A prisão em flagrante pode ser vista como medida pré-cautelar, possibilitando a análise da necessidade da manutenção do encarceramento como forma de proteção do futuro processo. A prisão em flagrante tornar-se-ia prisão processual (cautelar) somente a partir do momento em que o juiz a converte em prisão preventiva.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico
visa analisar a natureza jurídica da prisão em flagrante, após o advento da Lei
12.403 de 04 de maio de 2011. Diante da alteração legislativa a doutrina não é
unânime no que toca a sua natureza jurídica, o que vai ser analisado ao final
do trabalho.
É certo que a Lei 12.403/11
provocou profundas alterações no Código de Processo Penal, alterado a
sistemática relativa às medidas cautelares de natureza pessoal e provocando
reflexos na prisão em flagrante delito. Anteriormente, havia o entendimento de
que a prisão em flagrante, por si só, era fundamento suficiente para que o
acusado permanecesse preso durante todo o processo, constituindo-se assim
medida de natureza cautelar. Era prevalente o entendimento de que a prisão em
flagrante era modalidade autônoma de custódia provisória, ou seja, era possível
a manutenção do sujeito no cárcere, independentemente de conversão em
preventiva após a homologação do auto de prisão em flagrante.
Com o advento da Lei 12.403/11,
caso a prisão em flagrante seja legal, o juiz deve convertê-la em preventiva ou
conceder liberdade provisória, nos casos em que a lei admite. Nesse contexto,
surgiu controvérsia na doutrina acerca da natureza jurídica da prisão em
flagrante, o que será analisada mais profundamente no presente trabalho.
2. CONCEITO DE PRISÃO EM FLAGRANTE
É uma prisão que consiste na
restrição da liberdade de alguém, independente de ordem judicial, nas hipóteses
estabelecidas no texto legal. Flagrante é o delito que está sendo cometido ou
acabou de sê-lo. Prisão em flagrante delito é, assim, a prisão daquele que é
surpreendido no momento da realização da conduta criminosa
Renato Brasileiro de Lima (2011,
p. 177), conceitua a prisão em flagrante da seguinte forma:
A expressão “flagrante” deriva do
latim “flagrare” (queimar), e “flagrans”, “flagrantis” (ardente, brilhante,
resplandecente), que no léxico, significa acalorado, evidente, notório,
visível, manifesto. Em linguagem jurídica, flagrante seria uma característica
do delito, é a infração que está queimando, ou seja, que está sendo cometida ou
acabou de sê-lo, autorizando-se a prisão do agente mesmo sem autorização
judicial em virtude da certeza visual do crime. Funciona, pois, como mecanismo
de autodefesa da sociedade.
Nas palavras de Távora; Alencar
(2011, p. 530), a prisão em flagrante delito:
É uma medida restritiva de
liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não
exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (art. 5º, inciso
LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão
do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a
autoria permitida pelo domínio visual dos fatos.
A medida é consubstanciada na
privação de liberdade de locomoção do sujeito surpreendido em situação de
flagrância. Sua execução independe de prévia autorização judicial, como se
depreende da leitura do art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal.
Para Paulo Rangel (2007, p. 585),
são exigidos dois elementos para sua configuração, quais sejam: atualidade e
visibilidade. Vejamos as palavras do autor:
A atualidade é expressa pela
própria situação flagrancial, ou seja, algo que está acontecendo naquele
momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa do ato. É
a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o
pratica. Portanto, somadas a atualidade e a visibilidade tem-se o flagrante
delito.
Das palavras do autor, acima
transcritas, infere-se que o fundamento da prisão em flagrante é justamente a
possibilidade de se constatar a ocorrência do delito de maneira clara e
evidente, sendo desnecessária para sua realização a análise de um juiz de
direito.
A prisão em flagrante visa evitar
a fuga do infrator, assegurar a colheita de provas da materialidade e da
autoria, além de impedir a consumação do delito.
3. SUJEITOS DO FLAGRANTE
Com relação ao sujeito do
flagrante delito, temos o sujeito ativo e o sujeito passivo, vejamos cada um
deles:
3.1 Sujeito ativo da prisão em flagrante
Sujeito ativo da prisão em
flagrante é aquele que realiza a prisão do sujeito encontrado em umas das
situações de flagrância previstas no art. 302 do Código de Processo Penal. Pode
ser feita por qualquer pessoa, integrante ou não da força policial. Já o condutor
é quem apresenta o preso a autoridade que presidirá a lavratura do auto, que
pode não ser aquele que efetuou a prisão.
