Fiança policial, violência doméstica e a Lei nº
12.403/2011
Com a Lei
Maria da Penha, a concessão de liberdade provisória pela polícia mediante
fiança é possível, se a vítima for vulnerável, apenas nos crimes sujeitos a
ação penal privada e nas contravenções penais, em respeito ao princípio da
proporcionalidade.
Índice: 1. Introdução 2. A fiança: breve notícia histórica 2.1. Origem da fiança policial: a confusão entre as funções de juiz e
de delegado 3. O Código de Processo Penal de 1941: a fiança policial e a
necessidade da prisão num regime de exceção 3.1. A “desmoralização” da fiança com a reforma de 1977 3.2. A fiança concedida pela autoridade policial e a Lei 12.403/11 4. A
impossibilidade de concessão de fiança policial após as inovações introduzidas
pela Lei Maria da Penha, reforçadas pela Lei 12.403/11 4.1. A Lei Maria da Penha, a prisão e a liberdade no contexto
constitucional 4.2. Os motivos da Lei Maria da Penha e os requisitos das cautelares na
violência doméstica 4.3. Casos concretos que demonstram a incompatibilidade da fiança
policial perante o novo sistema legal 5. Crimes de ação penal privada e contravenções penais 6. Conclusão
1.
Introdução
Após a edição da Lei Maria da Penha, a fiança concedida pela
autoridade policial passou a ser vedada na violência doméstica contra a mulher.
Somente o juiz, senhor constitucional da prisão e da liberdade, pode fixá-la,
“posto que esta só pode ser concedida quando ausentes os requisitos da prisão
preventiva (art. 324, IV, do CPP), análise a ser feita pelo judiciário no caso
concreto”, conforme recomendação do Conselho Institucional das Câmaras
Criminais do Ministério Público do DF, de 13/5/2010.
A Lei 12.403, de 4/5/2011, que sistematizou o uso das cautelares
penais no CPP, não só ratificou aquele entendimento, como também o reforçou.
Tal diploma ainda ampliou as hipóteses de proibição de concessão de fiança pela
autoridade policial para abarcar os crimes de violência doméstica praticados
contra o homem-vulnerável: menor, idoso, enfermo ou pessoa deficiente. Por
isso, os Promotores de Justiça de Violência Doméstica do Brasil, na 2º reunião
nacional da categoria (18 e 19/8/2011), concluíram por unanimidade:
A fiança e
as novas alterações do Processo Penal. Os participantes
entenderam que é incompatível a fiança policial nos crimes praticados em
situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, em razão de haver
necessidade de o Juiz analisar imediatamente os requisitos da prisão preventiva
nos termos do art. 310, inciso II, do CPP bem como da impossibilidade de
concessão de fiança quando presentes os requisitos da prisão preventiva (CPP,
Art. 324, IV).
Por fim, a
COPEVID (Comissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica do Brasil)[1],
emitiu o seguinte enunciado:
Enunciado
nº 6: Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, é vedada a
concessão de fiança pela Autoridade Policial, considerando tratar-se de situação
que autoriza a decretação da prisão preventiva nos termos do artigo 313, III,
CPP.
Considerando
a resistência de algumas unidades da Federação em cumprir a lei, seguem algumas
considerações esclarecendo os motivos de o legislador ter optado por submeter os
flagrantes dos crimes mais graves (identificados como aqueles em que se
autoriza, em tese, a prisão preventiva) ao crivo exclusivo do juiz, como
corolário da cláusula de reserva jurisdicional determinada na Constituição da
República.
2. A fiança: breve notícia
histórica
Em sua
origem, a concessão da liberdade era feita mediante uma garantia, chamada
caução. Esta podia ser real (caução em sentido estrito) ou fidejussória, que
seria a fiança propriamente dita. Aquela consistia em bens e esta num
compromisso pessoal.
A primeira
modalidade de garantia exigida pelo Estado – assim em Atenas como em Roma – foi
a caução fidejussória, consistente na apresentação de fiadores, que assumiam a
obrigação de apresentar o réu no dia do julgamento (ALMEIDA JÚNIOR[2]).
No
Brasil-colônia (1500-1822), desde as Ordenações Afonsinas, havia a concessão da
liberdade por meio das Cartas de Seguro, da homenagem (menagem[3]) e
da palavra de fiéis carcereiros, geralmente mediante compromisso de comparecimento
ao julgamento. Era prevista também a fiança, como caução real prestada por
fiador.[4]
Vê-se que
o termo fiança utilizado não apresentava técnica jurídica, pois se referia ao
depósito em dinheiro, metal precioso, etc, verdadeira modalidade real de
caução, e não de fiança. Tal denominação, porém, foi mantida no sistema
processual brasileiro. Explica Tourinho Filho[5]:
“Ao tempo
do império, a liberdade provisória podia ser concedida por meio de caução ou de
um compromisso pessoal, como a palavra dos fiéis carcereiros ou a homenagem.
Com o passar dos anos, desapareceu a caução pessoal, a fiança propriamente
dita, e subsistiu a caução real, que, a rigor, não é fiança, embora sempre
tenha sido chamada assim, e até hoje ela tem, no Processo Penal, a mesma
denominação.”
