A
atividade de investigação criminal e a lição de direito
Regis
Fernandes de Oliveira
A Câmara dos Deputados, em breve,
apreciará a proposta de emenda à Constituição nº 37/2011, que altera o art.
144, da Carta Magna, definindo a competência para investigação criminal pelas
Polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.
É incrível como interesses
institucionais tornam questões jurídicas simples em temas tão complicados.
Realmente, a questão da
impossibilidade de o Ministério Público realizar investigação criminal pode ser
explicada com uma mera lição de direito, ministrada aos alunos dos primeiros
anos da faculdade.
De fato, basta explicar aos
discentes a diferença entre de lege lata e de lege ferenda.
O dicionário Brocardos Latinos –
Termos Jurídicos, de José Roberto da Silveira, ensina que a expressão: de lege lata significa a lei em vigor.
Em outras palavras, o termo de lege lata quer dizer: a lei como
efetivamente ela é.
A expressão de lege lata decorre do princípio do Estado Democrático de Direito,
que tem como principal fundamento: o império da lei.
Neste contexto, os §§ 1º e 4º, do
art. 144, da Constituição Federal, atribuem, expressamente, a atividade de
investigação criminal às Polícias Judiciárias da União e dos Estados membros.
Em palavras menos técnicas,
significa que para lei em vigor, ou seja, de
lege lata, somente as Polícias Judiciárias podem elucidar as circunstâncias
e a autoria dos delitos.
A investigação criminal realizada
pelo Ministério Público viola o inciso LII, do art. 5º, da Constituição Federal,
que proíbe os chamados “juizados de exceção” ao dispor que:
Art.
5º. (...)
LIII
– ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Traduzindo em português claro, a
pessoa, antes de cometer o crime, tem o direito de saber qual o procedimento
(inquérito policial), o órgão (Polícia Judiciária) e o servidor responsável
pela apuração do delito (delegado de polícia).
De outra parte, a possibilidade de o
Ministério Público investigar cria condições para direcionar o resultado do
processo crime.
Com efeito, os integrantes do Parquet quando realizam investigações
criminais, não se despem da condição de parte da relação processual,
interessada, naturalmente, no desfecho da questão contra o acusado.
A
Polícia Judiciária, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela
causa investigada. Adota posição imparcial, pois seu pressuposto de atuação é a
análise técnica e jurídica dos fatos.
É
importante que se entenda que o
delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo
como um verdadeiro magistrado tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.
Vale lembrar que o ordenamento
jurídico vigente adotou o chamado “Sistema de Persecução Criminal Acusatório”.
Tal sistema se caracteriza por ter,
de forma bem distinta, as figuras do profissional que investiga (delegado de
polícia), defende (advogado), acusa (integrante do Ministério Público) e julga
(magistrado) as infrações penais.
Saliente-se que esses papéis não
podem ser invertidos, sob pena de provocar o desequilíbrio na relação
processual criminal.
Em
síntese, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a produção e a
confirmação de provas, por intermédio de inquérito policial, presidido por
delegado de polícia, se tornaram obrigatória, pois tal prerrogativa está inserida,
de modo implícito, no rol dos direitos e garantias do princípio do devido
processo legal (paridade de força e de armas entre a defesa e a acusação),
previsto no inciso LIV, do art. 5º, da Magna Carta.
Art. 5º - (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal; (grifei)
Ressalte-se que o princípio do
devido processo legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma
investigação, instrução e julgamento justo ao acusado.
Lado outro, a expressão de lege ferenda significa da lei a ser
criada, a ser elaborada.
Em outras palavras, o termo de lege ferenda quer dizer: a lei como gostariam
que ela fosse.
No caso em análise, como o
Ministério Público gostaria que fosse o ordenamento jurídico com relação à
investigação criminal.
Neste ponto, é necessário esclarecer
que o Ministério Público deseja, na realidade, alcançar a denominada
“investigação criminal seletiva”, isto é, pretende escolher e apurar apenas os
crimes de maior destaque, que são amplamente divulgados pela mídia e projetam a
Instituição.
Tal fato se reveste de maior
gravidade, na medida em que o Ministério Público pretende exercer a atividade
de investigação criminal por intermédio da Polícia Militar, desvirtuando a
função preventiva desta Instituição.
Saliente-se, finalmente, que o
Ministério Público tentou inúmeras vezes, por intermédio de propostas de emenda
à Constituição, conquistar a prerrogativa da investigação criminal, no entanto,
essas iniciativas sempre foram rejeitadas pelo Congresso Nacional.
O problema que se instaura não pode
ser colocado de forma maniqueísta, isto é, se o Ministério Público investigar,
tudo fica melhor; caso contrário, haverá deterioração da investigação criminal
e as provas podem se perder.
Em verdade, o que se encontra por
detrás é a crença falsa de que a Polícia Judiciária está desacreditada e
corrompida.
Temos uma das melhores polícias do
mundo. Só não é melhor e atinge a excelência administrativa e funcional, porque
o governo remunera pessimamente seus servidores e não dá a eles estrutura de
trabalho.
Há, pois, uma falsa discussão embutida
no conflito institucional. Em termos constitucionais dúvida não há. A
investigação é atribuída à Polícia Judiciária. Funcionalmente, cada entidade
tem suas funções devidamente identificadas. Basta que o governo reestruture a
carreira policial, remunere bem seus agentes, tal como remunera o Ministério
Público, e teremos de volta a dignidade do exercício da atividade policial.
É o que se aguarda que faça o
Parlamento, ou seja, identifique, com precisão, a competência de cada
instituição, atribuindo a investigação criminal, para a qual o Ministério
Público não está preparado, à polícia civil. Evitar-se-á, assim, qualquer
dúvida em relação à competência funcional de cada órgão.
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