O art. 301 do Código de Processo
Penal reza que “qualquer pessoa do povo poderá e as autoridades policiais e
seus agentes deverão prender quem que quer seja encontrado em flagrante
delito”.
A lei conferiu a possibilidade de
qualquer do povo (inclusive a própria vítima) prender aquele que for encontrado
em flagrante delito. Trata-se de flagrante facultativo, pois ao particular é
dada a opção de efetuar ou não a prisão, levando em conta risco e as
conseqüências de sua ação. Quando qualquer do povo prende alguém em flagrante,
está agindo sob a excludente de ilicitude denominada exercício regular de
direito, em consonância com o art. 23, inciso III, do Código Penal.
Quanto ás autoridade policiais e
seus agentes, a lei impôs o dever de efetuar a prisão em flagrante, não tendo
discricionariedade sobre a conveniência ou não de efetivá-la. Cuida-se do
flagrante obrigatório, devendo o agente público efetuar a prisão sob pena de
responder criminal e funcionalmente pelo seu descaso. Nesse caso, o agente age
em estrito cumprimento do dever legal, devendo efetuar a prisão durantes as 24
horas do dia, quando possível.
3.2 Sujeito passivo da prisão em flagrante
O sujeito passivo da prisão em
flagrante é a pessoa que se encontra em flagrância, ou seja, é o autor da
infração ou quem concorre na infração. Pelos menos em regra, qualquer pessoa
pode ser presa em flagrante. Existem algumas exceções constitucionais ou legais
à realização da prisão em flagrante, pois há pessoas que, em razão do cargo ou
da função exercida, não podem ser presas dessa forma, são as chamadas
imunidades prisionais.
São exemplos de imunidades
prisionais: a) diplomatas, que não são submetidos a prisão em flagrante, por
força de convenção internacional; b) Presidente da República, conforme art. 86,
§ 3º, da Constituição Federal; c) Membros do Congresso Nacional, que só podem
ser presos por crime inafiançável, conforme estabelece o art. 53, § 2º, da
Constituição Federal; d) magistrados e membros do Ministério Público, que
somente podem ser presos em flagrante por crime inafiançável, devendo a
autoridade fazer a imediata comunicação e apresentação, respectivamente ao
Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral; além de outros casos previstos
em lei.
4. ESPÉCIES DE FLAGRANTE
As espécies de prisão em
flagrante delito estão previstas no art. 302, do Código de Processo Penal. São
elas: o flagrante próprio, flagrante impróprio e o flagrante presumido.
Vejamos o disposto no art. 320,
do Código de Processo Penal:
Art. 302. Considera-se em
flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração
penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após,
pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça
presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois,
com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da
infração.
A interpretação do artigo 302 do
Código de Processo Penal é insuscetível de analogia, ou de interpretação
extensiva, pois a liberdade individual não se submete a critérios de simples
conveniência processual. Essas modalidades de prisão em flagrante se
diferenciam pelas circunstancias de tempo e modo em que é preso o sujeito ativo
da infração. Mas é certo que a lei processual penal não pode ser casuística, e,
portanto em cada hipótese que se apresente cabe ao juiz apreciá-la com muito cuidado
a fim de decidir com acerto.
Além das hipóteses disciplinadas
no Código de Processo, existem outras idealizadas pela doutrina e pela
jurisprudência, vejamos:
4.1 Flagrante próprio
Também chamado de flagrante
perfeito, real ou verdadeiro. Essa modalidade contempla duas situações, quais
sejam: aquela em que o agente é preso quando da realização do crime e quando o
agente é preso quando acaba de cometer a infração. Essas são as hipóteses
previstas nos incisos I e II do art. 302 do Código de Processo Penal, acima
transcrito.
Na primeira situação (inciso I) o
agente está em pleno desenvolvimento dos atos executórios da infração penal, é
surpreendido no momento em que está praticando o verbo núcleo do tipo penal,
devendo ter a prisão efetuada. Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 185) faz
salutar observação, ressaltado que mesmo que haja atipicidade material da
conduta a prisão deve ser realizada, vejamos:
Ainda que, posteriormente, seja
reconhecida a atipicidade material de sua conduta (v.g., por força do princípio
da insignificância), isso não tem o condão de afastar a legalidade da ordem de
prisão em flagrante, porquanto a análise que se faz, no momento da captura do
agente, restringe-se à análise da tipicidade formal.