Apesar da
impropriedade técnica, o termo “fiança”, como sinônimo de prestação em
dinheiro, foi mantido pelo atual Código de Processo Penal.
2.1. Origem da fiança
policial: a confusão entre as funções de juiz e de delegado
Durante o
Império (1822-1889), os Poderes Legislativo e Judiciário não gozavam de
independência, pois o Poder Executivo subjugava os demais, através do
denominado Poder Moderador[6]. “Disso resultou uma concentração de
atribuições nas mãos do Imperador. Pelos princípios constitucionais do Poder
Moderador, a pessoa do Imperador foi considerada inviolável e sagrada, não
estando sujeita a responsabilidade alguma”, constata Boris Fausto[7].
Por isso,
cabia exclusivamente ao Imperador nomear os magistrados. Para manter a
subordinação dos juízes, determinou-se que o Monarca poderia “suspendel-os por
queixas contra elles feitas”[8].
Nesse
contexto, aos juizes de direito, escolhidos dentre bacharéis, competia exercer
a chefia da polícia, nos termos do Código de Processo Penal de 1832. Estes
podiam menos que os juízes de paz, que, eleitos levando em conta o desejo dos
grandes latifundiários, efetivamente tinham poderes no dia-a-dia das pessoas[9].
Posteriormente, os chefes de polícia passaram a exercer as funções dos juízes
de paz, para processar e julgar as contravenções e os crimes punidos com
prisão, degredo ou desterro até seis meses, como lembra o Procurador de Justiça
Rogério Schietti Machado Cruz[10].
Por isso,
tinham os chefes de polícia, escolhidos entre os juízes, poderes judiciais.
Conhecido como “policialismo judiciário”, esse sistema traduzia “uma estrutura
e funcionamento da justiça criminal em que a Polícia prendia, investigava,
acusava e pronunciava os acusados de certos crimes sem importância”[11].
Referido autor lembra o elucidativo art. 54 da Lei nº 261, de 1841:
“as
sentenças de pronúncia nos crimes individuais proferidas pelos Chefes de
Polícia, Juízes Municipais, e as dos Delegados e Subdelegados, que forem
confirmadas pelos Juízes Municipais, sujeitam os réus à acusação, e a serem
julgados pelo Jury”
Assim, era
natural que a polícia concedesse a liberdade mediante fiança, porque tinha
poderes judiciais até para condenar. Tanto que o “promotor público”, por
Decreto datado de 1871, devia ser ouvido antes de a polícia prestar fiança[12],
fato que comprova o status judicial do investigador (ou o status policial do
juiz).
A
subordinação judicial tinha origem nas monarquias absolutistas vigentes na
Europa. Os juizes e os policiais faziam parte do mesmo braço armado,
subservientes aos interesses dos reis. Tal situação não era exclusiva das
Ordenações de Portugal, que vigoraram no Brasil por mais de 3 séculos. Outro
exemplo ocorreu durante o domínio holandês no nordeste brasileiro (1630-1654).
Aplicando os “usos, ordenações e costumes imperiais da Holanda, Zeelândia e
Frísia Oriental”, instituiu-se em Pernambuco o cargo de “escolteto”, misto de
promotor público e policial, para exercer a atividade executiva e escolher os
juizes, que eram denominados “escabinos”. Eram os “escoltetos” que presidiam as
câmaras de magistrados (“escabinos”). Não havia distinção entre fase policial e
fase judicial[13].
3. O Código de Processo
Penal de 1941: a fiança policial e a necessidade da prisão num regime de
exceção
O Código
de Processo Penal (CPP) instituiu, em 1941, um sistema processual em que a
regra era a prisão. Somente em raros crimes podia o preso em flagrante ser solto,
mediante pagamento de fiança, consistente em dinheiro ou outros bens (art.
330). Essa concessão era exclusividade da polícia, que decidia se, como e
quando fixar a fiança (art. 332), pois, durante o inquérito, o preso ficava “à
disposição da autoridade que o autuou”[14]. O juiz só podia soltar,
mediante fiança, após o término das investigações (ou, sem fiança, quando
verificasse situação excludente de antijuridicidade ou culpabilidade, nos
termos do art. 310, caput).
Nessa
situação, o delegado podia até cassar a fiança concedida por ele próprio,
quando julgasse conveniente, conforme decisão do Tribunal do Distrito Federal,
datada de 13/04/1944[15]. Assim, a polícia prendia, soltava e
prendia novamente, sem interferência judicial.
Para
frisar o indiscutível poder policial, determinou-se que, quando o delegado se
recusasse a fixar a fiança, o juiz deveria ouvi-lo antes de decidir se a recusa
era justa (art. 335). O delegado, porém, podia decidir sobre a fiança sem ouvir
sequer o Ministério Público (art. 333). Portanto, o juiz estava vinculado à
oitiva prévia da polícia, porém esta não precisava consultar os órgãos da
Justiça.
Essa
hipertrofia da função policial, em detrimento da Justiça, era fruto do “Estado
Novo”, regime de exceção vigente à época (1937-1945). Adotado pelo ditador
Getúlio Vargas, o CPP bebeu na fonte do Código de Processo Penal italiano de
1930, de cunho fascista. A opressão ao cidadão devia ser feita pelo Poder
Executivo, com a mínima interferência dos juízes. Em plena República (proclamada
em 1889), mantiveram-se os princípios do Império e das monarquias absolutas do
passado.
