Esta será a primeira
eleição disputada sob a Lei nº 12.403/2012, que trata das prisões e medidas
cautelares diversas. Considerando o artigo 236 do Código Eleitoral, o Juiz
poderá converter o flagrante em prisão preventiva ou ele será abrigado a adotar
uma medida cautelar diversa?
Introdução
De acordo com o caput
do artigo 236 do Código Eleitoral, “nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco)
dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição,
prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de
sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por
desrespeito a salvo-conduto”.
Em outras palavras,
durante o mencionado período eleitoral, não poderão ser executadas prisões
cautelares (leia-se: prisão temporária e preventiva). Isso não significa, de
acordo com o nosso entendimento, que o Poder Judiciário não possa decretar a
prisão cautelar de um eleitor. O dispositivo veda apenas o cumprimento dessas
medidas cautelares extremas durante o período eleitoral
Destacamos que o
objetivo de tal determinação é, justamente, o de coibir abusos por parte dos
agentes públicos que possam influir no resultado das eleições. Dentro da
evolução dos direitos fundamentais, lembramos que o direito de participação -
que nada mais é do que a possibilidade do cidadão influir na vontade política
de um Estado - é consagrado essencialmente por meio do voto.
Assim, um Estado que
se denomine democrático e de direito, deve zelar para que os seus cidadãos
possam exercer sua vontade política da melhor maneira possível. Imbuído desse
espírito, o legislador infraconstitucional criou o artigo 236 do Código
Eleitoral.
Advertimos, todavia,
que a mencionada lei foi criada no ano 1965, numa época de absoluta
instabilidade constitucional, sendo que intervenções do Estado na política e na
sociedade como um todo eram frequentes. Por isso alguns doutrinadores criticam
o artigo 236, alegando, inclusive, a sua inconstitucionalidade.
Nesse sentido é a
lição de Joel João Cândido, senão vejamos:
“Hoje, com a vigência
do art.5°, LXI, da Constituição Federal, o art.236 e §1°, do Código Eleitoral,
está revogado. Mesmo fora daqueles períodos, ninguém pode ser preso, a não ser
nas exceções mencionadas em lei. E pelas exceções constitucionais a prisão será
legal, podendo ser efetuada mesmo dentro dos períodos aludidos no Código
eleitoral. Em resumo: se a prisão não for nos moldes da Constituição Federal,
nunca poderá ser efetuada; dentro dos limites da Constituição Federal pode
sempre ser executada, mesmo em época de eleição.”[1]
Apesar de
respeitarmos a posição do citado autor, lembramos que a constitucionalidade do
artigo em enfoque é pacífica na jurisprudência. Sendo assim, prevalece o
entendimento da impossibilidade de prisões cautelares (repita-se: prisão
temporária e preventiva) durante o período eleitoral.
Feita essa breve
introdução, chamamos a atenção do leitor para um fato que poderá gerar muita
confusão nas eleições que se aproximam. É o que será discutido no próximo
tópico.
Conversão da Prisão em Flagrante e o Período Eleitoral
Esta será a primeira
eleição disputada desde o advento da Lei 12.403/2012, que alterou o Código de
Processo Penal na parte que trata das prisões e medidas cautelares diversas.
A partir da referida
lei, a prisão em flagrante se consolidou como uma medida de natureza
pré-cautelar, uma vez que a sua principal função é colocar o preso à disposição
do Poder Judiciário para que o magistrado competente decida sobre a necessidade
da decretação de uma verdadeira medida cautelar.
Desse modo, a prisão
em flagrante não pode mais se sustentar durante o processo, sendo que o Juiz,
ao receber o auto de prisão em flagrante, deve optar por uma das medidas
previstas no artigo 310, do CPP. Com base no inciso II deste dispositivo, a
prisão em flagrante poderá ser convertida em prisão preventiva. É o que
chamamos de prisão preventiva convertida. [2]
Exatamente nesse
ponto, surge a grande polêmica do presente estudo. Conforme mencionado alhures,
durante o período eleitoral, ninguém poderá ser preso cautelarmente em virtude
da determinação expressa no artigo 236 do Código Eleitoral. Nesse diapasão, as
Autoridade Policiais e seus agentes não poderão cumprir mandados de prisão
preventiva e temporária cinco dias antes da eleição até as quarenta e oito
horas após o seu encerramento. Muito embora não concordemos com esta previsão,
especialmente pelo fato de gerar injustiças e fomentar a criminalidade, temos
que cumpri-la.