A segunda situação (inciso II)
ocorre quando o agente é encontrado imediatamente após cometer o delito. Este é
encontrado depois de concluir a prática da infração penal, ficando clara a
materialidade do crime e da autoria delitiva.
Segundo Távora; Alencar (2011, p.
531), essa “é a modalidade que mais se aproxima da origem da palavra flagrante,
pois há um vínculo de imediatidade entre a ocorrência da infração e a
realização da prisão”. Vale ressaltar também o elevado valor probatório do
flagrante próprio, diante da certeza visual e concreta da conduta criminosa,
ainda mais quando amparada por outras provas, como a testemunhal.
4.2 Flagrante impróprio
Flagrante impróprio, também
chamado de imperfeito, irreal ou quase-flagrante, ocorre quando alguém é
perseguido, logo após, por autoridade policial ou qualquer pessoa, até mesmo o
próprio ofendido, em situação em que faça presumir ser autor da infração. O
quase-flagrante está previsto no art. 302, inciso III, do Código de Processo
Penal.
A expressão “logo após”
compreende todo espaço de tempo que flui entre o acionamento da autoridade
policial, seu comparecimento ao local e a colheita de elementos necessários
para o inicio da perseguição ao autor.
A doutrina mais abalizada entende
que carece de fundamento legal a crença popular de que a prisão em flagrante só
pode ser efetuada em até 24 horas após o cometimento do crime. Não havendo
solução de continuidade, isto é, se a perseguição não for interrompida, mesmo
que demore horas ou dias, havendo êxito na captura do acusado, estaremos diante
de flagrante delito.
Sendo assim, fica claro que no
quase-flagrante o importante é que a perseguição tenha início logos após o
cometimento do crime, podendo perdurar no tempo, desde que de forma
ininterrupta e contínua.
Como a lei não exprime o conceito
legal de perseguição, a doutrina aplica por analogia o disposto no art. 290, §
1º, do Código de Processo Penal:
Art. 290. Omissis
§ 1º - Entender-se-á que o
executor vai em perseguição do réu, quando:
a) tendo-o avistado, for
perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;
b) sabendo, por indícios ou
informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual
direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.
[...]
Vale destacar que, nessas
hipóteses de perseguição, a prisão pode ser efetuada em qualquer local, ainda
que em outro Estado da Federação, em sua casa ou em casa alheia.
4.3 Flagrante presumido
É também chamado de flagrante
ficto ou assimilado. Ocorre quando o agente é preso, logo depois de cometer a
infração, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele
o autor do delito. Essa espécie está prevista no art. 302, inciso IV, do Código
de Processo Penal.
No flagrante presumido a lei não
exige que ocorra perseguição, basta que a pessoa seja encontrada logo depois da
prática do delito com objetos quem traduzam um forte indício de autoria e
participação no crime ou contravenção.
O Superior Tribunal de Justiça
tem entendimento de que para caracterização do flagrante ficto, não há
necessidade de se demonstrar que a perseguição ocorreu imediatamente após a
ocorrência do delito, vejamos julgado nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. CRIMINAL.
FLAGRANTE PRESUMIDO. PERSEGUIÇÃO. PERDA DOS MOTIVOS DA CUSTÓDIA.
1. Não há falar em ausência de
flagrante quando a perseguição ao autor do delito se deu imediatamente ao fato
e se fez ininterrupta até a sua prisão (artigo 302, inciso III, do Código de
Processo Penal).
2. Para a caracterização do
flagrante presumido, não há a necessidade de se demonstrar a perseguição
imediatamente após a ocorrência do fato-crime, mas, sim, o encontro do autor,
"logo depois", em condições de se presumir sua ação (artigo 302,
inciso IV, do Código de Processo Penal).
3. Transcorridos vários anos
desde o relaxamento da prisão em flagrante e não tendo sido decretada a prisão
preventiva contra o réu, o restabelecimento da custódia subordina-se à
demonstração da necessidade atual da medida cautelar.
4. Recurso conhecido, mas
improvido.