3.1 A “desmoralização” da
fiança com a reforma de 1977
Com a
reforma operada em 1977, pela Lei nº 6.416, o CPP foi substancialmente
alterado, de modo que a liberdade provisória, independentemente do pagamento de
fiança, passou a ser regra.
De fato,
acrescentou-se parágrafo único ao art. 310, dispondo: “quando o juiz verificar,
pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que
autorizam a prisão preventiva, poderá, depois de ouvir o Ministério Público,
conceder liberdade provisória”.
Assim, a
prisão somente poderia ser mantida se comprovada sua imperiosa necessidade,
analisando-se os requisitos da prisão preventiva (fumus boni iuris e periculum
in mora). Estes requisitos transformaram-se no esteio central do sistema
cautelar criminal ou, nas palavras de ROGÉRIO SCHIETTI[16], no
“epicentro do sistema de prisões cautelares”. Nenhuma prisão provisória pode
ser mantida na sua ausência; nenhuma liberdade pode ser concedida na sua
presença. “Passa-se, então, de lege ferenda, a exigir explícita fundamentação
também na decisão – hoje implícita – de manter a prisão provisória do autuado,
já agora sob outro título”[17].
Com isso,
o juiz tornou-se o guardião absoluto da liberdade e o responsável pela prisão
estritamente necessária, antevendo-se os princípios do Estado Democrático de
Direito forjado pela Constituição de 1988 (é um paradoxo que o dispositivo de
1977 tenha sido promulgado pelo General Ernesto Geisel, ditador que previu uma
abertura política “lenta, gradual e segura” do regime militar imposto em 1964).
Desse
modo, a fiança perdeu importância, “desmoralizou-se” [18], segundo a doutrina
majoritária.
Mitigada a
importância da fiança para os crimes passíveis de prisão preventiva, procurou o
legislador de 1977 uma saída para a concessão de liberdade imediata àqueles que
cometeram infrações criminais que, por exclusão legal, não comportavam prisão
preventiva. Para tanto, concedeu à polícia o poder de soltar, mas com a cautela
de não permitir a invasão da função judicial, entendimento reforçado pela Lei
12.403/2011, como veremos a seguir.
3.2 A fiança concedida
pela autoridade policial e a Lei 12.403/11
Como
vimos, a reforma do CPP 1977 instituiu que é o Poder Judiciário o guardião da
prisão e da liberdade do cidadão. Porém, concedeu à autoridade policial o poder
de concessão de fiança nos crimes apenados com pena de detenção ou prisão simples, e a
reforma de 2011 ampliou essa possibilidade para toda infração punida com até 4
(quatro) anos de prisão, verbis:
Art.
322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de
infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro)
anos.
Verifica-se
que tal dispositivo se contradiz com o art. 324, IV (também acrescentado pela
reforma de 1977 e mantido pela de 2011):
Art. 324.
Não será, igualmente, concedida fiança:
IV -quando
presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art.
312).
De fato, a
análise dos requisitos da prisão preventiva é matéria de alçada da autoridade
judicial. À polícia, e também ao Ministério Público, cabe requerer a prisão ao
magistrado, nos termos do art. 311 do CPP. Portanto, jamais poderia a polícia
arbitrar fiança, uma vez que sua concessão está vinculada à ausência dos
requisitos da prisão preventiva, cuja apreciação compete ao juiz (a
Constituição de 1988 reforçou esse entendimento, conforme veremos no item 4.1).
Essa
contradição, porém, apresenta uma lógica no sistema instituído. É que não se
admite a prisão preventiva para os crimes punidos com pena até 4 (quatro) anos
de prisão, a não ser em restritas hipóteses. Portanto, nem mesmo o juiz pode
manter preso o acusado por infração cuja pena máxima não ultrapasse 4 (quatro)
anos, nem decretar sua prisão.
Assim,
permite-se ao delegado conceder a liberdade provisória, mediante fiança, apenas
nos casos em que não cabe, em tese, prisão preventiva, ou seja, quando o Poder
Judiciário deve obrigatoriamente soltar. A polícia, portanto, libera os presos
antes da apreciação judicial, considerada desnecessária. Expliquemos:
Por força
do atual art. 313 do CPP, a prisão preventiva é sempre cabível nos crimes
punidos com pena máxima superior a quatro anos. Os demais crimes, considerados
menos graves, não são passíveis de prisão preventiva.
Portanto,
o legislador concedeu à autoridade policial o poder de fixar a fiança apenas
nos casos em que é incabível a prisão preventiva, ou seja, quando sequer o juiz
pode manter a prisão.
Verifica-se
que, apesar da manutenção do anômalo poder conferido à autoridade policial, não
há prejuízo em tal disposição. É que a permissão refere-se a casos
incompatíveis com a prisão provisória (preventiva), sendo indiferente qual
autoridade liberará o preso. A situação é estranha, mas tem sua lógica
sistemática.
