Francesco Schettino, o infeliz e aparentemente covarde comandante do Costa Concordia, terá de ajustar contas não só com a Justiça, mas com a tradição marítima.
Um capitão que foge do seu navio afundando antes de ter assegurado o bem-estar dos seus tripulantes e passageiros está fora da lei na maior parte do planeta.
Segundo a Convenção sobre Segurança da Vida no Mar, adotada pela maioria dos países-membros da Organização Marítima Internacional, o "capitão" -título honorífico do comandante de um navio, qualquer que seja seu posto real- tem a autoridade máxima a bordo.
E essa responsabilidade inclui o dever de preservar a vida dos tripulantes e passageiros, embora não necessariamente indique que o capitão tenha de ser o último a sair do navio; para cumprir bem a missão, poderia sair antes e supervisionar a operação.
Mas, mesmo que alguns países não reconheçam essa norma do direito internacional, fugir como fez Schettino afronta as tradições náuticas de todo o planeta.
Historicamente, o comandante de um navio costuma ser um "deus" a bordo. É uma tradição nas marinhas ocidentais, de guerra ou mercantes, que ele viva em cabine própria, isolado do resto dos oficiais e marinheiros, para preservar a mística de ser a maior autoridade a bordo.
Como um navio é um "território" navegante de um país, um espaço soberano deixado claro pela bandeira nacional no mastro, essa autoridade acabou também sendo reconhecida pelo Estado.
Em muitos países, o capitão do navio pode celebrar casamentos a bordo, por exemplo. "O capitão afunda com seu navio" tornou-se uma versão dessa mística, deixando claro a desonra em não salvaguardar a vida de passageiros e tripulantes.
O envergonhado comandante do Titanic fez isso; o mesmo fizeram comandantes de navios de guerra de vários países nas duas guerras mundiais. Schettino, pobre coitado, virou uma triste nota de rodapé nessa tradição.
RICARDO BONALUME NETO
Fonte: Folha de São Paulo
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