08/11/2012 - 10:30 | 84 views - comente agora | ||
LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
Denúncia anônima sem apontamento da mínima existência de autoria pode dar ensejo à abertura de inquérito policial? Não.
Com esta conclusão a Quinta Turma do STJ deu provimento a recurso ordinário para determinar o trancamento de inquérito policial (RHC 27.884-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 9/10/2012, disponível no informativo de jurisprudência 506).
Consta que o Ministério Público recebeu denúncia anônima sobre o envolvimento da recorrente em fatos ilícitos praticados por médicos de determinado hospital público, de onde ela é funcionária. O representante do MP fez incursões investigatórias preliminares, antes de solicitar a instauração do inquérito policial, mas foram tão inconclusivas as medidas, que sequer consta na portaria de abertura do inquérito o nome da funcionária pública.
A Ministra relatora ressaltou que o trancamento de inquérito policial por meio de habeas corpus é medida excepcional, apenas justificada quando emerge dos autos a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.
No presente caso, no entanto, o simples fato de a investigada ser funcionária do setor envolvido em investigações criminais não justifica sua inclusão em inquérito policial. Isso porque é essencial a presença dos elementos indiciários mínimos para caracterizar a justa causa para persecução criminal.
De fato, para que um procedimento investigatório seja iniciado após diligências feitas com base em denúncia anônima, devem ser destacados três momentos relevantes:
(a) denúncia anônima;
(b) diligências investigativas posteriores que subministrem elementos probatórios mínimos;
(c) instauração do inquérito policial (ou adoção de alguma medida cautelar).
Pois bem. Como já mencionamos, neste caso, o Ministério Público tomando conhecimento da denúncia anônima deu início a diligências posteriores. Contudo, elas também não foram suficientes para embasar a instauração do inquérito policial.
De acordo com as conclusões da Ministra Laurita Vaz: em casos como o presente, dois valores são postos em confronto: de um lado, o dever-poder do Estado de investigar, processar e julgar aqueles agentes eventualmente envolvidos no cometimento de crimes; de outro, a proteção dos cidadãos contra o infortúnio e o constrangimento provenientes de eventual persecução criminal instaurada sem fundamento.
Estamos de acordo com as razões da Ministra. Louvável sua decisão, que se enquadra naquilo que o professor Zaffaroni chama de “sinal vermelho para as arbitrariedades” (A palavra dos mortos, Saraiva). Não se pode movimentar a máquina judiciária, envolvendo um cidadão em investigação sem a presença de elementos mínimos para justificar possível ação penal.
“É necessário que se demonstre a relação, ainda que mínima, entre a conduta supostamente ilícita e o agente investigado – o que não se verificou na espécie -, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva” Min. Laurita Vaz (RHC 27.884-MG).
A responsabilidade penal objetiva, rechaçada em nosso ordenamento jurídico, consiste naquela que independe de dolo ou culpa, decorrente da simples causalidade material.
Trata-se de responsabilidade atribuída a alguém pela simples causalidade física. Pelo mero envolvimento físico no contexto fático ninguém pode ser punido. Para além desse envolvimento fático, impõe-se a presença de dolo ou culpa.
Informativo 506, STJ
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. RELAÇÃO ENTRE A CONDUTA E O AGENTE.
É necessária a demonstração da relação, ainda que mínima, entre a conduta supostamente ilícita e o agente investigado sob pena de reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva. O simples fato de o réu ser funcionário de setor envolvido em investigações criminais não justifica seu envolvimento no inquérito policial, se não há a indicação de quais condutas ilícitas teriam sido por ele praticadas, pois é essencial a presença dos elementos indiciários mínimos para caracterizar a justa causa para persecução criminal. Precedentes citados: HC 166.659-SP, DJe 1º/3/2012, e HC 92.450-SP, DJe 22/3/2010. RHC 27.884-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 9/10/2012.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.
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quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Denúncia anônima. Investigação posterior precária. Ausência de elementos mínimos. Impossibilidade de abertura de inquérito policial.
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