4. A impossibilidade de
concessão de fiança policial após as inovações introduzidas pela Lei Maria da
Penha, reforçadas pela Lei 12.403/11
A Lei nº
11.340, de 2006, denominada Lei Maria da Penha (LMP), revogou a Lei nº 9.099/95
e, em consequência, restaurou as disposições do CPP para os crimes praticados
contra a mulher em violência doméstica, conforme seu art 41. Pela Lei revogada,
os crimes mais comuns praticados em violência doméstica não eram passíveis de
prisão em flagrante, muito menos de prisão preventiva. A LMP, reforçada pela
Lei 12.403/11, alterou esse quadro, de forma que é cabível a prisão em
flagrante e a liberdade provisória voltou a ser matéria privativa da alçada
judicial, sem exceções, pelo menos no que se refere à violência doméstica.
De fato, a
LMP estabeleceu a possibilidade de prisão preventiva para todos os crimes cometidos em violência doméstica contra a mulher,
inclusive aos apenados com pena inferior a quatro anos. A Lei 12.403/11 ampliou
essa possibilidade quando a vítima da violência doméstica for do sexo masculino
e vulnerável, conforme o seguinte dispositivo do art. 313 do CPP:
Art.
313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da
prisão preventiva: (…)
III - se o
crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução
das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de
2011).
E, de
forma redundante e eloqüente, a LMP determinou que a prisão preventiva pode ser
decretada ou revogada, pelo juiz, quantas
vezes forem necessárias, atentando-se para as razões justificadores (art. 20).
Assim, o
dispositivo previsto no art. 322 do CPP, que permite a concessão de fiança pelo
delegado nos crimes punidos com pena até quatro anos, não se aplica à violência
doméstica, em face das inovações introduzidas no próprio CPP pela LMP e pela
Lei 12.403/11.
Com
efeito, todos os crimes punidos com pena até quatro anos de prisão estão agora
sujeitos à prisão preventiva, nos termos do aludido art. 313, inc. IV, CPP.
Logo, não será concedida a fiança se presentes os requisitos da prisão
preventiva (art. 324, IV, CPP), apreciação que deve ser feita pelo juiz, nos
termos do art. 311 do CPP. Na ausência desses requisitos, somente o magistrado
deve soltar o acusado, independentemente da fixação de fiança, nos termos do
art. 310, parágrafo único, do CPP, na redação de 1977. A Lei 12.403/11 reforçou
esse entendimento, pois alterou referido art. 310 para esclarecer, em seus
incisos, o papel do juiz ao receber o auto de prisão em flagrante:
I -
relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II -
converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos
constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela
Lei nº 12.403, de 2011).
III -
conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011).
Ao
determinar que o juiz deve converter o flagrante em preventiva, o legislador se
refere a todos os crimes em que a lei autoriza a prisão preventiva, em tese,
inclusive os praticados em violência doméstica, de forma que, se o delegado
conceder fiança, por exemplo, num crime de ameaça, estará impedindo o livre
exercício jurisdicional. Como o juiz converterá um flagrante em prisão se o
agente já foi solto com o mero pagamento de fiança na delegacia?
Portanto,
o legislador conferiu ao juiz o poder exclusivo de decidir sobre a manutenção
da prisão na violência doméstica contra a mulher e o homem-vulnerável. A nova
Lei repudiou tanto o sistema de 1977, que permitia à polícia arbitrar fiança
nos crimes mais comuns (lesão e ameaça, por exemplo), quanto o de 1995
(JECrim), que garantia a liberdade com o simples compromisso de comparecimento.
Ambos não se preocupavam com a integridade das vítimas de violência domestica,
até porque alijavam o juiz do poder cautelar de decidir se a soltura era
conveniente ou temerária.
Assim, o
legislador frisou que a prisão preventiva ou a liberdade provisória é matéria
afeta ao Poder Judiciário, como sói acontecer num Estado Democrático de
Direito. Oportuna a advertência do Promotor de Justiça Jorge Romcy Auad Filho,
analisando a Lei Maria da Penha:
“Permitir
o arbitramento de fiança pela autoridade policial, no caso em que é possível a
decretação de prisão preventiva, além de causar desvirtuamento do ordenamento
jurídico, ainda acarretará perplexidade em posicionamentos contraditórios, bem
como usurpação
da função jurisdicional do juiz”.
Para além
disso, se a lei obrigasse a autoridade policial a fixar a fiança nesses casos,
criaria uma situação delicada e constrangedora para o delegado de polícia. É
que, quando verificada a periculosidade do acusado ou o risco à integridade da
vítima, por exemplo, o delegado teria que soltar o agressor, desde que ele
tivesse dinheiro para a fiança. Assim, assumiria um ônus e um risco que nem ao
Judiciário é conferido, qual seja, o de conceder liberdade quando presentes os
requisitos da prisão cautelar. Nem mesmo o legislador de 1977 aceitou essa
situação.
Nesse
contexto, fácil perceber que a concessão de fiança pela autoridade policial,
após o advento da Lei Maria da Penha, além de ilegal, ofende
também os ditames constitucionais, como veremos adiante.
