenado, ou seja, do autor do crime ou infração penal (no caso dos menores). Porém os operadores do direito e, principalmente os familiares dos menores em cumprimento de medidas socioeducativas, mormente, as privativas de liberdade, sabemos que na prática a situação vivenciada pelos “menores presos” em geral é inconstitucional, senão vejamos:

Com o menor em confronto com a Lei o tratamento não é diferente.

Quando se aplica uma medida socioeducativa de internação ao menor e ele poderá ser transferido para Unidades distantes de sua família, vislumbramos nesse fato uma verdadeira barbárie. Além de impedir a ressocialização pela impossibilidade de trabalhar os laços familiares, poderá comprometer letalmente a vida desse menor. Porque não há como comparar a sagacidade do menor da capital com o menor do interior. Apenas o fato dele pertencer a outro grupo (do interior), já é suficiente para ser mais “zoado”, abusado e morto mais facilmente. E quem responde por essas barbáries e possíveis mortes se o que acontece nos porões desses calabouços impera a lei do silêncio quando se trata de sumir com qualquer resquício que possa apontar um responsável por essas atrocidades?

Se para a ressocialização é necessário que a família participe da restauração do menor, o CNJ deveria proibir qualquer possibilidade de transferência desse menor, determinando que ele cumpra a medida socioeducativa na comarca em que reside. Se a Lei Maior garante que a pena não ultrapasse a pessoa do infrator, não vemos que esta garantia está sendo assegurada na hipótese, pois os pais e familiares do menor são penalizados, quando se veem impedidos de defender seus filhos porque não lhe é permitido acompanhar de perto todo o tratamento a que esses menores são submetidos. Não têm acesso fácil para visitar esse menor, quando têm notícias de supostas irregularidades praticadas contra seus filhos, nem têm o direito de falar através do telefone com seus filhos. Têm limites para levar algum suprimento alimentar diferenciado sendo que se sabe que em algumas unidades nem a quantidade nem a qualidade da alimentação servida é nutritiva o suficiente.

Aos pais que moram longe das Unidades deveria ser franqueado transporte público, assistência alimentar e acolhimento para pernoite como é o caso dos pais pobres que vêm do interior para visitar seus filhos na Capital porque os responsáveis por esses menores decidem sem pensar na condição de pobreza de sua imensa maioria.

Outro direito que deve ser assegurado ao menor é o direito à educação. De maneira ampla, a Constituição Federal prevê a educação no artigo 6º, como direitos sociais ao cidadão. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente – O ECA – reforça a norma constitucional com relação à obrigação do direito incondicional a Educação as crianças e adolescentes.

O menor, com muito mais necessidade deveria ter prioridade ao acesso à educação, independente de estar ele em conflito com a lei ou não. Digo mais. Com maior urgência, a educação aos menores em conflito com a lei deveria ser prioridade do Estado. E, como sabemos o menor reeducando nem sempre tem à sua disposição acesso a escola nem a cursos profissionalizantes que são imprescindíveis não só para sua autoestima, formação, mas, principalmente para quebrar o paradigma e melhorar sua condição de vida futura dando-lhe a oportunidade real de se tornar um profissional qualificado e com isso ter a chance de adquirir alguma autonomia financeira ainda que básica, mas que por certo terá um impacto positivo e ainda poderá evitar uma possível reincidência.

A maioria desses menores cumpre medidas socioeducativas sem nenhuma formação educacional e profissional quando é do domínio público que o trabalho e a escola dignificam e têm uma enorme relevância na restauração do ser humano. A maioria dos nossos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, hoje, são pobres, semianalfabetos, sem qualificação profissional, portanto sem nenhuma perspectiva de um futuro.

Esse tempo em que os menores passam “presos” à disposição do Estado, quase sempre em espaços físicos inadequados, ociosos e expostos aos mais diversos e perversos tipos de comandos precisam ser evitados por ser ilegal e desumano e para isso acreditamos que o CNJ possa ser o divisor de águas, para que esses menores tenham de fato e de direito acesso à ressocialização reconstruindo suas vidas para que possam retornar à sociedade com dignidade.

Porque é durante esse período de total vulnerabilidade desses menores à disposição do Poder Publico, é que lhe são subtraídos a maior parte da essência do ser humano que há nesses menores. É por essa razão que às vezes olhamos para uma criança que cronologicamente ou biologicamente é uma criança, mas já não vemos nela uma criança, tudo que conseguimos enxergar é apenas um delinquente, alguém repulsivo ao convivo social, rejeitado, porque para que se possa olhar e enxergar uma criança em alguém que já foi mutilada na sua dignidade é necessário que tenhamos a responsabilidade e a sensibilidade de enxergar na sua alma as feridas causadas pela indiferença de uma sociedade egoísta e posteriormente destroçada por um Poder Público deliberadamente fraco e inoperante para cumprir sua obrigação de acolher e tratar essas crianças e adolescentes, mas não é compromissado com a dignidade humana das pessoas de baixa renda que são a maioria dos jovens presos desse imenso país pobre.

*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Pós-graduada em Administração de Pessoas. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.br e outros renomados sites.

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