domingo, 29 de janeiro de 2012

O Uso de Armas Não-Letais como Instrumento para a Redução dos Índices de Homicídios decorrentes da Ação Policial

Sumário: I – Introdução; II – Teoria do Direito Penal do Inimigo; III – Lacuna Legislativa; IV – Armas Não-Letais; V – Projeto de Lei nº 2.554/2011; VI – Redução da Letalidade decorrente da Ação Policial; VII- Conclusão; VIII – Bibliografia; e IX – Anexo – Texto do Projeto de Lei nº 2.554/2011.

Resumo: A presente matéria estuda o projeto de lei nº 2.554/2011, de autoria do Deputado João Campos, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo, padronizando o uso da força pelos órgãos de segurança pública.

Este trabalho analisa, principalmente, a questão do uso de armas não-letais como instrumento para redução dos índices de homicídios decorrentes da ação policial.

Palavras - chave: instrumentos de menor potencial ofensivo; armas não-letais; redução da letalidade decorrente da ação policial; atividade policial; segurança pública; Direito Penal do Inimigo; e princípio da dignidade da pessoa humana.



I - Introdução

                O art. 1º, da Constituição Federal, estabeleceu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos dogmas do Estado Democrático de Direito.

                O princípio da dignidade da pessoa humana impede que as pessoas sejam privadas de seus direitos e garantias fundamentais.

                Os direitos e as garantias fundamentais são assegurados mesmo as pessoas que tenham transgredido a lei.

                Em outras palavras significa que os autores de crimes não perdem a condição de cidadãos.



II - Teoria do Direito Penal do Inimigo

                Desta forma, o sistema adotado pelo ordenamento jurídico vigente rejeitou a teoria denominada “Direito Penal do Inimigo”.

                O “Direito Penal do Inimigo” nega a condição de cidadão às pessoas que praticaram crimes graves.

                O filósofo Rousseau, analisando questão relacionada à mencionada teoria, afirmou que: “o inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em guerra contra ele; logo, deve morrer como tal.”



III – Lacuna Legislativa

                Em razão do sistema de justiça criminal adotado no país, alicerçado no princípio da dignidade da pessoa humana, é necessário editar norma disciplinando o uso da força pelos agentes de segurança pública, que esteja em sintonia com os direitos e garantias individuais.

                Efetivamente, é preciso padronizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, denominados “armas não-letais”, orientando e estabelecendo parâmetros aos integrantes dos órgãos de segurança pública.



IV – Armas Não-Letais

                As armas não-letais são aquelas projetadas especificamente para conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes.

                Entre estes instrumentos de menor potencial ofensivo, se destacam:

  • Gás lacrimogêneo;
  • Bala de borracha;
  • Bastão de choque;
  • Canhão de água;
  • Spray de pimenta; e
  • Pistola de ondas T (conhecida como taser).

                As pistolas de ondas T agem diretamente sobre o sistema nervoso central, com o objetivo de paralisar a pessoa por alguns segundos, tempo necessário para que possa ser mobilizada.

                O equipamento dispara dardos paralelos a distâncias que podem chegar a 10,6m, com uma descarga elétrica de 50 mil volts, porém, com baixa corrente.

                Saliente-se que as armas não-letais têm ampla aplicação na área da segurança pública, especialmente no controle de distúrbios de toda ordem, inclusive no caso de rebeliões no sistema carcerário, em operações especiais, no policiamento ostensivo e no caso de graves calamidades públicas.



V – Projeto de Lei nº 2.554/2011

                Com o objetivo de preencher a mencionada lacuna legislativa, o Deputado João Campos apresentou o projeto de lei nº 2.554/2011, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo, padronizando o uso da força pelos órgãos de segurança pública.

                A proposta em tela estabelece parâmetros ao uso da força pelos integrantes dos órgãos de segurança pública, na medida em que sujeita tal atividade aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

                Ressalte-se que as regras previstas neste projeto estão em consonância com os Tratados Internacionais contra a tortura, pena cruel, tratamentos desumanos e degradantes que o Brasil é signatário, entre estes acordos, se destacam:

  • Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução nº 34/169, de 17 de dezembro de 1979;
  • Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1999; e
  • Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York, em 10 de dezembro de 1984.