4.1 A Lei Maria da Penha,
a prisão e a liberdade no contexto constitucional
Determina
a Constituição que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei
admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. O dispositivo - previsto na
Constituição do Império (1824) e repetido nas demais Constituições da República
(com exceção da imposta pelo “Estado Novo” em 1937) -, remete à lei
infraconstitucional a definição dos requisitos da fiança. Com a LMP e a Lei
12.403/11, esse função, vedada à autoridade policial, insere-se no contexto
constitucional.
Com
efeito, o cidadão só pode ser preso em duas hipóteses: em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (art. 5º,
LXI, CF). Conclui-se que qualquer prisão somente pode ser mantida pelo juiz, em
face da cláusula de
reserva jurisdicional. A prisão em flagrante,
faculdade do cidadão e dever do agente estatal, somente se sustenta até a
lavratura do auto de prisão em flagrante. Complementa esse entendimento a
determinação de que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo
legal ou sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIV e LIII,
CF). Rogério Schietti pontua:
“Sem
embargo, a prisão decorrente de flagrante delito se realiza sem a prévia
intervenção judicial. É, portanto, medida efêmera, que “somente se aperfeiçoa
quando recebe a chancela judicial, primeiramente ao receber (o juiz) a cópia do
auto flagrancial e, depois, ao examinar os autos do inquérito policial.
Busca-se conciliar, desse modo, a “reserva de jurisdição”, em tema de
cerceamento da liberdade individual, com as exigências de segurança pública, a
justificarem a modalidade de prisão por quem não detém o poder jurisdicional.”[19]
Nem se
argumente que a fiança policial ainda seria útil para livrar imediatamente os acusados da prisão. Ora, a comunicação da prisão em flagrante
deve ser feita IMEDIATAMENTE ao juiz e ao promotor de justiça (art. 5º, LXII,
da Constituição Federal e art. 10, da Lei Complementar nº 75/93). A Lei nº
11.449/07 avançou e determinou a comunicação também à Defensoria Pública, em 24
horas.
A reforma
de 2011 recepcionou tais comandos, ao determinar a comunicação imediata ao juiz
e ao promotor e, em 24 horas, a remessa do auto de flagrante ao juiz e ao
defensor público, conforme art. 306, caput, e seu § 1º, do CPP.
Assim, os
juízes têm a imediata ciência da prisão de qualquer cidadão acusado de violência
doméstica. Compete aos magistrados, exercendo o múnus constitucional,
manifestar-se sobre a necessidade ou não da continuidade da prisão, art. 310 e
incisos do CPP. Ao promotor de justiça e ao defensor público cabe requerer imediatamente o que entender de direito, para garantia dos direitos fundamentais
dos acusados e das vítimas.
Além
disso, o Pacto de São José da Costa Rica impõe o dever de condução da pessoa
presa, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei
a exercer funções judiciais. Sobre o tema, instiga ROGÉRIO SCHIETTI[20]:
“Para obviar eventual e justa crítica de que tal medida (proibição da fiança
policial) redundaria em atraso na soltura do autuado, quando cabível, bastaria
que se estabelecesse o direito do réu em ser conduzido, tão logo lavrado o auto
de prisão em flagrante, à presença da autoridade judicial (...) providência,
aliás, já passível de ser colocada em prática, bastando aos juízes darem
cumprimento ao disposto no art. 7º, item 5, do Decreto 678/92 (convenção
Americana sobre Direitos Humanos)”.
E, apenas
para argumentar, a soltura mediante fiança policial não beneficia a maioria dos
cidadãos, porque somente os pobres são impedidos de pagá-la, mesmo quando não colocam em risco, por
exemplo, a ordem pública ou a instrução criminal. Os economicamente
privilegiados, por sua vez, sempre são soltos, mesmo quando sua prisão se mostra necessária. Assim, a
fiança não resiste ao crivo do princípio da igualdade (art. 5º CF).
4.2 Os motivos da Lei
Maria da Penha e os requisitos das cautelares na violência doméstica
Não é
difícil entender os motivos do legislador para alterar o sistema cautelar nos
crimes punidos com detenção praticados em violência doméstica. É que, como
visto, as principais violências cometidas contra mulheres são tipificadas como
crime de lesão corporal ou ameaça, punidos com pena inferior a quatro anos.
Impedir a prisão preventiva nesses casos implicaria na aceitação da violação de
seus direitos humanos (art. 6º, da Lei Maria da Penha).
Ademais,
para apreciar os requisitos da prisão preventiva, deverá o juiz considerar as
“condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e
familiar” (art. 4º). Tal disposição, que “representa a alma da Lei, sua
essência básica, da qual não poderá o Ministério Público (ou o Poder
Judiciário) se afastar”[21], exige a análise de diversos fatores de
risco e vulnerabilidades, que potencializam a violência doméstica. A literatura
especializada sugere cautela nas seguintes situações, dentre outras[22]:
1.
Indícios de intimidação da ofendida;
2.
Agressões anteriores, registradas ou noticiadas nos autos;
3.
Periculosidade do agressor ou crueldade contra animais;
4.
Agressor possuidor de armas ou integrante da segurança pública;
5.
Tentativa de separação e inconformismo do agressor;
6.
Envolvimento com álcool ou drogas;
7.
Crianças, adolescentes, idosos ou deficientes, vítimas ou presentes nos
conflitos;
8.
Gravidez da ofendida.
