Governando por meio do delito
Quando Jonathan Simon publicou, em 2007, o livro Governing Through Crime (governando por meio do crime), muito provavelmente ele não deve ter imaginado o impacto que esse seu trabalho iria gerar no mundo da criminologia, que é a ciência que estuda a questão criminal (crime, pena, segurança etc.).
No Brasil, o item da segurança pública que em 1989 preocupava apenas 15% da população chegou a 42% em 2010, segundo pesquisa do Ibope, citada na Carta Capital 720, de 24.10.12, p. 16. Só perde para o item saúde. Na América Latina a criminalidade, desde 2008, passou a ser a primeira preocupação, consoante Kessler, “El sentimento de inseguridad: Sociología del temor al delito”, Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2011, p. 10.
De acordo com o conceituado instituto de pesquisa Latinobarómetro, viver nos países latino-americanos é cada dia mais inseguro (o período analisado foi de 1995 a 2009). A pergunta feita à população foi a seguinte: “Viver é cada dia mais seguro ou inseguro?” Apenas 8,8% disseram se sentir a cada dia mais seguro, ao passo que 48,8% afirmaram que sente seu país cada vez mais inseguro (42,4% foram indiferentes).
O crime se converteu no problema social mais importante (ou um dos três mais importantes), passando por isso a merecer toda atenção da população bem como das autoridades que, em muitos lugares, sob a influência dos meios de comunicação, passaram a governar a nação por meio dele. Esse quadro só pode ser revertido por intermédio de um mega-pacto nacional entre a sociedade civil e os governantes.
O crime se tornou uma questão estratégica fundamental, seja para a boa governança, seja para as disputas eleitorais. As declarações e aparições dos governantes na mídia são, majoritariamente, apenas para falar do assunto criminalidade e violência.
O fenômeno do “governo pelo delito” está tornando os países menos democráticos e mais sujeitos a todo tipo de populismo penal, que consiste em explorar o medo dele decorrente para conquistar o apoio da população para medidas penais cada vez mais duras, sublinhando que isso seria a “solução” para o problema.
Outro pernicioso efeito dessa política reside no incremento da violência, sobretudo entre grupos rivais (PM “versus” PCC, por exemplo), que estimula o chamado “gatilho fácil” (por ambos os lados). De 1980 até hoje foram quase um milhão e 200 mil pessoas assassinadas no nosso País (veja nosso delitômetro no www.institutoavantebrasil.com.br).
O governo por meio do delito não diminui a violência, não aumenta a segurança e alimenta a cultura do medo e do controle. Urgentemente a questão da segurança pública deve ser repensada ou continuaremos contando os cadáveres diariamente (147 por dia, um tombamento a cada 9 minutos). Em muitos bairros na cidade de São Paulo, os que não acreditavam em inferno já estão repensando seu posicionamento.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.
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