O espetáculo do populismo penal midiático
A ampla difusão de um
vídeo, nas redes sociais, em maio de 2012, mostrando as grosserias midiáticas
do policialesco Brasil Urgente Bahia, conhecido como “O sistema é bruto”,
acabou gerando uma sacudida na anestesiada sensibilidade social.
A ampla difusão de um
vídeo, nas redes sociais, em maio de 2012, mostrando as grosserias midiáticas
do policialesco Brasil Urgente Bahia, conhecido como “O sistema é bruto” (Band
BA), acabou gerando um grande ruído (uma sacudida) na (normalmente) anestesiada
sensibilidade social.
Uma repórter (bela e
loira), enquanto entrevistava um jovem negro de 18 anos acusado de roubo e de
tentativa de estupro, perguntou-lhe se ele já tinha feito “exame de próstata”
(e se tinha gostado disso) para constatar se houve ou não violência sexual
contra a suposta vítima. A repórter ridicularizou e debochou do seu
entrevistado, abordando-o de forma "preconceituosa",
"racista" e "elitista".
Cuida-se de um
sensacionalismo exorbitante, transmitido ao vivo e em cores bem
discriminatórias (o que jamais ocorreria se o suspeito não fosse puramente
corpo, sem nenhum patrimônio econômico, cultural ou social). Lamentável é que
esse ícone do jornalismo irresponsável e aberrante não é isolado. Essa
espetacularização excêntrica da violência, que alguns chamam de “datenização do
direito penal”, já passou da hora de merecer uma séria intervenção do
Ministério Público.
O Código Penal está
criminalizando de forma mais clara esse tipo de discriminação racial,
claramente ofensiva aos direitos humanos e retrato de quanto a barbárie ainda
prepondera sobre a civilização em alguns setores e momentos do nosso país.
Há muitos anos
estamos assistindo no Brasil ao paroxismo (extrema intensidade) do extravagante
e bárbaro espetáculo midiático promovido pelo populismo penal, que constitui o
eixo da chamada “Criminologia midiática”, que explora à exaustão o
“catastrófico”, o “ridículo”, o “aberrante”, o “sanguinário”, havendo amplo
apoio popular a essa absurda hiperdimensão dos fatos, com a edição de chocantes
imagens, que incrementam a cultura do medo e da violência.
Alguns programas
oferecem verdadeiros shows televisivos que mostram acareações entre criminosos
(suspeitos) e vítimas, incutindo no imaginário popular um determinado
estereótipo de criminoso, que reforça a maniqueísta ideologia do bem e do mal,
excluindo-se dessa exploração sensacionalista os delinquentes que não
correspondem ao modelito explorado pelos meios massivos de comunicação.
É chegada a hora de
impor limites a essa incivilizada “Criminologia midiática” que, globalizada
desde os EUA, anda prestando mais desserviço que utilidade à evolução da
sociedade, na medida em que mostra uma realidade mais caótica do que ela é,
para alcançar objetivos privados por meios tortuosos ou pouco claros, tal como
se fazia na preparação dos golpes de estado, tão frequentes no nosso continente
latino-americano.
A dramatizadora
“Criminologia midiática” não vem encontrando limites e está num crescendo
infinito, cada vez mais deplorável, a ponto de agredir (física ou moralmente)
seus entrevistados ou de se perder em gritarias desorientadas, mas claramente
inconstitucionais, reclamando a pena de morte, a expulsão dos nordestinos, o
massacre dos acusados presumidos inocentes etc.
Os “especialistas”
entrevistados (policiais, juízes, promotores etc.) começam afirmando o que
viram ou ouviram ou fizeram e, depois, são questionados sobre assuntos que não
são do seu domínio, sim, da experiência dos criminólogos (causas do delito,
fatores sociais determinantes, importância das drogas para a delinquência
etc.). Informações do senso comum pululam e frequentemente acompanhadas de uma
descomunal ideologia autoritária, que se mostra totalmente contrária à educação
em direitos humanos de todos, ou seja, de ricos e pobres, pretos e brancos,
elite ou senzala, acusado ou inocente etc.
Luiz Flávio Gomes
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
GOMES,
Luiz Flávio. O espetáculo do populismo penal midiático. Jus
Navigandi, Teresina, ano
17, n.
3283, 27 jun. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22115>. Acesso em: 27 jun. 2012.
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