Acrescenta-se
que o juiz poderá ter o auxílio de equipe multidisciplinar para auxiliá-lo. A
Juíza Amini Haddad e a Promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues, fundamentando
que o novo sistema legal de proteção à mulher é incompatível com a fiança
policial, explicam: “entendemos que, de imediato, o melhor é que o
Delegado de Polícia não arbitre fiança ao agressor (...) deve a autoridade policial
remeter o inquérito policial ao magistrado, para que este analise o caso, e,
diante dos fatos ou de até mesmo uma avaliação psicológica do agressor, bem
como de parecer ministerial, manter ou não a segregação do agente”.[23]
Além
disso, a Lei Maria da Penha dispõe sobre as medidas protetivas, que são
verdadeiras cautelares alternativas à prisão (afastamento do lar, proibição de
aproximação, etc.), a serem apreciadas pelo juiz em 48 horas (art. 18). Isso
significa que, para além de proteger as vítimas, visa o legislador garantir a
própria liberdade dos acusados, quando as protetivas se apresentem suficientes.
Inéditas no ordenamento brasileiro, tais cautelares se situam entre a prisão e
a liberdade, numa tentativa de garantir a integridade das vítimas, sem a
necessidade de submeter os acusados às mazelas do sistema prisional. A critério
judicial, pode-se até manter a prisão num primeiro momento, desde que presentes
seus requisitos, e substituí-la posteriormente por medidas protetivas.
Pois bem,
caso a Lei permitisse a concessão de fiança policial, a atuação cautelar do
juiz tornar-se-ia inócua. Ora, antes mesmo da análise judicial sobre a
necessidade e urgência de qualquer medida, o agressor já estaria livre para
continuar suas investidas contra a vítima. A esta, que não teve seu pleito
apreciado em tempo oportuno, seria negado acesso ao Poder Judiciário. O
pronunciamento judicial posterior não lhe supriria este direito.
Portanto,
é compreensível que a Lei Maria da Penha tenha conferido somente ao arbítrio
judicial a garantia cautelar dos direitos fundamentais nas situações complexas
e, não raro, trágicas, geradas pela violência doméstica. As vítimas dos casos
relatados no próximo item que o digam.
4.3 Casos concretos que
demonstram a incompatibilidade da fiança policial perante o novo sistema legal
A fiança
policial na violência doméstica ainda tem sido concedida em algumas unidades da
Federação. A situação ilegal tem gerado, diariamente, conflitos insuperáveis
entre o direito à liberdade e à segurança. Pincelo os casos abaixo, dentre
tantos, apenas para ilustrar:
Caso 1[24]
1.
08/2007: o investigado C.R.S.L. discutiu violentamente com a companheira L.S.C.
numa igreja na cidade de Samambaia/DF. O Pastor, sentindo que “o marido estava
disposto a matar a mulher, as filhas e quem mais pudesse e depois se matar”,
pediu que a vítima aguardasse, para “tentar mudar o comportamento agressivo e
ameaçador” dele;
2.
29/09/2007: o acusado foi preso em flagrante por ameaçar com uma faca sua
companheira, dizendo “se sair de casa e me deixar eu te mato”. A vítima
declarou que estava há muito tentando a separação, mas tinha medo de ser morta;
3.
29/09/2007: no mesmo dia da prisão, o acusado foi solto, mediante o pagamento
de fiança arbitrada pelo Delegado, no valor de R$ 150,00; a vítima foge para
Goiânia e se refugia na casa dos pais;
4.
07/10/2007: acusado invade a residência de seus sogros e golpeia a vítima com
várias facadas. O pai dela tenta interferir, mas é empurrado pelo acusado.
Caído, o pai assiste ao assassinato da filha.
Vê-se que
o acusado prometeu matar a vítima, caso ela o deixasse, e teve autorização de
assim proceder com o ilegal pagamento de fiança na esfera policial. Se fosse
obedecida a Lei Maria da Penha, o caso deveria ter sido encaminhado ao juiz,
para analisar os requisitos da prisão preventiva.
Na análise
judicial, fatalmente seria levado em conta que a tentativa de separação é um
momento dramático para as vítimas de violência doméstica, sendo um dos fatores
de risco importantes a serem considerados, conforme item 4.2 (a Organização
Mundial de Saúde-OMS estima que 70% das mulheres assassinadas no mundo são vítimas
de seus próprios companheiros[25]).
Claro que
a vítima só foi assassinada pela omissão do Estado, diga-se, juízes, promotores
e delegados, que, deixando de observar a Lei Maria da Penha, permitiram a
liberdade temerária do acusado, com o mero pagamento de fiança na polícia.
Caso 2[26]
1.
04/03/08: acusado preso em flagrante por ameaça de morte contra a companheira;
2.
04/03/08: acusado solto mediante concessão de fiança pelo Delegado, no valor de
R$ 500,00;
3.
Defensoria Pública, que não sabia da soltura policial do acusado, requereu ao
2º Juizado Especial e da Violência Doméstica de Samambaia/DF sua liberdade
provisória;
4.
