As medidas cautelares não são pleitos preparatórios para o manejo do futuro processo penal. Quando representadas pelo Delegado de Polícia, as medidas cautelares servem ao inquérito policial, procedimento administrativo, inquisitivo, sigiloso, escrito, que tramita no âmbito da Polícia Judiciária, sob a presidência da Autoridade Policial.
As medidas cautelares
referidas no título do artigo são, por exemplo, as de busca e apreensão,
interceptação telefônica e telemática, quebra de sigilo bancário e fiscal, representação
pela prisão preventiva ou temporária de investigados/indiciados, todas
materializados no curso do inquérito policial.
Os que advogam a tese
de que a Autoridade Policial não pode representar diretamente ao Juízo
competente pela decretação de medidas cautelares, constroem sua argumentação em
suposta ausência de capacidade postulatória do Delegado de Polícia. Entendem
que a ação penal deve ser tida como processo principal e as medidas cautelares
como pleitos preparatórios para o manejo do futuro processo. Afirmam que apenas
quem tem capacidade postulatória para ajuizar a ação penal pode deduzir pleito
cautelar em juízo (somente o Ministério Público, no caso das ações penais
públicas).
Andrey Borges de
Mendonça sintetiza o argumento acima desenhado (e combatido por este ensaio):
“Como possui a
prerrogativa de decisão sobre o início da ação penal principal, com muito maior
razão deve possuir legitimidade para decidir se é o caso ou não de requerimento
das medidas cautelares na fase das investigações” (in Prisão e
outras Medidas Cautelares Pessoais, Editora Método, 2011, página 68).
O autor citado
arremata asseverando que: “todas as representações da autoridade policial,
portanto, devem ser dirigidas ao Ministério Público, que, caso concorde, as
proporá ao Juízo” (obra acima citada, página 69).
A meu ver, tais
argumentos não se sustentam. Em primeiro lugar porque não vejo como considerar
tais medidas cautelares como pleitos preparatórios para o manejo do futuro
processo penal (esta não deve ser a relação principal-acessório). Em verdade,
quando representadas pelo Delegado de Polícia, as medidas cautelares servem ao
inquérito policial, procedimento administrativo, inquisitivo, sigiloso,
escrito, que tramita no âmbito da Polícia Judiciária, sob a presidência da
Autoridade Policial (a relação principal-acessório é, na verdade,
inquérito-medida cautelar). Finda derrubada a viga mestra da argumentação que
pretende ver negada a pergunta desenhada no título do ensaio.
O sistema processual
penal brasileiro desenhou uma clara e salutar divisão de tarefas confiadas a
órgãos estatais distintos: o Estado-investigação, representado pela Polícia
Judiciária, órgão do Poder Executivo que tem a missão de elucidar as infrações
penais, deve perquirir autoria e materialidade delitiva; o Estado-acusação,
representado pelo Ministério Público, responsável por manejar ação penal em
face dos que dilaceraram a ordem jurídica através do cometimento de delito; e o
Estado-juiz, representado pelo Poder Judiciário, quem tem a missão de julgar os
processos penais, condenando ou absolvendo os réus.
Neste panorama, com o
fito de se desincumbir do seu mister, a Polícia Judiciária tem o dever de
instaurar inquérito policial com o fito de elucidar os crimes e apontar seus
autores, coligindo provas suficientes da existência do delito (materialidade) e
de autoria delitiva. No curso do feito inquisitivo, pode o Delegado de Polícia
entender que o fato será melhor aclarado com o manejo de medida cautelar (de
busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, etc.),
que deve ser representada ao Poder Judiciário. Fica claro, nesta esteira, que o
que está sendo acautelado é o próprio inquérito (e a prova a ser produzida em
seu bojo). Assim é que a Autoridade Policial terá que demonstrar a
necessidade/utilidade da medida mitigadora dos direitos do
investigado/indiciado para que a mesma seja deferida pelo Juízo competente.
Nesta esteira, nada
mais coerente e lógico que a decisão a respeito da materialização de pleito
cautelar levado a efeito no bojo do inquérito caiba também ao Delegado de
Polícia (o Ministério Público tem legitimação concorrente para requerer tais
medidas).
A resposta ao quesito
proposto no título pode ainda ser fundamentada de maneira muito mais simplória:
a legislação autoriza o manejo direto pela Autoridade Policial de todos os
pleitos cautelares possíveis no curso do inquérito policial, vejamos alguns
exemplos:
Lei 9.296/96:
Art. 3° A
interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de
ofício ou a requerimento:
I - da autoridade
policial, na investigação criminal;
Lei 7.960/89:
Art. 2° A prisão
temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade
policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco)
dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada
necessidade.
Código de Processo
Penal:
Art. 282. As medidas
cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
§ 2º As medidas
cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes
ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade
policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
Art. 311. Em qualquer
fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva
decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da
autoridade policial.
Demonstrado está que
tentar submeter a representação do Delegado de Polícia à autorização ou à
aquiescência do Ministério Público é subverter a ordem jurídica e, em última
análise, afirmar que o entendimento da Autoridade Policial está condicionado ao
pensar do Parquet (conclusão, a meu ver, teratológica).
O que diz o arcabouço
legislativo pátrio é que o MP ofertará parecer no bojo das medidas cautelares
quando estas forem representadas pelo Delegado de Polícia, mas estes não
vinculam a Autoridade Judiciária, que pode deferir o pleito, mesmo diante de
entendimento contrário do Parquet.
Autor
Delegado de Polícia Federal e Professor da FACAPE - Faculdade de Ciências
Aplicadas e Sociais de Petrolina
Como citar este texto
(NBR 6023:2002 ABNT):
SILVA, Márcio Alberto Gomes. Pode o Delegado de Polícia representar
diretamente medidas cautelares ao Judiciário, no curso do inquérito policial?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3396, 18 out.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22829>. Acesso em: 19 out. 2012.
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