Quando as provas são dúbias, o que manda é a expressividade e, nesse ponto, o defensor (Malavasi) foi bastante competente para explorar os pontos duvidosos (indefinição do horário e dia da morte, recebimento de uma mensagem — um torpedo — no celular da vítima por volta das 11h27 do domingo, dúvida sobre a existência do tiro ou não no sábado etc.). Por seu turno a defensora entrou em discussões pessoais com o assistente de acusação, anulando sua carga acusatória. A chamada capacidade de ação acabou favorecendo a defesa. Tudo conta do momento do julgamento: poder econômico, capital cultural (ré formada pela USP), influência política, status social, capacidade de verbalização (falar bem ou não), gestos, o fato de a ré ter comparecido perante os jurados, aparência das pessoas (a ré não correspondia ao estereótipo do marginalizado difundido pela mídia) etc.
Tudo isso conta, porque as decisões são tomadas levando em consideração também fatores extrajudiciais e extralegais (psicológicos, sociológicos, culturais etc.). Pessoas que parecem ser dignas de crédito (pela forma de vestir, de falar, de impressionar) conquistam apreciáveis vantagens.
Os chamados códigos particulares dos juízes (second codes) existem. Há muitas vezes preconceitos raciais, religiosos, culturais etc. Pessoas estigmatizadas, estereotipadas, discriminadas, de um modo geral, são extremamente prejudicadas. O contrário (pessoa com status, bem apresentável, rica ou bem posicionada, bem formada etc.), normalmente, leva grande vantagem, salvo quando se trata de um julgamento disruptivo (como é o caso do mensalão, onde o status, o poder político, a capacidade de contratar bons advogados etc., tudo está funcionando contra os réus).
Outro fator fundamental a ser considerado diz respeito ao julgamento da própria vítima. Ela também é julgada, pelos seus antecedentes, pelo seu status, pela sua respeitabilidade etc. Contra o coronel Ubiratan pesava o fato de ser acusado de ter comandado a operação Carandiru, que culminou com a morte de 111 presos. Tudo isso pesa no julgamento. Também o clima de suspeita geral contra a polícia, suspeita de que vem matando inocentes, em resposta às mortes contra policiais. E tudo isso acontecia bem na semana do julgamento.
A defesa soube bem explorar o que se chama de “blaming the victim”, ou seja, massacre à vítima (para livrar a ré de responsabilidade). E, ademais, todos sabemos que os jurados preferem absolver um culpado que condenar um inocente. Não havendo certeza, sabemos que a dúvida favorece o réu. A ré, de outra parte, já tinha sido impronunciada em primeira instância. Já havia um juiz que não tinha se convencido da sua responsabilidade. Por força de um recurso é que ela acabou sendo levada a júri. Por todos os motivos que acabam de ser alinhados pode-se prognosticar a grande dificuldade de se vencer novo recurso para mandar a ré a novo júri. Isso dificilmente vai acontecer.
Ironia do destino: todas as incertezas, parcialidades e nebulosidades processuais que, em seu momento, favoreceram o coronel Ubiratan nos seus processos relacionados com o caso Carandiru acabaram por beneficiar precisamente a pessoa acusada de ter sido o seu algoz. Voltas que o mundo dá!
Para aqueles que são amantes do tribunal do júri, sobretudo os jovens advogados, casos como o de Carla Cepollina são imperdíveis. Suas lições são memoráveis para a construção do futuro profissional
Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook.
DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados
Nenhum comentário:
Postar um comentário