(REsp 147839/PR, Rel. Ministro
HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2001, DJ 13/08/2001, p. 294)
Portanto, flagrante presumido
ocorre quando alguém é surpreendido com coisas que façam presumir que tenha ele
cometido o crime ou participado de qualquer forma do mesmo. A expressão “logo
depois” admite uma maior elasticidade no lapso temporal, quando o agente é
encontrado em condições suspeitas, aptas a autorizar a presunção de ser ele o
autor do crime, o prazo pode ser estendido por várias horas, inclusive até o
dia seguinte, se for caso.
3.3.4 Flagrante preparado ou provocado
O flagrante preparado, também
chamado de flagrante provocado, crime de ensaio, delito de experiência ou
delito putativo por obra do agente provocador, ocorre quando alguém insidiosamente
provoca o agente à prática de um delito e, simultaneamente, toma as
providências necessárias para que o crime não se consume. A execução do crime
fica assim, impossibilitada ou frustrada, ou seja, o agente provocador retira a
possibilidade de consumação, ocorrendo assim o crime impossível.
Vejamos as palavras de Távora;
Alencar (2011, p. 533) ao tratar do tema:
No flagrante preparado, o agente
é induzido ou instigado a cometer o delito, e, nesse momento, acaba sendo preso
em flagrante. É um artifício onde verdadeira armadilha é maquinada no intuito
de prender em flagrante aquele que cede a tentação e acaba praticando a
infração.
Vale também transcrever as
palavras de Paulo Rangel (2007, p. 601), que considera que o flagrante
preparado não passa de uma “peça teatral”, vejamos:
No flagrante preparado, há toda
uma montagem de um palco, onde o agente é o artista principal, porém
desconhecendo que o seja. Somente ele não sabe que, no cenário que escolheu
para praticar o crime, se passa uma peça teatral, onde os policiais (ou
terceiras pessoas) vão impedir a lesão ao bem jurídico. Em verdade, a atuação
dos policiais faz nascer e alimenta o delito, o qual não seria praticado se não
fosse a sua intervenção.
Disciplina o tema a Súmula 145 do
Supremo Tribunal Federal: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela
polícia torna impossível a sua consumação”.
Para o Supremo, havendo
preparação do flagrante e a consequente realização da prisão, existiria crime
só na aparência, pois não há como haver consumação, já que esta é impedida pela
realização da prisão. Dessa forma não poderá ser atuado e nem preso em
flagrante o agente que é induzido á prática de um crime por autoridade pública
ou até mesmo por particular, tendo em vista que nesta modalidade, o flagrante é
um procedimento de ação do agente provocador, de modo a tornar impossível a
consumação do delito.
3.3.5 Flagrante esperado
Para Guilherme de Souza Nucci
(2008, p. 575) o flagrante esperado é:
Essa é uma hipótese viável para
autorizar a prisão em flagrante e a constituição válida do crime. Não há agente
provocador, mas simplesmente chega à polícia a notícia de que um crime será, em
breve, cometido. Deslocando agentes para o local, aguarda-se a sua ocorrência,
que pode ou não se dar da forma como a notícia foi transmitida. Logo, é viável
a sua consumação, pois a polícia não detém certeza absoluta quanto ao local,
nem tampouco controla a ação do agente criminoso. Poderá haver delito consumado
ou tentado, conforme o caso, sendo válida a prisão em flagrante, se
efetivamente o fato ocorrer
Nessa espécie de flagrante, não
há qualquer espécie de induzimento ou provocação ao cometimento do delito. Não
há agente provocador, ocorre simplesmente que a polícia, seja através de
denúncia ou através de sua atividade investigativa, toma conhecimento que irá
ocorrer determinada atividade criminosa e se antecipa, aguardando o momento do
cometimento de delito para efetuar a prisão.
O flagrante esperado difere-se do
preparado, pois naquele não há induzimento a prática criminosa. O Superior
Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido, deixando clara essa
diferença:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.
CRIME DE EXTORSÃO. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO. INOCORRÊNCIA. NÃO HÁ QUE SE
CONFUNDIR FLAGRANTE PREPARADO COM FLAGRANTE ESPERADO. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO.
INEXISTÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA INCABÍVEL NA
VIA ELEITA. AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. EFEITO MERAMENTE
DEVOLUTIVO.
