sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Não se pode confundir inteligência policial com espionagem

 

 
Um desfecho comum nos julgamentos de grandes casos que mobilizam o país (ou, pelo menos, a imprensa nacional) tem sido o trancamento das ações. Invariavelmente por causa da qualidade (ou falta dela) das provas colhidas ou irregularidades praticadas no curso da investigação.
 
O próprio processo do mensalão gira todo em torno desse candente problema. Independentemente do caso ou das partes envolvidas, ninguém duvida da necessidade aflita do aperfeiçoamento da atividade investigatória e, em especial, dos trabalhos periciais. Não só no aparato tecnológico e na capacitação para seu uso, mas também na qualificação da mão de obra. Menos para agentes de campo, mais na profissionalização do analista. Afinal, a atividade de Inteligência não pode ser confundida com atividade de espionagem, bisbilhotagem e fofocagem.
 
Atividade de inteligência é pautada pela necessidade coletiva de se obter conhecimento à defesa e proteção institucional e pessoal de organismos, entidades, estados, instituições e de pessoas individual ou coletivamente. Já a outra é pautada pelo interesse e vontade pessoal, particular, individual ou coletiva e política de agente ou equipe de agentes ou ainda grupos políticos de governos, estados ou não.
 
A primeira pressupõe legalidade e legitimidade, enquanto a segunda pressupõe clandestinidade e irregularidade para dizer o mínimo.
 
Ao se produzir um relatório, o chamado Relint, em se tratando de atividade de inteligência há o compromisso com todo um regramento legal e constitucional, a necessidade de classificação, a obrigatoriedade da correta difusão e, desclassificação em caso de uso fora do SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência), sob pena de nulidade e responsabilidade.
 
Em contrapartida, no outro tipo, não há compromisso, mas sim comprometimento, e este derivado da vontade pessoal ou política do agente ou de seus eventuais superiores ou "mandatários" ou ainda "clientes contratantes", onde a matéria-prima não necessariamente consiste em bases de dados reais ou fontes fidedignas distorcidas, mas, especial e principalmente, na elucubração, indução, mera suposição e dedução delas advindas.
 
Isso posto, temos o dever de incentivar e aplaudir a Inteligência policial, importante ferramenta para a segurança pública e para a defesa da sociedade, mas na mesma intensidade apurar e refrear a bisbilhotagem feita a serviço de terceiros, empoderados ou não, em nome e com as ferramentas do Estado.
 
Não se pode acobertar sob o mesmo manto as duas espécies, qual sejam, a inteligência policial e a espionagem policial ou de governo. A primeira deve obedecer regras, a segunda por não tê-las é, por si só, um crime de Estado, principalmente quando este lhe dá a indevida cobertura, estrutura e guarida em situações inusitadas como nunca antes vistas nesse país!
 
Na vigência de um Estado Democrático de Direito, quem deveria fazer a diferença não são as Cortes Superiores, pois aí já é tarde, mas o juízo de primeira instância, exatamente aquela anterior ao tribunal midiático do "Google", onde os senhores magistrados devem ser fiscais da lei e não sócios das investigações, e por isso compreender que o crucifixo habita os fóruns não para pregar a religião de Jesus, mas para lembrar que no caminho daquele homem pendurado teve um covarde prevaricador chamado Pilatus!
 
Romeu Tuma Jr. é ex-secretário nacional de Justiça e delegado de Polícia Civil de São Paulo.
 
Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2012

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