06/03/2008: aquele d. Juízo indeferiu o requerimento da defesa, com os
seguintes fundamentos: “Outrossim, a conduta que se imputa ao requerente, por
sua própria natureza, é grave, eis que cometida com grave ameaça contra pessoa (...) Pelo que depreende dos depoimentos
prestados na Delegacia de Polícia, o autor do fato vem constantemente ameaçando a
vítima, afirmando que a matará. Consta, ainda, que a vítima já registrou
diversas ocorrências policiais contra o requerente por fatos semelhantes. Resta
suficientemente demonstrado, diante de tais fatos, que a soltura do autor do fato
representaria risco à integridade física da vítima, o que é corroborado pela
folha de antecedentes criminais juntada aos autos. A
garantia da ordem pública se encontra ameaçada, porquanto os fatos narrados no
auto de prisão em flagrante demonstram que se o autor do fato for posto em
liberdade possivelmente encontrará os mesmos estímulos relacionados com a
infração cometida (…) Daí, merece mantida a cautela corporal do autor, à
garantia da ordem pública que, na espécie, diz com a expectativa da sociedade
sobre o respeito ao direito fundamental de proteção à mulher contra qualquer
tipo de violência a ela infringida”;
5.
a criteriosa e fundamentada atuação judicial, porém, mostrou-se inócua, pois ao
acusado já tinha sido concedida liberdade pelo delegado, mediante o simples
pagamento de fiança;
6.
17/05/2008: uma vez solto, o acusado foi atrás da vítima em sua residência,
armado de uma faca, visando matá-la. Na ocasião ele avisou aos vizinhos que
iria “pegar a vítima quando ela saísse de casa”.
Vê-se que
o magistrado cumpriu sua missão constitucional, ao se manifestar de imediato
com relação à prisão. Somente o Tribunal superior poderia cassar-lhe a
sentença. No entanto, sua decisão foi desautorizada previamente pela autoridade
policial, que já havia concedido a liberdade. A polícia impediu a livre atuação
judicial, antes mesmo de o juiz se manifestar. Essa inversão de atribuições, ao
arrepio do atual CPP, com as modificações da Lei Maria da Penha, quase causou o
assassinato da vítima a facadas no dia 17/05/2008.
Frise-se
que, por este último fato, a autoridade policial também concedeu fiança (R$
1.500,00), porém o acusado não pagou por não ter dinheiro. Caso contrário, já
estaria livre para continuar suas investidas contra a vítima.
Caso 3[27]
1.
07/03/2007: a vítima registrou ocorrência por ameaça praticada por seu
ex-companheiro, porém, ao invés de prendê-lo em flagrante, a autoridade policial
de Cuiabá/MT o manteve solto;
2.
09/03/2007: a Vara do Juizado de Violência Doméstica teve conhecimento do caso;
3.
07/2007: o acusado matou a vítima com 75 facadas.
Se o
acusado tivesse sido preso em flagrante e o delegado não arbitrasse fiança,
tanto a Justiça quanto o Ministério Público teriam analisado os requisitos da
prisão preventiva em tempo oportuno, possivelmente evitando o trágico desfecho
dos fatos.
Caso 4[28]
1.
11/6/2011: socou a face da vítima, que caiu, e arrastou-a lesionando costas,
braços e face. Antecedentes: a) 1/12/02: lesionada nos braços e cabeça; b)
9/7/05: golpeou-a todo corpo, inclusive face, com facão.
2.
11/6/2011: fiança policial de R$ 1.500,00
3.
6/7/2011: matou vítima a facadas. Filhos de 9 e 6 anos encontrados ao lado
corpo da mãe.
5. Crimes de ação penal privada e contravenções penais
Com relação aos crimes de
ação penal privada, creio que poderá ser concedida liberdade pela
autoridade policial, mesmo quando praticados em violência doméstica contra a
mulher.
Ora, em tais crimes, a ação penal é de iniciativa exclusiva da
ofendida, ou seja, somente as vítimas podem iniciar o processo, através de uma
“queixa”, a ser oferecida por um advogado. Em razão do princípio da
disponibilidade, as vítimas podem renunciar ao processo, extingui-lo, mediante
o perdão, ou deixar de pedir a condenação, que implicará na absolvição
obrigatória (arts. 49, 51 e 60, III, CPP). O Ministério Público, como titular
apenas das ações penais públicas, não poderá denunciar e nem promover o arquivamento,
pois tal providência é da alçada do particular ofendido.
Nesse contexto, invocando o principio da proporcionalidade[29],
expressamente previsto no atual art. 282 do CPP construído em 2011, não é
razoável permitir a prisão em flagrante, e sua manutenção, por crime que
depende exclusivamente de ação da vítima, que poderá ser exercida em até 6
meses (art. 38, CPP). Frise-se que raramente as vítimas de violência doméstica
oferecem queixa. Nas Varas que atuamos em Brasília, por exemplo, pouquíssimas queixas
foram intentadas pelas vítimas desde a implementação da Lei Maria da Penha (há
mais de 5 anos).
Assim, a autoridade policial deve lavrar o auto de prisão em
flagrante e, em seguida, soltar os acusados, nos seguintes crimes de ação penal
privada, punidos com detenção: contra a honra (arts. 138, 139 e 140, CP); de
dano simples (art. 163, caput, CP); de fraude à execução (art. 179, CP); de
induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236, CP); e de
exercício arbitrário das próprias razões, se cometido sem violência (art. 345,
parágrafo único, CP).
