Uma dona de casa, de 59 anos, roubada por uma usuária de drogas visivelmente alterada, desempregada de 23. Essas foram as personagens do cenário de um crime apresentado por policiais militares na tarde de 24 de agosto, na Central de Flagrantes da 7ª Seccional.
O desenrolar do registro da ocorrência parecia óbvio, já que de um lado estava uma senhora que comprovava o roubo e reconhecia a criminosa e, de outro, uma "viciada" que negava tudo, mas que havia sido pega pela Polícia Militar. Flagrante, indiciamento e cela.
Assim poderia ter terminado a história mas, ao enxergar o caso com os olhos da legalidade e da defesa dos Direitos Humanos, a delegada Samira Fares Negrine ouviu a história da moça e percebeu que, por trás do roubo, poderia haver um problema muito próximo à inimputabilidade.
O ato rendeu à autoridade policial uma Moção de Reconhecimento unânime por parte dos conselheiros do Condepe (Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo), conforme a Lei Estadual 8.032/1992 com publicação em Diário Oficial de 22 de setembro.
Processo agilizado
K.C.C., desempregada de 23 anos, é usuária crônica de drogas. Vive em esquema de semi-internação no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de Ermelino Matarazzo, na zona leste da Capital. Sai do local somente para o tratamento da dependência química.
Foi numa dessas saídas, no dia 24 de agosto, que a mulher teve uma recaída e roubou o aparelho celular LG, avaliado em R$ 200, de uma dona de casa, de 59 anos, na Avenida São Miguel, para trocá-lo por drogas. O crime chamou a atenção de pessoas que por ali passavam, que detiveram e lincharam a suspeita, até a chegada da Polícia Militar.
Na delegacia, um advogado do Condepe apresentou a situação da criminosa à autoridade policial. De acordo com a defesa, se ficasse detida por muito tempo até que a Justiça julgasse o caso e com a hipótese de uma possível inimputabilidade, o tratamento de K.C.C. seria prejudicado.
Samira notou que a indiciada possuía problemas visíveis, que o argumento do advogado não se tratava apenas de uma estratégia de defesa, e tomou uma decisão. A delegada sugeriu que o advogado apresentasse os documentos referentes à situação da desempregada.
A papelada foi anexada ao inquérito policial e encaminhada ao Fórum. A atitude da autoridade colaborou para agilizar o processo de perícia da moça, consequentemente do julgamento e abreviar a finalização do caso.
“Apenas fiz o meu trabalho”
Com 33 anos de idade e três como delegada de polícia, Samira recebeu pela primeira vez a Moção do Condepe e não esperava o reconhecimento. “Apenas fiz o meu trabalho, atuei como deveria, não fiz nada além disso. O delegado é imparcial, não pode acusar”, afirmou.
Samira acredita que o Condepe se sensibilizou com sua atitude pois não esperava que partisse dela a iniciativa de juntar os documentos da indiciada ao inquérito policial. Embora não esperasse a menção honrosa que considera “que a delegada manteve ação exemplar quando da presidência de inquérito policial, mantendo resguardo da presa e diálogo com a vítima, praticando assim conduta em prol da legalidade e da defesa dos Direitos Humanos”, a delegada ficou feliz com o ato.
“Fiquei muito feliz com o reconhecimento. Às vezes, a gente faz tudo direito e acha que ninguém está vendo. Mas receber um e-mail de elogio do diretor do Decap (Departamento de Polícia Judiciária da Capital), delegado Carlos José Paschoal de Toledo, é gratificante pois significa que vale a pena trabalhar corretamente”, conclui Samira.
Mainary Nascimento
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