1. Não se deve confundir
flagrante preparado com esperado - em que a atividade policial é apenas de
alerta, sem instigar qualquer mecanismo causal da infração.
2. A "campana"
realizada pelos policiais a espera dos fatos não se amolda à figura do
flagrante preparado, porquanto não houve a instigação e tampouco a preparação
do ato, mas apenas o exercício pelos milicianos de vigilância na conduta do
agente criminoso tão-somente a espera da prática da infração penal.
[...]
(HC 40436/PR, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2006, DJ 02/05/2006, p. 343)
No julgado acima, o Superior
Tribunal de Justiça evidencia a diferença entre o flagrante esperado e o
preparado, deixando claro que não se deve haver confusão entre as duas espécies.
Segundo o Tribunal, a “campana” realizada pela polícia não se amolda à figura
do flagrante preparado, tendo em vista não haver instigação, mas somente
atividade de vigilância aguardando a prática da infração penal.
3.3.6 Flagrante prorrogado
Flagrante prorrogado, também
chamado de protelado, retardado, diferido ou ação controlada, consiste no
retardamento da intervenção policial, que deve ocorrer no momento mais oportuno
do ponto de vista da investigação criminal ou da colheita de provas. Guilherme
de Souza Nucci (2008, p. 575) define o instituto como:
É a possibilidade de que a
polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter
maiores dados e informações a respeito do funcionamento, dos componentes e da
atuação de uma organização criminosa.
Podemos perceber que se trata de
flagrante de feição estratégica, constituindo um poder conferido á autoridade
policial ou aos seus agentes o qual permite procrastinar a prisão imediata do
agente que está em estado de flagrância, mantendo este elemento sob observação,
á espera de uma oportunidade mais eficaz do ponto de vista da formação de
provas e fornecimento de informação. Essa hipótese vem prevista na Lei das
Organizações criminosas (Lei nº 9.304/1995) e na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).
Na Lei de Organizações
Criminosas, que dispõe sobre o combate e repressão das ações praticadas pelas
organizações criminosas, é prevista a possibilidade da utilização do flagrante
prorrogado para formação de provas e fornecimento de informações. A lei
dispensa autorização judicial e prévia oitiva do Ministério Público, cabendo a
autoridade policial verificar a conveniência ou não da medida. Vejamos o art.
2º, inciso II, da Lei nº 9.304/1995:
Art. 2º Em qualquer fase de
persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os
seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:
[...]
II - a ação controlada, que
consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por
organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e
acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do
ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;
O flagrante postergado foi
previsto também na Lei de Drogas, que promove a repressão ao uso e ao tráfico
de drogas. A idéia é a mesma, mas os requisitos são diversos, já que na lei de
tóxicos é necessária autorização judicial e prévia oitiva do Ministério
Público, além do conhecimento do provável itinerário da droga e da
identificação dos agentes do delito ou dos colaboradores. Vejamos o que dispõe
o art. 53, inciso II, da Lei nº 11.343/2006:
Art. 53. Em qualquer fase da
persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos,
além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério
Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
[...]
II - a não-atuação policial sobre
os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos
utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a
finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de
operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Podemos perceber que o flagrante
postergado consiste na flexibilização da obrigatoriedade da atuação imediata da
polícia, visando a colheita de maiores dados e identificação da totalidade dos
infratores envolvidos. Sendo assim, constitui-se medida de grande importância
no combate a criminalidade organizada.
3.3.7 Flagrante forjado
Forjar significa adulterar ou
falsificar, sendo assim podemos conceituar o flagrante forjado como aquele em
que a situação de flagrância foi fabricada por terceiro, no intuito de incriminar
pessoa inocente. Nas palavras de Távora; Alencar (2011, p. 536) o flagrante
forjado é “a lídima expressão do arbítrio, onde a situação de flagrância é
maquinada para ocasionar a prisão daquele que não tem conhecimento do ardil”.
É também chamado de flagrante
forjado, maquinado ou urdido. Constitui-se uma modalidade ilícita de flagrante,
totalmente artificial, tendo em vista ser integralmente comporto por terceiros.
Nesse caso, o agente forjador responde pelo crime de denunciação caluniosa
(art. 339, CP) e sendo agente público, também por abuso de autoridade (Lei nº
4.898/65).
