sexta-feira, 22 de junho de 2012

A vítima no banco dos réus

A vítima no banco dos réus
Autor:
Por Carlos Alberto Marchi de Queiroz

Os meios de comunicação de massa, na primeira quinzena de junho de 2012, noticiaram, com grande destaque, um homicídio qualificado seguido de destruição e ocultação de cadáver, praticado contra um grande empresário do ramo de produtos alimentícios, por sua esposa, no interior de uma cobertura de um prédio de luxo localizado no bairro de Vila Madalena, em São Paulo.

Dias após o desaparecimento da vítima, seus despojos foram encontrados na cidade de Cotia, no entorno da Capital do estado, episódio que levou os ascendentes do morto a contratar conhecido advogado, cuja esforço aliou-se às excelentes investigações de polícia judiciária, transferidas do local do crime para a Divisão de Homicídios e de Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Estado de São Paulo, unidade especializada na elucidação de crimes misteriosos.

O encontro macabro fez com que a autoridade policial presidente das investigações na Capital, obtivesse mandado de busca e apreensão expedido pela autoridade judiciária competente, a fim de penetrar no apartamento triplex, onde o executivo residia em companhia da esposa e de uma filha, de um ano.

No interior da moradia, a Polícia Civil apreendeu grande quantidade de armas, cartuchos e sacos plásticos de lixo, dramaticamente semelhantes aos que continham os restos cadavéricos, indícios que aproximaram os investigadores e peritos da principal suspeita, a esposa da vítima, que, em seu desfavor, teve ainda gravados seus passos pelo circuito interno de televisão do edifício onde morava e legalmente apreendidos.

Assim como os parentes da pessoa morta passaram a contar com um advogado, que certamente irá ocupar o papel de assistente de acusação por ocasião do julgamento pelo plenário do Júri, a investigada passou a ser assistida por seu ex-professor de Direito Penal, que, diante da advertência pela autoridade policial de seu direito de permanecer calada, aconselhou-a a confessar a autoria do uxoricídio e a subsequente destruição e ocultação do cadáver, bem como a participar da reprodução simulada dos fatos, conhecida doutrinariamente como reconstituição de crime.

A confissão de um crime, poucos sabem, é um direito do investigado que, com isso, já passa a contar, antecipadamente, com uma circunstância atenuante, que o favorecerá, por ocasião da prolação da sentença pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, não se confundindo com a delação premiada. No mesmo sentido, ao participar voluntariamente da reconstituição, a mulher abriu mão do seu direito constitucional de permanecer calada, circunstância que certamente será apreciada ao final do processo.

Diante desse transparente quadro investigatório, brilhante promotor de justiça declarou à imprensa que “o júri já começou”, posto que a opinião pública começara a dividir-se após a juntada aos autos de vídeos produzidos por detetive particular, três dias antes do assassinato, e que eventualmente poderiam comprometer a figura da vítima.

Curiosamente, na cidade de Capivari, a mulher de um lavrador foi presa pela Polícia Civil, que, de forma rápida e profissional, esclareceu que ela havia matado o marido a golpes de facão enquanto dormia, uma vez que este a traía abertamente, exibindo à companheira cartas e fotos de sua amante, episódio que, por sua vez, teve um paupérrimo desdobramento de mídia, face ao nível social ocupados por vítima e autora.

O saudoso advogado Valdir Troncoso Peres, especialista em julgamentos de crimes apreciados pelo Tribunal de Júri, costumava colocar a vítima no banco dos réus, baseando-se em estudos de Vitimologia, um ramo novo da Criminologia e que surgiu em 1947, através de pesquisas do Dr. Beniamin Mendelsohn, famoso advogado em Jerusalém.

Mendelsohn fez profundos estudos sobre a personalidade da vítima, sob os pontos de vista biológico, psicológico e social, e sua relação com o vitimizador, dando origem à figura da “dupla penal”, esforço intelectual que foi aceito de imediato em todo o direito penal ocidental e que hoje se encontra incorporado à redação do artigo 59 do Código Penal, que impõe ao juiz sentenciante, dentre outras apreciações, avaliar o comportamento da vítima no evento criminoso.


Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é Delegado de Polícia.

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