Sem entrar no mérito
dessa discussão – que não nos interessa neste estudo – chegamos a seguinte
conclusão. Efetuada a prisão em flagrante e sendo esta posteriormente
convertida em prisão preventiva pelo Magistrado, será expedido um mandado de
prisão. Tal mandado de prisão, na prática, vem sob o título de prisão preventiva.
Assim, cabe a pergunta: considerando o artigo 236 do Código Eleitoral, poderá
ser executado esse mandado de prisão durante o período eleitoral? Em outros
termos, o Juiz poderá converter o flagrante em prisão preventiva ou ele será
abrigado a adotar uma medida cautelar diversa?
A resposta exige
muito cuidado, uma vez que, dependendo do entendimento, poderemos nos deparar
com sérias conseqüências. Vejam, se nos prendermos a uma interpretação literal
do artigo 236, a resposta será negativa, o que seria um completo absurdo, pois
tal entendimento funcionaria como uma “carta branca” aos delinqüentes, que se
sentiriam à vontade para praticar os mais diversos crimes. Pensamos não ser
essa a melhor interpretação.
Primeiramente,
devemos nos atentar para o fato de que a prisão preventiva convertida não
possui a mesma natureza da prisão preventiva autônoma ou independente, que é
aquela decretada no curso da persecução penal. Esta modalidade prisional tem
fundamento no artigo 312 do CPP, mas também está sujeita à condição de
admissibilidade constante do artigo 313, inciso I, do mesmo Estatuto Processual
Penal. Dessa forma, ela só poderá ser decretada quando se tratar de infração
cuja pena máxima cominada seja superior a quatro anos de prisão.
A prisão preventiva
convertida, por outro lado, não se sujeita ao referido prazo, podendo ser
decretada independentemente da pena máxima cominada ao delito. Isto, pois, não
se trata de uma medida decretada autonomamente, mas em decorrência de uma
prisão em flagrante anterior. A gravidade neste caso é manifesta, e a adoção
desta extrema ratio é necessária e adequada, inclusive, para evitar a prática
de novas infrações penais e garantir os demais bens jurídicos constantes no
artigo 282, inciso I, do CPP.
É nesse sentido que
defendemos que os requisitos para a adoção desta espécie de prisão preventiva
sejam menos rígidos do que na sua modalidade autônoma. O entendimento contrário
colocaria em risco a segurança pública e abalaria sobremaneira a credibilidade
da Justiça. Assim, cabe ao Juiz verificar a medida mais adequada de acordo com
o caso concreto, salientando que o princípio da inafastabilidade da jurisdição
exige que o Magistrado neutralize qualquer lesão ou ameaça de lesão a um
direito.
Frente ao exposto,
considerando que a prisão preventiva convertida é uma prisão cautelar sui
generis, se caracterizando como uma verdadeira extensão da prisão em flagrante,
entendemos que a vedação do artigo 236 do Código Eleitoral não se aplica a esta
modalidade prisional. Nesse contexto, é perfeitamente possível a execução desta
medida cautelar durante o período eleitoral.
Efetivamente não
seria crível que o legislador eleitoral excepcionasse a prisão em flagrante de
forma que esta não pudesse resultar em todas as suas consequências legais. Se a
prisão em flagrante é permitida mesmo durante o período de vedação da execução
das prisões cautelares, ela é permitida “in totum” e não parcialmente. Aliás,
não há na legislação eleitoral nenhuma normativa que venha a limitar a
aplicação do flagrante e de todas as suas correlatas consequências ao preso.
Não se pode acreditar que com a liberação do flagrante estivesse o legislador
pretendendo apenas determinar a burocrática elaboração de uma série de
documentos pela polícia para a imediata liberação do preso pelo juiz. Fosse
assim, seria muito mais fácil impedir qualquer prisão durante as eleições,
inclusive aquela em flagrante.
