Populismo penal e inflação legislativa
Para resolver o gravíssimo problema do aumento desenfreado da criminalidade, o remédio encontrado pelo Estado, diante de sua incapacidade para solucionar grandes conflitos sociais, tem sido o de editar novas leis penais, como fruto de um discurso sedutor e, ao mesmo tempo, enganador, que é o populismo penal.
De 1940 (data do nosso Código Penal) a 2011 o legislador brasileiro aprovou 136 leis penais, que alteraram o sistema penal, sendo que 104 leis foram mais gravosas, 19 foram mais benéficas e 13 apresentaram conteúdo misto ou indiferente. Em geral são leis emergenciais, ou seja, aprovadas após a eclosão de uma grave crise de medo e de insegurança, explorada pela mídia. Logo depois de um grande caso midiático, nova lei penal (para acalmar a ira da população).
Somente nos últimos 33 anos (1979 a 2011), 96 leis penais foram aprovadas pelo legislador brasileiro, sendo assim distribuídas: 1979 – 1990: total de 22 leis criminais aprovadas (12 anos): 1979 – 1985: J.B Figueiredo – 10 leis; 1985 – 1990: Sarney – 12 leis.
De 1990 a 2002: total de 44 leis criminais aprovadas (13 anos), sendo: 1990 – 1992: Collor – 7 leis; 1992 – 1995: Itamar Franco – 5 leis; 1995 – 1998: Fernando Henrique – 23 leis; 1999 – 2002: Fernando Henrique – 9 leis.
De 2003 a 2011 temos 30 leis criminais aprovadas (9 anos), sendo: 2003 – 2006: Lula – 14 leis; 2007 – 2010: Lula – 13 leis; 2011: Dilma – 3 leis.
A aprovação reiterada de novas leis, por força do seu poder “simbólico” e/ou “promocional”, tornou-se útil para os interesses eleitorais do legislador (reeleição, boa repercussão popular etc.), visto que conta com o apoio de grandes parcelas da população.
Enquanto a criminologia clássica (acadêmica) tenta explicar a questão criminal por meios científicos depurados, a criminologia midiática, como bem sublinha Zaffaroni (2001, p. 4), “constrói a realidade dirigindo-se ao grande público, aos políticos e aos operadores jurídicos”. Em que pese estar dotada de preconceitos, falsidades e inexatidões, é ela que comanda grande parcela do comportamento diário das pessoas assim como as decisões políticas que se transformam em abundantes leis penais.
O populismo penal midiático sabe que a insegurança (o medo e o rancor coletivos) gera demandas punitivas, que são psicanaliticamente exploradas. Criado o clima geral de insatisfação, de intranquilidade e de incerteza, não resta outro recurso, diz o legislador, senão editar novas leis penais, com rigor sempre incrementado.
Ocorre que tudo isso não passa, na maioria dos casos, de respostas fáceis (e falsas) para a “solução” de problemas extremamente complexos (o da insegurança coletiva, o da criminalidade, prevenção, controle do delito e das camadas sociais menos favorecidas, controle da corrupção etc.). Nenhum índice da criminalidade diminuiu, apesar das 96 leis penais das últimas três décadas. Numa sociedade hiperindividualista, o temor individual de cada um em relação ao outro volta a ser, paradoxalmente, uma referência simbólica coletiva e um recurso (muito útil) para a política. Mas isso gera uma despolitização da vida (na polis), retornando para o estado natural onde somente conta o indivíduo e seu direito absoluto a tudo, disso originando tendências autoritárias ou totalitárias. E a solução para o problema nunca acontece.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.
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