Essa situação ocorre, por
exemplo, quando alguém coloca uma arma no veículo de determinada pessoa, para
que posteriormente lhe dê voz de prisão em flagrante pelo crime de porte ilegal
de arma.
3.4 NATUREZA JURÍDICA DA PRISÃO EM FLAGRANTE
Como dito, a prisão em flagrante
independe de prévia autorização judicial, estando sua efetivação limitada à
presença de uma das situações de flagrância contidas no art. 302, do Código de
Processo Penal.
Anteriormente, havia o
entendimento de que a prisão em flagrante, por si só, era fundamento suficiente
para que o acusado permanecesse preso durante todo o processo. Prevalecia na
jurisprudência o entendimento de que a prisão em flagrante era modalidade
autônoma de custódia provisória, ou seja, era possível a manutenção do sujeito
no cárcere, independentemente de conversão em preventiva após a homologação do
auto de prisão em flagrante.
Com a entrada em vigor da Lei
12.403/11, ficou claro que a prisão em flagrante, por si só, não mais autoriza
que o agente permaneça preso ao longo de todo o processo. Vejamos o disposto na
nova redação do art. 310 do Código de Processo Penal:
Art. 310. Ao receber o auto de
prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em
flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312
deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares
diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade
provisória, com ou sem fiança.
Sendo assim, caso a prisão seja
legal, o juiz deve convertê-la em preventiva ou conceder liberdade provisória,
nos casos em que a lei admite. Verifica-se que a prisão em flagrante não é
apta, por si só, a manter o agente preso, a necessidade da prisão deve ser
aferida a luz da presença de uma das hipóteses que autorizam a prisão
preventiva.
Nesse contexto, há discussão na
doutrina acerca da natureza jurídica da prisão em flagrante. Há três posições,
que consideram tratar-se de ato administrativo, prisão cautelar ou medida
precautelar.
Inicialmente, há doutrinadores
que entendem que a natureza jurídica da prisão em flagrante é ato
administrativo, não lhe atribuindo natureza jurisdicional. É o que sustenta
Walter Nunes da Silva Júnior (apud. LIMA, p. 182):
O que ocorre com a prisão em
flagrante é, tão somente, a detenção do agente, a fim de que o juiz,
posteriormente, decida se a pessoa deve ser levada, ou não, à prisão. Com isso,
se quer dizer que não há, propriamente, uma prisão em flagrante como espécie de
medida acautelatória processual penal. O flagrante delito se constitui e
justifica apenas a detenção, cabendo ao juiz, após a análise por meio da
leitura do auto de prisão em flagrante, definir se a prisão preventiva deve, ou
não, ser decretada.
Para essa parcela da doutrina a
prisão em flagrante é tão somente um ato administrativo, não considerando
coerente classificá-la como medida processual acautelatória, haja vista é
dispensada autorização judicial para tanto, sendo possível sua efetivação pela
autoridade policial ou mesmo por particulares.
Em outra banda, grande parte da
doutrina entende que o flagrante é espécie de prisão cautelar, ao lado da
prisão preventiva e temporária. É opinião de Eugênio Pacelli de Oliveira (2012,
p. 584), que diz:
A prisão em flagrante, então,
ostenta o status de medida cautelar, precisamente delimitada no tempo. É que,
cumpridas as suas funções, a manutenção do cárcere reclamará ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária, nos temos da Constituição da República
(art. 5º).
Tourinho Filho (2008, p. 456)
também perfilha o entendimento de que a prisão em flagrante tem natureza
cautelar, porém considera um ato complexo, com duas fazes distintas, vejamos:
Mesmo que a prisão se efetive
pelo Juiz, tal ato não perde o colorido de administrativo, pois o magistrado
estaria, então, exercendo uma função administrativa e não jurisdicional. Se a
prisão-captura é um ato emanado do poder de polícia, manifesto é o seu caráter
administrativo. Entretanto, depois de efetivada a prisão e de lavrado
respectivo auto, a prisão em flagrante pode converter-se e se convolar numa
verdadeira medida cautelar.
Com entendimento semelhante,
encontramos Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 631), que dispõe:
Tem, inicialmente, natureza
administrativa, pois o auto de prisão em flagrante, formalizador da detenção, é
realizado pela polícia judiciária, mas se torna jurisdicional, quando o juiz,
tomando conhecimento dela, ao invés de relaxá-la, prefere mantê-la, pois
considerada legal, convertendo-a em preventiva.