A isso se poderia
opor que o legislador de 1965 não poderia haver previsto o disposto no atual
artigo 310, II, CPP, eis que tal redação somente surgiu com o advento da Lei
12.403/2011. No entanto, a verdade é que desde muito tempo a prisão em
flagrante não se pode sustentar autonomamente. A redação do antigo artigo 310,
Parágrafo Único, CPP já determinava a concessão pelo juiz da liberdade
provisória sempre que não ocorressem as hipóteses da prisão preventiva. Em
suma, já há muito tempo é que a prisão em flagrante para se manter,
necessariamente, deve converter-se em preventiva. A atual redação do artigo
310, II, CPP apenas faz dessa regra uma explicitação daquilo que já estava
perfeitamente delineado no dispositivo anterior, embora de forma não tão
semanticamente cristalina.
É bem verdade que
alguns ainda insistiam em falar na manutenção da prisão em flagrante e não em
sua conversão em preventiva, mas o que ocorria de fato quando uma prisão em
flagrante era “mantida” era a sua conversão em preventiva, pois que, por força
de dispositivo legal, somente seria “mantida”, se presentes os requisitos da
preventiva (antigo artigo 310, Parágrafo Único, CPP). Parte da doutrina ainda
insistia em manter uma terminologia equivocada, mas isso nunca foi unânime, de
modo que autores como Lopes Júnior, sempre vislumbraram a característica da pré
– cautelaridade do flagrante e sua subsistência ligada à conversão em
preventiva. [3]
Tanto isso é verdade
que ainda na vigência da legislação antecedente o Conselho Nacional de Justiça
publicou a Resolução n. 66, em 27 de janeiro de 2009, prescrevendo em seu artigo
1º., um procedimento em tudo similar àquele que posteriormente veio a consagrar
a nova redação do artigo 310, CPP, dada pela Lei 12.403/11.
Com essas assertivas
se pretende demonstrar que ao longo de todos esses anos as prisões em flagrante
na época de vedação determinada pelo artigo 236 do Código Eleitoral vinham
sendo “mantidas” (leia-se: convertidas em preventiva de fato e mesmo de direito
numa leitura correta do antigo dispositivo) e ninguém opunha óbice a tal
procedimento. Se não havia óbice antes, a mera explicitação legal
semanticamente mais clara da situação não terá jamais o condão de produzir
qualquer alteração na sistemática, de forma que a exceção da prisão em
flagrante segue surtindo seus efeitos em sua totalidade, inclusive, se o caso, sua
conversão em preventiva.
Advirta-se, porém,
que ao magistrado caberá sempre, em período eleitoral ou não, zelar pelo
cumprimento da proporcionalidade da adoção da medida extrema, tendo em conta
sempre sua excepcionalidade (inteligência do artigo 282, I e II e § 6º., CPP).
E certamente na época eleitoral, deverá atuar com ainda maior denodo em suas
avaliações quanto à necessidade e adequação da prisão preventiva. Não obstante,
nada impedirá o magistrado de efetuar a conversão em casos de extrema e comprovada
necessidade.
REFERÊNCIAS
CÂNDIDO, Joel João.
Direito Eleitoral Brasileiro. 10ª ed. Bauru: Edipro, 2003.
LOPES JÚNIOR, Aury. O
novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas
cautelares diversas. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
SANNINI NETO,
Francisco. Espécies de Prisão Preventiva e a Lei 12.403/2012. Disponível em:
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19635>.
Acesso em: 28 set. 2012.
Notas
[1] CÂNDIDO, Joel João.
Direito Eleitoral Brasileiro. 10ª ed. Bauru:
Edipro, 2003, p. 303.
[2] SANNINI NETO,
Francisco. Espécies de Prisão Preventiva e a Lei 12.403/2012. Disponível em:
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19635>.
Acesso em: 28 set. 2012.
[3] LOPES JÚNIOR, Aury.
O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas
cautelares diversas. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 38.
Autores
Delegado
de Polícia Civil em SP, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de
Direito
Delegado
de Polícia em Guaratinguetá (SP). Mestre em Direito Social. Pós-graduado com
especialização em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal,
Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na
graduação e na pós-graduação da Unisal.
Informações sobre o texto
Como citar
este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
SANNINI
NETO, Francisco; CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Conversão da prisão em flagrante
em prisão preventiva e o artigo 236 do Código Eleitoral. Jus Navigandi,
Teresina, ano
17, n.
3379, 1
out.2012 .
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22717>. Acesso
em: 3 out. 2012.
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