VI – Redução da Letalidade decorrente da Ação Policial

                Na realidade, o objetivo da referida proposta é reduzir paulatinamente os índices de letalidade resultante de ações envolvendo agentes de segurança pública.

                De acordo com o trabalho intitulado “Políticas Públicas para a Redução dos Índices de Letalidade da Ação Policial, de autoria de Alexandre Sankievicz, aproximadamente 10% dos homicídios dolosos praticados nos grandes centros urbanos são cometidos por policiais, no exercício da função.

                Por oportuno, saliente-se que países como a França, Alemanha, Itália, Espanha e os Estados Unidos, que adotaram a filosofia do controle do uso da força, por intermédio dos instrumentos de menor potencial ofensivos, conseguiram reduzir significativamente os índices de letalidade decorrente da ação policial,

                É importante deixar claro que o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo jamais poderá colocar em risco a integridade física ou psíquica do policial.



VII - Conclusão

                Em síntese, o projeto de lei nº 2.554/2011 foi inspirado na idéia de que: a concepção de direito à segurança pode coexistir com políticas públicas que respeitem os direitos humanos.



Mário Leite de Barros Filho

Mário Leite de Barros Filho

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, professor da Academia de Polícia de São Paulo, professor universitário e autor de quatro obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciária.

Dados para contato: email: mario.leite2@terra.com.br



VIII – Bibliografia

BARROS FILHO, Mário Leite de. Direito Administrativo Disciplinar da Polícia – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 2ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2007.

BARROS FILHO, Mário Leite de e BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Concurso Delegado de Polícia de São Paulo – Direito Administrativo Disciplinar – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 1ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2006.

BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Da Prevenção da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro, 1ª ed., 2008.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1997.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de e BARROS FILHO, Mário Leite de, Resgate da Dignidade da Polícia Judiciária Brasileira. São Paulo: 2010 – Edição dos autores.

OLIVEIRA, Régis Fernandes. O Funcionário Estadual e seu Estatuto. São Paulo: Max Limonad, 1975.

VERÍSSIMO GIMENES, Eron e NUNES VERÍSSIMO GIMENES, Daniela. Infrações de Trânsito Comentadas. 1ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2003.



IX – Anexo – Texto do Projeto de Lei nº 2.554/2011

PROJETO DE LEI Nº. , DE 2011

(Do Senhor João Campos)

Disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo, padronizando o uso da força pelos órgãos de segurança pública.

                O Congresso Nacional decreta:

                Art. 1º - Esta Lei disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo, padronizando o uso da força pelos órgãos de segurança pública.

                Art. 2º - Consideram-se instrumentos de menor potencial ofensivo aqueles projetados especificamente para conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes.

                Art. 3º - Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais.

                Art. 4º - O uso da força pelos integrantes dos órgãos de segurança pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

                Art. 5º - Todo agente de segurança pública que portar arma de fogo, em razão da natureza da atividade que exerce, deverá dispor, também, de instrumentos de menor potencial ofensivo, para o uso racional da força.

                Art. 6º - A utilização de uso de força, instrumentos de menor potencial ofensivo ou armas de fogo só é admissível quando os meios não-violentos se revelarem ineficazes ou incapazes de produzir o resultado pretendido.

                Parágrafo único: Não é legítimo o uso de arma de fogo:

                I - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e

                II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.

                Art. 7º - Sempre que o uso de força, instrumentos de menor potencial ofensivo ou armas de fogo for inevitável, os integrantes dos órgãos de segurança pública deverão:

                I – Utilizá-los com moderação e de forma proporcional à ameaça e ao objetivo legítimo a alcançar;

                II – Procurar reduzir ao mínimo os danos e lesões, preservando a vida humana;

                III – Assegurar a prestação de assistência e socorro médico, com brevidade, aos feridos; e

                IV – Assegurar a comunicação da ocorrência à família ou pessoas próximas ao ferido.

                Art. 8º - As normas e regulamentos que disciplinam o uso de armas de fogo continuam em vigor, exceto as disposições que não estejam em consonância com as regras e os princípios estabelecidos por esta Lei.

                Art. 9º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


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