Para Fernando Capez, em função
das recentes alterações advindas da Lei 12.403/11, a prisão em flagrante perdeu
o caráter de prisão provisória. Vejamos a opinião do autor:
Como já analisado, a partir da
nova redação do art. 310, em seu inciso II, a prisão em flagrante, ao que
parece, perdeu seu caráter de prisão provisória. Ninguém mais responde a um
processo criminal por estar preso em flagrante. Ou o juiz converte o flagrante
em preventiva, ou concede liberdade (provisória ou por relaxamento decorrente
de vício formal). A prisão em flagrante, portanto, mais se assemelha a uma
detenção cautelar provisória pelo prazo máximo de vinte e quatro horas, até que
a autoridade judicial decida pela sua transformação em prisão preventiva ou
não. (CAPEZ, 2012, p. 327).
Uma corrente nova capitaneada por
doutrinadores como Aury Lopes Jr., Renato Brasileiro de Lima e Luiz Flávio
Gomes, sustenta que a prisão em flagrante não se trata de medida processual,
possuindo natureza jurídica de medida precautelar.
É essa a posição do professor
Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 182), que ao discorrer sobre o tema assim
dispõe:
Sem embargo de opiniões em
contrário, pensamos que a prisão em flagrante tem caráter precautelar. Não se
trata de uma medida cautelar de natureza pessoal, mas sim precautelar,
porquanto não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas
objetiva colocar o capturado à disposição do juiz para que adote uma verdadeira
medida cautelar.
No mesmo sentido são as lições de
Luiz Flávio Gomes (2011, p. 90), que expõe: “A prisão em flagrante é uma medida
pré-cautelar, porque não tem o escopo de tutelar o processo ou o seu resultado
final, sim, ela se destina a colocar o preso à disposição do juiz, para que tome
as providências cabíveis”.
Sendo assim, para os autores
acima, a prisão em flagrante teria inicialmente natureza de medida
pré-cautelar, possibilitando a análise da necessidade da manutenção do
encarceramento como medida de proteção do futuro processo. A prisão em
flagrante tornar-se-ia prisão processual (cautelar) somente a partir do momento
em que o juiz a converte em prisão preventiva.
Para essa corrente, a
precariedade da prisão é marcada pela possibilidade de ser realizada por
autoridade policial ou particulares, além do fato de ser efêmera, sendo
imprescindível a análise judicial em até 24 horas, ocasião em que o juiz
analisa sua legalidade e decide sobre a sua manutenção.
Abordados os diversos
entendimentos encontrados na doutrina, podemos concluir que o melhor
entendimento é aquele que considera a prisão em flagrante como medida
pré-cautelar. Resta claro que a prisão em flagrante não se constitui medida
cautelar, pois não tem por escopo a garantir o resultado final do processo, mas
apenas objetiva colocar o capturado à disposição do juiz para, se for o caso,
adote uma medida cautelar.
Ademais, não obstante as diversas
nomenclaturas utilizadas para definir a natureza jurídica da prisão flagrante,
após o advento da Lei 12.403/11 ficou patente que a prisão em flagrante,
isoladamente, não autoriza que o acusado permaneça preso durante toda a
persecução penal. Sendo assim, é imprescindível decisão fundamentada do juiz
sobre sua conversão ou não em preventiva.
REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.
19 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan
Luís. Prisão e Medidas
Cautelares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência
e prática. Niterói: Impetus, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado.
11 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução
penal. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de;
FISCHER, Douglas. Comentários
do código de processo penal e sua jurisprudência. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2012.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal.
12 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar
Rodrigues. Curso de
direito processual penal. 6 ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
TOURINHO FILHO, Fernando da
Costa. Processo penal,
3º volume. 30 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
Autor
·
Nilo de Siqueira Costa Neto
Advogado. Graduado pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Pós-graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público da Paraíba - FESMIP.
Como citar
este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
NETO, Nilo de Siqueira Costa.
Prisão em flagrante: análise de sua natureza jurídica diante do advento da Lei
12.403/11. Jus Navigandi,
Teresina, ano
17, n.
3387, 9out. 2012 .
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22769>. Acesso
em: 11 out. 2012.
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