O mesmo raciocínio não se aplica, porém, aos crimes de ação
penal pública condicionada à representação, pois, considerados mais graves,
submetem-se a procedimento diferente. De fato, uma vez oferecida representação
pelas vítimas, possibilitando a prisão em flagrante, compete ao Ministério
Público exercer plenamente sua função persecutória. O princípio da
obrigatoriedade impede que o promotor deixe de atuar, quando presentes os
requisitos legais. Dessa forma, o preso deverá ficar à disposição judicial,
pois se submeterá obrigatoriamente à lei penal, sem depender da vontade das
ofendidas.
Quanto às contravenções
penais praticadas
em violência doméstica, não pode haver prisão em flagrante, em que pese
entendimento contrário do STF (HC 106212, de 24/3/2011).
De fato, para tais causas continua em vigor a Lei nº 9.099/95,
cujos dispositivos foram afastados pela Lei Maria da Penha apenas para os
crimes cometidos em violência doméstica contra a mulher, nos termos de seu art.
41. Não houve ressalva para as contravenções.
Assim, nas contravenções praticadas contra a mulher, como vias de
fato ou perturbação de tranqüilidade (arts. 21 e 65 da Lei de Contravenções
Penais), a autoridade policial sequer prenderá em flagrante. Os acusados devem
ser soltos, mediante simples termo de compromisso, sem pagamento de fiança, nos
termos do art. 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95.
6.
Conclusão
Com a Lei Maria da Penha, reforçada e ampliada pela Lei
12.403/2011, a concessão
de liberdade provisória pela polícia mediante fiança:
1.
é vedada nos crimes praticados em violência doméstica contra a mulher e contra
o homem-vulnerável (menor, idoso, enfermo ou deficiente);
2.
é possível, nas hipóteses do item anterior, apenas nos crimes sujeitos a ação
penal privada e nas contravenções penais, em respeito ao princípio da
proporcionalidade.
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Notas
[1] O
enunciado foi aprovado por unanimidade pela COPEVID e também pelas demais
Comissões de Direitos Humanos vinculadas ao Conselho Nacional dos Procuradores
Gerais de Justiça (CNPG), em 7/12/2011.
[2] Apud
Eugênio Pacelli de Oliveira, p. 42.
[3] A menagem,
então privilégio dos nobres, é prevista até hoje no Código de Processo Penal
Militar, conforme Octaviano Vieira apud Tales Castelo Branco, p.166.
[4] Eugênio
Pacelli de Oliveira, idem.
[5] Fernando
da Costa Tourinho Filho, p. 507.
[6] Art. 98 da
Constituição de 1824.
[7] Boris
Fausto, p. 82.
[8] Art. 102,
3º, e art. 154, da Constituição de 1824.
[9] Flávia
Lages de Castro, p. 382.
[10] Rogério
Schietti Machado Cruz, p. 36.
[11] Rogério
Schietti Machado Cruz, idem, p. 35.
[12] Luiz
Otávio de Oliveira Rocha e Marco Antônio Garcia Baz, p. 32.
[13] Ruy
Rebello Pinho, p. 139, 143, 144 e 167.
[14] Eduardo
Espínola Filho, p. 357.
[15] Citada por
Eduardo Espínola Filho, idem, p. 513.
[16] Rogério
Schietti Machado Cruz, idem, p. 83.
[17] Rogério
Schietti Machado Cruz, idem, p. 85.
[18] Guilherme
de Souza Nucci, p. 625.
[19] Rogério
Schietti Machado Cruz, idem, p. 81.
[20] Rogério
Schietti Machado Cruz, idem, p. 170.
[21] Do autor,
“O papel do promotor no combate à violência doméstica e na proteção da mulher”.
[22] sobre o
assunto, v. do autor “A renúncia das vítimas e os fatores de risco à violência
doméstica – Da construção à aplicação do art. 16 da Lei Maria da Penha”.
[23] Amini
Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Corrêa, p. 566.
[24] Processo
nº 2007.09.1.019007-3, do 3º Juizado Especial de Samambaia/DF, e processo nº
200704405509, do Tribunal do Júri de Goiânia.
[25] Organização
Mundial de Saúde, Informe Mundial sobre Violência e Saúde, 2002.
[26] Processo
nº 2008.09.1.009166-0, 1º Juizado Especial de Samambaia/DF
[27] Noticiado
por Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Corrêa, idem, p. 561.
[28] Proc.
2011.01.1.105885-3, 1º Juizado de Violência Doméstica de Brasília.
[29] “causa
lesão à proporcionalidade a exigência de um meio quando é claro desde o
princípio que se pode recorrer a outro, igualmente eficaz, porém menos lesivo,
ou quando se comprova posteriormente que o mesmo objetivo poderia ter sido
alcançado com um meio menos restritivo” (José Laurindo de Souza Neto).
Autor
Fausto Rodrigues de Lima
Informações
sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
LIMA,
Fausto Rodrigues de. Fiança policial, violência doméstica e a Lei nº
12.403/2011. Jus Navigandi,
Teresina, ano
17, n.
3264, 8 jun. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21962>. Acesso
em: 8 jun.
2012.
L
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